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COP26: sim, mas…

Da COP26 já ninguém fala. E afinal, para que serviu? Quais são os compromissos assumidos pelo governo português e como chegou a eles? Como vai dar-se andamento a eles no nosso país? Ou foi tudo encenação?

CréditosRobert Perry / EPA

Da COP26, importa continuar a valorizar essencialmente a sã discussão que privilegie os resultados do estudo científico e os dados da realidade. Os relatórios do Painel Intergovernamental para as Mudanças climáticas (IPCC, a partir da sua denominação em inglês) são para arquivar na cesta secção…

Mas hoje gostaria de abordar três questões.

Uma primeira questão refere-se a considerações reinantes sobre energias alternativas e ao carácter antropogénico das causas das alterações climáticas.

1) Por exemplo, há quem defenda um novo paradigma de energia e transporte. Os carros sem condutor são elegantes, mas o verdadeiro progresso no transporte virá da criação de redes de recarga que tornem a recarga omnipresente para aliviar a ansiedade no seu alcance. Esses são os problemas que impedem o abandono total da condução a gasolina e um rápido declínio nas emissões de gases poluentes.

Também existem outras soluções de evitar os gases «poluentes». Porém é necessário evitar as resistências, com a introdução cuidadosa da inovação.

Algumas elas – as chamadas energias alternativas, como a eólica ou a fotovoltaica – pesam pouco para as necessidades, agridem ambientalmente paisagens e apoderam-se de terrenos com vocação agrícola em termos inadmissíveis.

Para aqueles que querem, mesmo contra as evidências científicas, que as alterações climáticas sejam essencialmente antropogénicas, isso exige alguns compromissos complicados. Pretendem aliviar-se dos piores efeitos dessas acções humanas ao mesmo tempo que não negam a capacidade de a humanidade existir, de forma sustentada, no planeta, acaba por tornar-se um compromisso difícil.

O clima sempre mudou de eras quentes e temperadas para eras glaciais. O que é diferente agora é a dimensão humana nessa mudança. Mas a relação causa-efeito de tornar a actividade humana a principal causadora dos desastres climáticos é um salto na imaginação que atropela a Ciência com algoritmos e modelos matemáticos, alheados da realidade concreta.

Podemos, por exemplo, converter a economia a uma base eléctrica e podemos remover o carbono do meio ambiente, mas também precisamos de estabilizar a população humana, garantindo recursos e empregos para todas as pessoas.

A energia, transporte e comida são hoje actividades para fazer muito dinheiro e os governos devem preocupar-se com a definição de padrões que garantam quantidades, e que devem ter em conta a necessidade de os impostos sobre o valor acrescentado acompanharem as subidas da produtividade e dos lucros.

Como disse Demétrio Alves:  «se, de facto, as alterações climáticas são um problema tão terrível para o planeta e para a humanidade, e se elas são devidas, de acordo com a teoria oficial, ao CO2 produzido pelas atividades económicas do coletivo humano, por que razão, há uns que suportam os custos das medidas erradicadoras ou mitigadoras (a grande maioria dos consumidores/contribuintes), enquanto outros (uma minoria de investidores/empresários) extraem fabulosos lucros com a política voluntarista que norteia uma descarbonização da sociedade e da economia feita em marcha acelerada?»

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COP26 – do descrédito a alguma construção

Quer a China, quer a Rússia têm poderosas delegações nesta conferência, estão a conversar com as outras partes, a prepararem as posições comuns sobre diversas questões para serem assinadas.

CréditosJonne Roriz ; POOL / EPA

Tal como na COP25, nesta COP26 velhas ideias estão a ser traficadas, desconsiderando o esforço dos países em vias de desenvolvimento, das organizações ambientais e a discussão da calendarização do combate ao desastre ecológico e os objectivos e datas das acções que o possam conjurar.

Uma dessas situações é a luta política conduzida para ajudar a criar a ideia de que se a COP26 fracassar, a responsabilidade é dos políticos que não se teriam entendido.

Desde que Joe Biden foi eleito no início do ano, passou a fazer guerra à China e Rússia. Isso hoje está presente em múltiplos aspectos das relações internacionais. Biden também aproveita a oportunidade da COP26 para meter veneno.

