No seguimento do que já foi referido no artigo anterior, segundo o INE, em 2017 realizaram-se em Portugal 7199 exposições temporárias de artes plásticas, individuais ou colectivas, onde participaram 51 417 autores com um total de 276 710 obras expostas, de 2012 a 2017 realizaram-se mais 1345 exposições e existem mais 221 espaços de exposições.
Tem aumentado significativamente a oferta no sector das artes plásticas e consequentemente os públicos, as agendas culturais apresentam um crescente número de ofertas de eventos artísticos e olha-se com um enorme orgulho quando alguns criadores portugueses são premiados ou referenciados a nível internacional, nacional ou local, ou seja, melhorámos muito do lado da recepção, mas quanto às condições de criação e à valorização da actividade do artista plástico, continuamos a confrontarmo-nos com uma situação de precariedade, levando muitos dos nossos artistas à pobreza extrema ou a coexistir na dependência, tendo de exercer outras actividades profissionais paralelas.
Após o 25 de Abril realizaram-se muitas reuniões com representantes de associações e grupos de artistas e de críticos, de escolas e de museus, criaram-se comissões consultivas, enviaram-se muitas propostas ao Ministério da Educação, mas no entanto, como referiu Rui Mário Gonçalves, muitos destes esforços foram desaproveitados, as comissões foram dissolvidas, não se aplicou a lei do «um por cento», mantiveram-se os impostos sobre as obras de arte como objecto supérfluo e de luxo e procedeu-se ao aumento dos materiais específicos1.
Em 2018, na sequência do protesto convocado pelas estruturas representativas dos trabalhadores das artes do espectáculo e do Manifesto Em Defesa da Cultura, exigindo 1% do Orçamento do Estado como mínimo no apoio do Estado à cultura e a necessidade de reformular os modelos de apoio e a política cultural do país, pela primeira vez mais de 200 artistas plásticos assinaram uma carta ao primeiro-ministro com reivindicações como a alteração à Lei do Mecenato, reorientação da Direcção-Geral das Artes (DGArtes), que consideram estar esmagadoramente dedicada às artes performativas, um organismo regulador de apoios a projectos, bolsas, publicações e internacionalização, a reposição do benefício fiscal de 50%, revisão do regime do IRS, da Segurança Social, de reforma e dos cuidados de saúde dos artistas, uma melhor gestão para as colecções e estruturas públicas das artes, denunciando a falta de uma estratégia cultural em Portugal. Deste protesto resultou apenas a criação de um programa anual de aquisição de arte contemporânea portuguesa no valor de 300 mil euros.
Em muitos países a nível internacional e em quase todos os países da União Europeia já se tem vindo a proceder ao reconhecimento da condição profissional desta área através da criação do estatuto do artista plástico, condição necessária para a criação de um sistema de regulamentação laboral de um regime específico de fiscalidade e de protecção social, tendo como referência as conclusões da Convenção Europeia dos Artistas Visuais de 2008 em Paris.
O único «estatuto do artista»2 que existe em Portugal diz respeito aos trabalhadores das artes do espectáculo e do audiovisual. Em 1948 foi criado a IAA/AIAP Associação Internacional de Arte, uma organização não-governamental (com mais de 100 organizações membros em todo o mundo) que trabalha em parceria com a UNESCO, tendo como coordenadora europeia a IAA-Europa com cerca de 40 organizações nacionais como representantes dos artistas plásticos desses países. Na União Europeia dos 28 países membros, apenas de Portugal não existe qualquer representação nestas organizações internacionais ou alguma associação nacional que defenda os direitos dos artistas visuais ou os represente no diálogo com as instituições do estado. Como exemplo, referimos que em Espanha, além de associações profissionais, existe um grupo de pesquisa, Prekariart, composto por investigadores e artistas, que organizou este ano, no País Basco, um Seminário Internacional sobre a regulamentação legal da actividade artística.
O sistema de arte contemporânea, no nosso país, baseia-se num modelo tradicional e elitista de belas-artes, que privilegia e apenas reconhece um número muito reduzido de artistas, criando um desfasamento entre os direitos e a real actividade artística, tem mantido uma situação de precariedade de muitos artistas, tornando-se numa condição estrutural. É importante que, em Portugal, os artistas plásticos iniciem uma reflexão sobre a criação de uma estrutura que se faça representar tanto a nível nacional, como internacional, sobre o reconhecimento legal da sua actividade e sobre a defesa dos seus direitos, com vista à utilização dos instrumentos legais necessários para melhorar as condições e a dignidade que o exercício da actividade de artista plástico merecem.
