Na Bahia, de 616 pessoas mortas no âmbito de intervenções de agentes do Estado no ano passado, 603 eram negras. O número representa 97,9% dos casos, quando descartados aqueles em que a raça da vítima não é divulgada.
Trata-se da maior percentagem entre os sete estados seguidos pela Rede de Observatórios da Segurança, de acordo com o relatório «Pele alvo: a cor que a polícia apaga», publicado pela organização na quinta-feira, com dados referentes a 2021.
O documento foi elaborado pelo terceiro ano consecutivo, e os dados continuam a mostrar que a população negra é a mais atingida pelas armas da Polícia nos sete estados abrangidos pela investigação: Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo.
Os elementos são produzidos pelas diversas polícias, através das secretarias de Segurança dos estados em causa, e foram obtidos por via da Lei de Acesso à Informação, segundo refere a organização na apresentação do boletim anual.
Bruno Paes Manso, investigador da Rede e do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e um dos responsáveis pelo estudo, afirma que a Bahia é «uma novidade que vem se consolidando há alguns anos» em relação ao aumento da letalidade policial, «porque é um estado governado por partidos considerados progressistas há praticamente 16 anos». Ainda assim, juntamente com o Rio de Janeiro, o estado tornou-se um dos mais violentos, sendo a maioria das vítimas negra, indica o Brasil de Fato.
O quadro «mostra mais uma reprodução desse processo de extermínio, que imagina que a eliminação traz algum tipo de ordem, o que vem há décadas produzindo tragédias no Brasil. E a Bahia entra nessa espiral de forma consistente nos últimos anos, apesar de ser governada por partidos progressistas, o que mostra como propostas civilizatórias de segurança pública também não fazem parte da discussão da esquerda», acrescenta.
O investigador considera que é difícil elencar os motivos que conduziram a Bahia a este cenário, mas aponta para os conflitos internos entre pequenas facções e o aumento do tráfico de drogas decorrente de uma «profissionalização» do Primeiro Comando da Capital, a maior organização criminosa do Brasil, que, directa ou indirectamente, dita padrões a outros grupos.
«Os grupos são ligados aos territórios onde existem conflitos e a polícia não soube administrar. Isso é a única coisa que dá para afirmar: para lidar com esse crescimento e com essa transformação do crime, a polícia baiana de fato decidiu declarar guerra, mas que só tem promovido uma autodestruição, uma solução quase suicida», afirma Paes Manso. «O problema está em vários estados, só que a polícia da Bahia está agindo desproporcionalmente, de forma violenta, achando que vai resolver o problema, mas o problema só cresce», frisou.
Neste cenário, vem à tona a existência de um padrão racista estrutural na Polícia, cuja acção letal acomete maioritariamente a população negra. Em Salvador, capital da Bahia, de 299 mortos, apenas um não era negro. Em todo o estado, uma pessoa negra é morta pela polícia a cada 24 horas.
No relatório, a Rede conclui que a «ação policial é a face mais visível e palpável do racismo». «Esses policiais saem às ruas instruídos a buscar elementos suspeitos, focalizando bairros negros e jovens negros, em geral com o álibi de apreender drogas. São nessas operações que ocorrem a maioria das mortes provocadas por essas corporações», destaca o texto.
Rio de Janeiro
Em números absolutos, a polícia fluminense foi a que mais matou gente entre os sete estados (1214) seguidos pela Rede, ainda que fique atrás dos estados do Nordeste em relação à proporção de brasileiros negros mortos. Mesmo assim, a Polícia do Rio de Janeiro mata uma pessoa negra a cada nove horas.
Quando se trata de matança, o que significa três vítimas ou mais na mesma ocorrência, o Rio de Janeiro lidera, com 57 casos. Das 155 vítimas, 138 eram negras. No total, foram 1214 mortos em 2021, sendo 1060 negros, o que representa 87,3% do total.
Paes Manso explica que o Rio de Janeiro é «diferente» dos outros estados, porque as forças de segurança actuam com estratégias de operação de guerra nas comunidades. «Ao contrário dos outros estados, onde o patrulhamento da Polícia no geral está mais ligado a prisões em flagrante ou mesmo revistas em determinadas circunstâncias, um tipo de patrulhamento mais preventivo, o Rio de Janeiro é o único estado em que a Polícia Militar opera com estratégias de operação de guerra», afirma.