Joe Biden, no final do G20 expressou «decepção» com o facto de a Rússia e a China «não terem assumido quaisquer compromissos» para lidar com as alterações climáticas. E que, por isso, as pessoas se sentiriam desapontadas.

Porém, nem os EUA nem o G20… assumiram compromissos para parar o financiamento a centrais eléctricas a carvão em países pobres e assumiram um vago compromisso de atingir a neutralidade do carbono por volta de meados do século.

De facto, quer a China, quer a Rússia assumiram compromissos. E trabalharam desde a COP25 de Paris para os cumprir. Existem reflexões produzidas sobre as alterações climáticas sentidas em ambos os países, que determinaram uma série de medidas para as resolver.

Biden mentiu. Mas os participantes nesta COP26 têm estes relatórios. A RTP e outros media em Portugal não se referiram a eles, enquanto insistem na mistificação e limitam-se a reproduzir sound bites de origens sem credibilidade.

Quer a China, quer a Rússia têm poderosas delegações nesta conferência, estão a conversar com as outras partes, a prepararem as posições comuns sobre diversas questões para serem assinadas. Isso apesar de nem Xi-Jinping, nem Putin se terem deslocado a Glasgow por razões que foram conhecidas.

Declaração, de natureza completamente diferente da de Joe Biden, foi a de Xi-Jinping na passada segunda-feira. Quando se trata de desafios globais como as mudanças climáticas, o multilateralismo é a receita certa, disse Xi destacando a importância da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), e seu Acordo de Paris.

A China, o maior emissor mundial de gases de efeito estufa na actualidade, entregou oficialmente, no passado dia 28, os seus novos compromissos climáticos.

Na sua nova «Contribuição Determinada em Nível Nacional (NDC, na sigla em inglês)», Pequim compromete-se a alcançar o seu pico de emissões «antes de 2030», e a neutralidade de carbono, «antes de 2060». Estas metas mantêm-se dentro do que já havia sido antecipado pelo presidente Xi Jinping.

Apresentadas no site da UNFCCC, estas novas contribuições prevêem reduzir a intensidade de carbono (emissões de CO2 em relação ao PIB) em mais de 65% em relação a 2005.

Na sua anterior NDC, a China comprometia-se a reduzir sua intensidade de carbono entre 60% e 65%, até 2030, e a conseguir seu pico de carbono «por volta de 2030».

Neste novo contributo, Pequim lembra que os países desenvolvidos devem «assumir as suas responsabilidades históricas e continuar a assumir, com clareza, a redução de emissões».

A China também se comprometeu a aumentar a participação de combustíveis não fósseis a 25% de seu consumo, contra 20% na sua NDC anterior, em particular com o aumento de sua capacidade instalada de energia solar e eólica para 1,2 bilhão de kW até 2030, assim como com o aumento florestal em 6 mil milhões de metros cúbicos em relação a 2005.

«Neste novo contributo, Pequim lembra que os países desenvolvidos devem «assumir as suas responsabilidades históricas e continuar a assumir, com clareza, a redução de emissões.»

A nova contribuição da China, responsável por mais de um quarto das emissões globais de gases de efeito estufa, era, portanto, aguardada com ansiedade antes da COP26. O compromisso chinês era especialmente aguardado, depois do anúncio pela ONU, na segunda-feira, de que os novos compromissos climáticos assumidos nas últimas semanas ainda conduziriam o mundo a um aquecimento «catastrófico» de +2,7°C.

Não só os EUA mentiram quanto às metas da China, só publicando as suas, englobadas nas do G20, um dia depois (29), da publicação pela ONU das da China (28), e, como tinham feito até então, tentaram traficar a mentira impondo mais um anátema contra este país. Porque não foi ainda permitido à China apresentar uma mensagem do seu presidente em vídeo?

Quanto à Rússia, Vladimir Putin participa na cimeira de forma virtual, com mensagem que já foi emitida. O país é o quarto maior emissor de gases com efeito de estufa e pretende reduzir as emissões em 79% até 2050 face a 1990. Moscovo procura ainda alcançar a neutralidade carbónica até 2060.

«Não só os EUA mentiram quanto às metas da China, só publicando as suas, englobadas nas do G20, um dia depois (29), da publicação pela ONU das da China (28), e, como tinham feito até então, tentaram traficar a mentira impondo mais um anátema contra este país.»