Quanto à nossa agenda de artes plásticas, deixo como sugestões para a primeira quinzena de Agosto, uma visita à Galeria Municipal do Porto e à associação Porta 33 na Madeira.
Actualmente na Galeria Municipal do Porto estão as exposições De Outros Espaços, com curadoria de João Silvério e Pedro Gadanho e Desertado. Algo Que Aconteceu Pode Acontecer Novamente, de Maria Trabulo e com curadoria de Pieternel Vermoortel, que podem ser visitadas até 18 de Agosto.
De Outros Espaços, título apropriado do ensaio de Michel Foucault3 em que se defende que, apesar de toda a técnica desenvolvida, o espaço contemporâneo não foi ainda totalmente dessacralizado, principalmente por certas dicotomias que ainda hoje consideramos inultrapassáveis e invioláveis, algumas delas mantemos nos dias de hoje, como por exemplo «entre o espaço público e espaço privado, entre espaço familiar e espaço social, entre espaço cultural e espaço útil, entre espaço de lazer e espaço de trabalho. Todas estas oposições se mantêm devido à presença oculta do sagrado». Este texto fala-nos também de utopias, heterotopias. Nesta exposição poderemos ver obras de 44 artistas portugueses contemporâneos de diversas gerações e, segundo o curador, «aborda as noções de espaço imaginadas e desenvolvidas por artistas visuais. Desta abordagem à ideia de espaço emergem tópicos prementes como as questões de identidade ou de género, a alienação social nos contextos urbanos contemporâneos, ou a revisitação de memórias históricas complexas, a partir de instalações, pintura e escultura de vários artistas».
Desertado. Algo Que Aconteceu Pode Acontecer Novamente é uma exposição de Maria Trabulo com Abbas Akhavan, Ana Kun, Bahman Kiarostami, Dora García, Flaka Haliti, Jeremiah Day, Loukia Alavanou, Melvin Moti e Pilvi Takala, segundo a curadora, a exposição desenvolve-se a partir do desafio de pensar e debater «o lugar que a ficção e as histórias partilhadas ocupam nas construções sociais e políticas de hoje, colocando a questão de: “Como poderemos entender a participação social e política através da arte, e como pode a arte participar do debate público?”».
Na Porta 33 está actualmente a exposição Synthetic Statistics, que poderá ser visitada até dia 10 de Agosto. Porta 33 - Associação Quebra Costas Centro de Arte Contemporânea foi fundada no Funchal, em 1989, além de exposições organiza também colóquios, visitas guiadas em colaboração com a comunidade escolar e é também um centro de documentação. Como se refere no texto de apresentação, esta é uma exposição-instalação «para ouvir e sentir o espaço e os subespaços em que este se declina, com assinatura do artista alemão Florian Hecker, um dos mais consagrados nomes da música eletrónica/sintetizada», artista que está actualmente a residir na cidade do Funchal. Acrescente-se, ainda, que a exposição pretende «mostrar aquilo que outros sentidos, além da visão ocular, podem dar a descobrir» e esse «é, pois, o principal desafio que Synthetic Statistics coloca ao público». O espectador encontrará as paredes pintadas de novas cores, sons, cabos, os focos de iluminação, tudo isto será o contexto e ambiente para podermos criar uma viagem sensorial «que se propõe expandir todos os sentidos do corpo», quando se pediu ao autor para descrever a exposição, este afirmou: «Não creio que Synthetic Statistics possa explicar-se por palavras; trata-se de algo que escapa à linguagem, que tem de ser experimentado pela audiência para ser entendível».4
- 1. Rui Mário Gonçalves e Francisco da Silva Dias, 10 Anos de Artes Plásticas e Arquitectura em Portugal (1974-1984), Editorial Caminho, Lisboa, 1985, pp. 12 e13.
- 2. Lei n.º 4/2008, de 7 de Fevereiro.
- 3. Conferência proferida por Michel Foucault no Cercle d'Études Architecturales, em 14 de Março de 1967.
- 4. Texto de Susana de Figueiredo a partir de uma conversa com o artista.
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