Um relatório publicado esta quarta-feira pela Rede de Observatórios de Segurança revela que 86% dos mortos em operações policiais em 2019 no estado brasileiro do Rio de Janeiro foram negros. Os dados do estudo agora publicado, com o título «A Violência Policial Tem Cor: a Bala Não Erra o Alvo», mostram que a população negra é a mais atingida pelas armas da Polícia. Os elementos foram obtidos por via da Lei de Acesso à Informação e através das secretarias de Segurança dos cinco estados abrangidos pela investigação: Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco e Ceará. No que respeita ao estado carioca, das 1814 pessoas registadas como vítimas da acção letal da Polícia em 2019, 1423 são negras – termo que, de acordo com o estudo, inclui a soma de pretos e mestiços. O relatório destaca que o número de mortes provocadas por agentes policiais em 2019 é o maior em 30 anos no estado do Rio de Janeiro e chama a atenção para a elevada percentagem (86%) de negros mortos nas operações policiais, tendo em conta que os negros representam 51,7% da população fluminense, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O elevado número de mortes provocadas pela Polícia continuou por 2020 adentro; daí que o estudo afirme que «os moradores da favela passaram 2020 fugindo de vírus e de tiros». Confrontado com «números assustadores» – 115 mortes por agentes policiais em Março, 179 em Abril e 130 em Maio –, o Supremo Tribunal Federal (STF) teve de intervir para proibir as operações em comunidades durante a pandemia. «Há décadas não há notícias de operações com alta letalidade policial nos bairros abastados, onde predominam brancos. No Rio, o racismo da segurança pública e da cultura de policiamento é explícito e se exerce sem disfarces. É nas favelas que a Polícia faz operações cotidianas e mata sem controle. Talvez por esta razão, o STF foi específico quando proibiu acções policiais durante a pandemia, dizendo literalmente que estavam proibidas "operações em comunidades"», sublinha o estudo. Para a coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança e do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), Sílvia Ramos, os dados apontam para uma conclusão incontestável, que é a da permanência do racismo como política de Estado. «Com esses dados podemos mostrar que não é um viés racial, não é excesso de uso da força, não é violência policial letal acima do tolerado, é racismo», denunciou, citada pelo Brasil de Fato. Destacou ainda que as estratégias policiais implementadas no Rio de Janeiro são racistas e fazem dos negros um alvo. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Grande maioria dos mortos em operações policiais no Rio são negros
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«É um tipo de patrulhamento e policiamento ineficaz e violento que há muitos anos a Polícia continua insistindo em fazer e só produz morte. E não é à toa que quem morre são os negros, porque são os lugares que têm pessoas mais pobres e de alguma forma a população tolera, como se isso não fosse um problema», acrescentou em declarações ao Brasil de Fato.
A pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 11 de Novembro último, mostra que a proporção de pessoas pobres no país sul-americano era de 18,6% entre os brancos, em 2021, e praticamente o dobro entre os pretos (34,5%) e pardos (38,4%), que compõem a população negra.
Outros estados
O Maranhão vive actualmente um «apagão» de dados referentes à raça das vítimas, pelo que a Rede de Observatórios da Segurança, aferindo que 87 pessoas foram mortas pelas polícias, se viu impossibilitada de obter dados quanto à «cor da pele».
Um caso semelhante é o do Ceará, onde o poder público não identificou a cor da vítima da violência policial em 69% das ocorrências. Nos restantes 31%, 92% dos mortos eram negros.
Em Pernambuco, 96,3% dos mortos pela Polícia Militar do estado são negros, o que equivale a 101 vítimas (face a quatro brancos). No município do Recife, a totalidade dos mortos em resultado da intervenção de agentes policiais era negra.
No Piauí, das 32 pessoas mortas por agentes de segurança pública em 2021, 24 eram negras, o que representa 75%.
Por último, em São Paulo, a Rede de Observatórios da Segurança registou 480 morte por acção policial, sendo negras 330 das vítimas (cerca de 69%). Trata-se do único estado que assistiu a um decréscimo de letalidade policial nos últimos meses, algo que, segundo a organização, poderá estar em parte relacionado com o programa Olho Vivo, implementado pelo governador João Doria, que decretou a utilização de câmaras nos uniformes dos agentes.
Bruno Paes Manso considera que a política tem produzido resultados importantes e, por isso, deve ser implementada noutros estados. Desde que o programa Olho Vivo começou a funcionar, a 1 de Agosto de 2020, a letalidade da acção da Polícia paulista caiu 72%, segundo os dados da Secretaria de Segurança Pública estadual.
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