Putin afirmou no G20 que a participação de fontes de energia neutras em carbono – nuclear, hidroeléctrica, eólica e solar – ultrapassou os 40% na Rússia. Se se contar com o gás natural, que entre os hidrocarbonetos tem a menor pegada de carbono, essa participação seria de 86%. É um dos melhores resultados do mundo.

(Abro parêntesis para referir que a comunidade internacional pode vir a considerar como não poluentes a energia produzida pelas centrais nucleares e pelo gás natural – este com a pegada menos poluente.)

Putin sugeriu que a comunidade mundial precisa de testar vários projectos climáticos em termos de seu impacto líquido nas emissões por cada dólar de investimento: «Pode muito bem acontecer que, por exemplo, a conservação das florestas na Rússia ou na América Latina seja mais eficaz do que investir em energias renováveis ​​em algumas nações.»

Ele acrescentou que a Rússia não apenas reduzirá as emissões de gases de efeito estufa na economia do país, como investirá também em os capturar por meio de projectos de reflorestamento, preservação da natureza e melhoria da eficiência da agricultura.

A Rússia também sofreu taxas altas de perda de cobertura arbórea em 2020, em grande parte devido a incêndios na Sibéria. A Sibéria sofreu com temperaturas altas em 2020, incomuns para a Primavera e o Verão, provavelmente devido à mudança climática, que ressecou florestas e levou a incêndios intensos. Os incêndios também queimaram turfas ricas em carbono, que estão habitualmente congeladas.

Além disso, a Rússia foi explícita quanto ao esperar vantagens concretas em troca da cooperação em matéria de mudança climática, inclusive na forma do levantamento de algumas sanções.

Os EUA são o segundo maior emissor de gases com efeito de estufa e estiveram durante quatro anos de costas voltadas para o clima, quando o ex-presidente Donald Trump abandonou o Acordo de Paris. O país regressou ao acordo no início deste ano, no próprio dia em que o novo presidente, Joe Biden, tomou posse.

Em Abril, durante uma cimeira sobre o clima, Joe Biden prometeu cortar as emissões de gases de efeito de estufa do país em 53% até 2030 (relativamente aos níveis de 2005) e passar a liderar a luta global contra o aquecimento global. Biden também estipulou como objectivo descarbonizar a economia dos EUA inteiramente até 2050. Aguardam-se ainda os seus compromissos para esta COP26.

Em 2015, a Índia tinha-se comprometido a cortar a intensidade carbónica em 33% a 35% até 2030 em relação aos níveis de 2005, alcançando uma redução de 24% até 2016. O país também se está a aproximar agora da meta de atingir cerca de 40% da produção de electricidade com base em energia renovável – uma meta colocada até 2030. Aguarda-se a confirmação dos compromissos para esta COP26.

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Quando se discute o aumento da temperatura no planeta sem falar do capitalismo

Desde a Cimeira de Paris pouco se fez. A Cimeira de Glasgow vai tentar recuperar o atraso, continuando a negociar taxas de carbono e não colocando em causa o modo de produção em que vivemos.

Protestos nas ruas de Glasgow
CréditosRobert Perry / EPA

No meio do aumento de eventos climáticos extremos em todo o mundo e de protestos contra a falta de medidas tomadas no planeta, governantes e especialistas de quase duzentos países reúnem-se em Glasgow, na Escócia, a partir de hoje, em busca de soluções políticas para conter o aquecimento global. Ao longo de duas semanas, a 26.ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP26) vai tentar definir regras para o cumprimento do Acordo de Paris.

Aprovado em 2015, o acordo estabeleceu como meta manter o aumento da temperatura média do planeta «bastante abaixo» de 2ºC em relação ao período pré-industrial, de preferência até 1,5ºC. O aumento registado até aqui é de 1,09ºC, conforme o último relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC), o painel de cientistas da ONU, maior autoridade científica sobre o assunto.

Para lembrar a urgência de serem tomadas medidas em defesa do ambiente, na sexta-feira, activistas ambientais participaram em protestos junto de alguns dos principais bancos sediados na capital do Reino Unido, antecipando o início da cimeira do clima das Nações Unidas.

Os manifestantes juntaram-se em frente à companhia de seguros Lloyd's, formando com rosas depostas no chão a mensagem «Erguer, Lembrar, Resistir».

Reivindicam o fim dos investimentos do sistema financeiro em combustíveis fósseis, uma exigência que repertiram ao longo do dia junto de algumas das principais instituições financeiras de Londres, como o banco Standard Chartered, Banco de inglaterra e outros.

Entre os manifestantes estão activistas que viajaram para Londres de países na Ásia e nações insulares do Pacífico onde já se sentem efeitos das alterações climáticas, que já estão a destruir o sítio onde vivem.

Os países combinaram que cada um definiria a sua própria contribuição para diminuir a emissão dos gases que estão a aquecer o planeta. É o equivalente a dividir a conta de um extenso banquete com quase duzentos convidados, sendo que nem todos estavam à mesa desde o começo e que cada um comeu e bebeu quantidades muito diferentes.

Previsivelmente, a conta nunca encerra: a soma dos esforços que os países prometeram fazer até 2030 colocou o mundo na rota de um aquecimento de 2,7ºC até ao fim deste século, conforme a conclusão de um relatório divulgado esta semana pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

Em 2020, as emissões globais de gases de estufa tiveram uma redução de 6,4% em relação ao ano anterior, mas a queda não se deve aos esforços dos países para conter a crise climática. O número reflecte apenas a retracção das economias por causa da pandemia.

Para este ano, a expectativa é que as emissões globais retornem a um patamar próximo ao de 2019. Restam pouco mais de nove anos até o fim de 2030, prazo adoptado para a realização dos compromissos assumidos por cada país na Cimeira de Paris.

De cimeira em cimeira a empurrar com a barriga

A 26.ª Conferência das Partes (COP26) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC) decorre de 31 de Outubro a 12 de Novembro de 2021. Assinada na Cimeira da Terra do Rio em 1992, esta convenção compromete todos os Estados a prevenir «interferências antropogénicas perigosas com o sistema climático», o que significa tomar medidas contra a poluição devida às actividades da humanidade no planeta.

Esta formulação mostra que os líderes mundiais estão conscientes da gravidade das ameaças há pelo menos um quarto de século, particularmente após a publicação do primeiro relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) em 1990. As negociações iniciais sobre a questão já tinham caído em Toronto em Junho de 1988, com os Estados Unidos a impedir um acordo sobre uma redução negociada de 20% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE).

A partir de 1995, as COP tornaram-se um evento anual para permitir aos signatários (196 países e a União Europeia) progredir gradualmente no desenvolvimento de medidas de combate ao aquecimento global. Uma das mais conhecidas foi a COP3 no Japão, em 1997, que levou à assinatura do Protocolo de Quioto. Aclamado pela imprensa internacional, este protocolo era sobretudo pouco ambicioso: representava apenas 3% do esforço necessário para resolver o problema.

Em 2009, uma campanha de difamação precedeu a COP15, mais conhecida como a conferência de Copenhaga. Os hackers divulgaram emails de um grupo de investigação britânico, tentando fazer crer que o IPCC – que tinha acabado de ganhar o Prémio Nobel da Paz em 2007 – tinha falsificado dados. Apesar de muito modesto e não vinculativo, o acordo final assinado na Dinamarca aprovou no entanto os dois principais objectivos das negociações climáticas: limitar o aquecimento a um máximo de 2°C em comparação com a era pré-industrial e a criação de um Fundo Verde de 100 mil milhões de dólares.

Divisões entre países ricos e pobres

Em 2015, a COP21 recebeu muito mais atenção dos meios de comunicação social do que as rondas anteriores, como a pressão exercida pelas ONG, movimentos de jovens e uma comunidade científica que foi quase unânime em reconhecer a natureza crítica da situação. O Acordo de Paris mostra uma maior ambição ao comprometer os líderes mundiais a «limitar o aumento da temperatura média global a muito menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais e a continuar os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C».

O termo «pré-industrial» é importante. Como confirma o último relatório do IPCC de Agosto de 2021, a temperatura média do planeta já subiu 1,09°C, devido aos gases emitidos desde a revolução industrial em meados do século XIX. Além disso, a maioria dos peritos concorda que o aquecimento excederá em qualquer caso 1,5°C por volta de 2040, dada a inércia do fenómeno, mas que este objectivo deve ser mantido durante as décadas seguintes. A uma escala global, décimos de um grau de temperatura contam.

As consequências de um aquecimento de 2°C seriam muito mais graves, como mostrou um relatório anterior do IPCC. Isto porque estamos a falar de temperaturas «médias globais», e não de temperaturas locais, que flutuam muito mais amplamente. A uma escala global, um aquecimento de 2°C corresponde a uma convulsão considerável. A temperatura média da Terra era 5-6°C mais baixa do que a temperatura actual na altura do último máximo glaciar, há cerca de 21 000 anos. Nessa altura, uma calota de gelo cobria quase todo o Canadá actual, o Norte da Europa e grande parte da Rússia, com o nível do mar cento e vinte metros mais baixo do que hoje.

Face a tal urgência, é surpreendente que os signatários do Acordo de Paris tenham protelado grande parte das medidas (a COP26 foi adiada de 2020 para 2021 devido à covid-19). Enquanto a administração Trump obstruía o processo, a maioria dos países aproveitou a posição norte-americana para deixar as suas emissões aumentar de 2016 para 2019, em vez de insistir na necessidade de agir rapidamente.

Embora não insignificantes em termos do impacto em cada economia nacional, os actuais compromissos de todos os países estão longe de ser suficientes, pois conduziriam a uma trajectória superior a +3°C até 2100. Daí a necessidade, durante a COP26, de rever estas «contribuições determinadas nacionalmente» para baixo.

As discussões também realçam uma divisão Norte-Sul, com os países ricos a tentarem pedir aos países do Sul que façam um esforço máximo, com base em argumentos tendenciosos. Omitindo que os países do Norte serão também muito vulneráveis, particularmente devido à sofisticação das suas economias. Já a multiplicação das secas, incêndios e inundações dos últimos anos prenunciam o caos que resultaria de uma abordagem de laissez-faire.

Embora os países emergentes se tenham tornado grandes emissores de gases de efeito de estufa no século XXI – liderados pela China – os países ocidentais têm uma grande responsabilidade histórica, sendo responsáveis por dois terços das emissões acumuladas até à data. Para além disso, se adoptarmos o critério de emissão por pessoa, estes países estão longe de terem a pegada ecológica dos habitantes dos países ocidentais. Finalmente, uma proporção significativa das emissões dos países emergentes está ligada à deslocalização das indústrias, o que mascara o aumento das emissões para produzir bens no Sul que são consumidos no Norte. Os países do Sul tentaram em vão que estas emissões históricas e importadas fossem incluídas nos cálculos. 

COP26 e os combustíveis fósseis

As reacções dos governos à covid-19 mostram que podem tomar medidas drásticas, mas muitas vezes demasiado tarde, o que leva a decisões que são muito mais drásticas do que as que seriam necessárias no devido tempo.

No caso das alterações climáticas, o adiamento pode dever-se à magnitude das mudanças necessárias, mas leva a torná-las ainda maiores. Para permanecer abaixo de 1,5°C de aquecimento global, as emissões globais de CO2 teriam de ser reduzidas em 3,3% por ano a partir de 2010; uma vez que aumentaram, precisam agora de ser reduzidas em cerca de 7% por ano. Esta é a ordem de grandeza da redução relacionada com a contenção para o ano 2020. Em vez de aprender com isto, a maioria dos líderes só fala em impulsionar o crescimento e o consumo.

Actualmente, três quartos do consumo mundial de energia provém de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), cuja combustão gera a maior parte dos gases com efeito de estufa.

A tentação de utilizar a energia nuclear como um recurso para cumprir os objectivos de redução das emissões de GEE tornar-se-á cada vez mais forte. Mesmo que a sua segurança pudesse ser garantida, as reservas de urânio são demasiado limitadas para substituir os combustíveis fósseis. Por outro lado, a energia nuclear revelar-se-á cada vez mais inadequada e perigosa, dada a sua intermitência (secas, envelhecimento das centrais), o aumento do risco de acidentes devido a fenómenos meteorológicos extremos e a ausência ainda total de uma solução para gerir as quantidades crescentes de resíduos extremamente perigosos.

A crescente preocupação de uma parte da população e das associações, indo mesmo até à acção judicial contra os governos, bem como a seriedade das conclusões do último relatório do IPCC, poderiam levar a COP26 a assumir um «compromisso global sobre o metano», liderado pelos Estados Unidos e pela União Europeia. Esta iniciativa de emergência tem como objectivo reduzir drasticamente as emissões deste gás, que é setenta e duas vezes mais quente que o CO2, ao longo de vinte anos. Para além desta medida, a COP26 deveria, na melhor das hipóteses, avançar para subsídios a alguns sectores de «transição» e ajustamentos técnicos ou administrativos. Terá de uniformizar os compromissos nacionais, a fim de chegar a prazos e unidades idênticos, uma vez que cada país tomou a referência que melhor lhe convinha em 2015.

É o capitalismo estúpido

Mesmo os esforços que ficam bem no papel são frequentemente tendenciosos. Por exemplo, a União Europeia, apresentada como uma das partes mais mobilizadas na luta pelo clima, está empenhada na neutralidade do carbono em 2050. De facto, a «neutralidade» da União não significa o fim das emissões de GEE, mas depende de projectos de captura de CO2 em sumidouros de carbono, cujos pormenores são, no mínimo, incertos. A Comissão Europeia mantém a ilusão – se não a mentira – de que os europeus «conseguiram dissociar as emissões de gases com efeito de estufa do crescimento económico nas últimas décadas». Mascara, assim, as emissões importadas através da deslocalização.

Apesar da sincera boa vontade de muitos investigadores e negociadores, a COP26 poderia mesmo levar a efeitos nocivos, tais como o reforço da financeirização da economia e bolhas especulativas através dos mercados de carbono; apoio à energia nuclear apesar dos seus perigos; ou uma aceitação de «soluções tecnológicas» tais como a geo-engenharia e ainda manipulações climáticas mais arriscadas.

O planeta será todo afectado com o crescimento da temperatura, mas pobres e ricos não o vão ser da mesma maneira. Vão-se multiplicar os refugiados ambientais, e os ricos que lucram com os novos negócios do capitalismo verde, que não resolvem o crescimento da temperatura, escolherão os locais menos afectados pelas mudanças climáticas para viver. A superação do capitalismo é a questão que as cimeiras não respondem, e o responsável último deste processo que está a destruir o planeta.

Como afirma a cientista política Nancy Fraser, à revista Jacobin: «A financeirização que se espalha cada vez mais segue sendo uma bomba-relógio. Porém, segundo mostra o relatório do Painel Intergovernamental sobre a Mudança Climática (IPCC), nossos infortúnios convergiram com outra crise muito grave, ainda mais catastrófica: o aquecimento global. Essa crise ecológica vem sendo fermentada há muito tempo e agora se torna palpável. Mais e mais segmentos da população global, incluindo segmentos que tinham-se mantido relativamente a salvo dos seus piores efeitos, estão despertando para o problema.»

Essa ameaça só terá resolução possível com a superação do capitalismo. As outras hipóteses são apenas um mundo mais terrível em que os pobres serão as principais vítimas das catástrofes ecológicas. Tornou-se urgente a ideia que o socialismo é a única forma de evitar o desastre.

«O componente ecológico é o que me faz pensar que podemos estar a enfrentar algo diferente, uma crise de época genuína, cuja resolução requer a superação do capitalismo de uma vez por todas», afirma Fraser.

As alternativas ao socialismo são o autoritarismo e um planeta ambientalmente mais destruído.

«Existem diversos cenários possíveis. Entre eles estão alguns desejáveis, como o ecossocialismo democrático global. É difícil dizer, é claro, a aparência que ele terá, mas vamos assumir que ele desmantelaria a "lei do valor", aboliria a exploração e a expropriação e reinventaria as relações entre a sociedade humana e a natureza não-humana, entre a produção de bens e o trabalho de cuidado, entre o "político" e "o económico", planeamento democrático e mercados. Esse seria o lado "bom" do nosso espectro de possibilidades. No outro extremo, temos resultados não-capitalistas verdadeiramente terríveis: uma enorme regressão social sob a conduta de brutamontes belicosos ou um regime autoritário global. Há, é óbvio, uma terceira possibilidade, segundo a qual a crise não é resolvida de facto, mas simplesmente continua sua orgia de auto-canibalismo da sociedade até que reste muito pouco de algo que reconhecemos como humano», alerta Nancy Fraser.

Desafiar o equilíbrio de poder entre nações

A par das reduções de emissões, as delegações COP26 terão de pensar em como se adaptar às ameaças, algo que nenhum país, nem mesmo na Europa, se atreveu ainda a fazer em grande escala, de modo a não assustar a sua população.

Tendo em conta os dados científicos, a COP26 parece ser uma das últimas conferências susceptíveis de evitar a ultrapassagem de um limiar dramático de perturbação climática. Sem um repensar completo do equilíbrio de poder entre nações – e do consumo em massa – é de temer que os objectivos do Acordo de Paris se tornem rapidamente impossíveis de alcançar. Foi fixada uma data na capital francesa para uma revisão dos compromissos cinco anos mais tarde, o que acontece nesta cimeira.

«O que nós faremos nos próximos cinco anos vai determinar o futuro da humanidade no próximo milênio», disse à revista brasileira piauí o químico britânico sir David King, fundador do Centro de Reparação Climática da Universidade de Cambridge. «É sério: esta é nossa última chance», continuou o cientista, que foi assessor científico do governo britânico por sete anos e, por outros quatro, representante especial do governo para a mudança do clima – King liderou os negociadores britânicos na conferência do clima de Paris. «Se em Glasgow tivermos o entendimento do nível e da iminência da ameaça à humanidade, aí poderemos ter as respostas políticas adequadas.»

Para o investigador, a resposta política adequada envolve renunciar ao carvão, ao petróleo e ao gás natural para a geração de energia – a queima desses combustíveis fósseis é a principal fonte dos gases que agravam o efeito estufa e são responsáveis pelo aquecimento do planeta. É preciso ainda restaurar o gelo na região ártica e remover gases de estufa da atmosfera em grande escala e com rapidez, além de aparelhar os diferentes países para se adaptarem aos impactos do aquecimento global já contratado pela humanidade.

«Esse é [o] meu requisito mínimo para um mundo seguro», afirmou. King reconheceu que seus objectivos são ambiciosos e que parte deles sequer estará em negociação na COP26, antes de apontar o que ele consideraria um resultado satisfatório da conferência: «Acho bastante possível que cheguemos a um bom acordo quanto a deixar os combustíveis fósseis.»

Na agenda dos negociadores em Glasgow, está a discussão de regras para a implementação do Acordo de Paris. Um dos principais nós da negociação envolve a regulamentação do mercado de carbono pelo qual países poderão adquirir créditos de outras nações ou de entidades privadas para ajudar a cumprir suas promessas de redução de emissões, entre outros mecanismos. As delegações precisam de decidir como esses créditos serão contabilizados por cada país, de entre outros pontos que vêm causando impasse nas discussões desde a conferência anterior. A criação deste mercado permite aos países ricos continuar a poluir à custa dos países pobres.

Outro tema que deve mobilizar os negociadores em Glasgow envolve o financiamento que os países ricos prometeram aos países em desenvolvimento para ajudá-los a diminuir as suas emissões e a adaptarem-se aos efeitos da crise climática.

O combinado era que seriam 100 mil milhões de dólares por ano a partir de 2020, e o Acordo de Paris só foi possível depois desse compromisso. No entanto, até agora o volume levantado está em torno de 80 mil milhões de dólares por ano. As negociações vão começar sob um clima de desconfiança se não houver uma sinalização clara de novos recursos. «A capacidade de os países em desenvolvimento voltarem a acreditar nos países desenvolvidos no jogo climático depende do compromisso do financiamento», disse à revista piauí a bióloga Izabella Teixeira, ex-ministra brasileira do Meio Ambiente.

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Quanto à União Europeia, os seus 27 Estados-membros apresentaram em Glasgow cinco novas medidas para combater as alterações climáticas. Entre elas está a redução em 30% e até 2030 das emissões de metano, um dos gases que mais contribui para o aquecimento global; a atribuição de mais mil milhões de euros para a preservação das florestas e o envio de cinco mil milhões até 2027 para os países mais desfavorecidos combaterem as alterações climáticas.

Mas, estarão os compromissos dos países alinhados com os objectivos a que todos se procuram ajustar? António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), já respondeu a esta questão e é claro: os compromissos dos países «são um caminho para o desastre». Afirmou também que há um «défice de credibilidade e um superavit de confusão sobre as reduções de emissões», com metas e métricas diferentes.

Apesar dos compromissos assumidos, as concentrações de gases com efeito de estufa atingiram níveis recorde em 2020, mesmo com a desaceleração económica provocada pela pandemia de covid-19, segundo a ONU, que estima que ao atual ritmo de emissões, as temperaturas serão no final do século superiores em 2,7 °C.

Por isso, além dos mecanismos estabelecidos no Acordo de Paris, anunciou, no primeiro dia da conferência, que iria constituir um grupo de especialistas para propor padrões claros para medir e analisar os compromissos de emissão zero de atores não estatais.

A forma como os EUA e o Reino Unido declaram ter conseguido «mobilizar mais de 450 instituições financeiras que se comprometeram em deixar de injectar dinheiro nos combustíveis fósseis» é típico de uma mentalidade administrativa que não se compadece com a diversidade de percursos na transição energética de que diferentes países carecem. Atingir a neutralidade carbónica pode ter de passar pelo uso de energias fósseis

Foi muito positivo o acordo sobre as florestas.

A agência da ONU para a Alimentação e Agricultura (FAO) estimava em 7/5/2020 que o ritmo de destruição das florestas tenha descido de 7,8 milhões de hectares anuais na década de 1990 para 4,7 milhões de hectares entre 2010 e 2020 por causa da redução da desflorestação em alguns países e o aumento da cobertura florestal em outros.

Segundo esse relatório da FAO, desde 2010, as maiores perdas aconteceram em África e na América do Sul. Entre 2015 e 2020, o ritmo de desflorestação situou-se nos 10 milhões de hectares por ano, menos dois milhões do que nos cinco anos anteriores. No ano de 2015, perderam-se 98 milhões de hectares devido a incêndios, sobretudo nas zonas tropicais, onde arderam 04% da floresta, sobretudo em África e na América do Sul.

Globalmente, existem 4050 milhões de hectares de floresta, cobrindo um terço da superfície do planeta. Mais de 90% das florestas regeneraram-se naturalmente, estima a FAO, que analisou dados de 236 países.

Os dias da conferência, até ao seu encerramento no dia 12, permitirão novos acordos com discussões, trocas de experiências e ajustes de posições de forma a garantir parte da expectativa que ela criou ao mundo.

A credibilidade perdida de algumas previsões mais catastrofistas do passado, exigem compromissos assentes em dados e previsões bem sustentados na realidade para não se repetirem mentiras tão grosseiras como as produzidas por Al Gore no filme Uma verdade inconveniente (2007), que ganhou um Óscar e fez do seu autor Prémio Nobel da Paz…

Biden insiste em ser líder neste processo, mas o resto do mundo encara-o como uma construção colectiva assente no multilateralismo.

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2) Uma segunda questão remete para Fevereiro deste ano, quando Bill Gates publicou um livro em jeito de manifesto que a COP 26 pudesse adoptar (ou garantir-lhe mesa própria nos debates…). O livro Como evitar um desastre climático é apresentado como as soluções que ele tem e as inovações de que precisamos. Nele, Gates apresenta o que diz ter aprendido em mais de uma década «ao estudar as mudanças climáticas e investindo em inovações para enfrentar o aquecimento global». E recomenda estratégias para enfrentá-lo.

Avança que «para evitar um desastre climático, temos que chegar a zero emissões de gases de efeito estufa. Precisamos implantar as ferramentas que já temos, como solar e eólica, de forma mais rápida e inteligente. E precisamos criar e lançar tecnologias inovadoras que nos podem levar a fazer o resto do caminho».

Na sequência da publicação deste livro em quase todo o mundo, a CBS transmitiu no programa «60 Minutes» uma entrevista com o fundador da Microsoft. Nela defendeu a inovação tecnológica e a cooperação global como as chaves essenciais para resolver o que ele chama «o desafio mais difícil que a humanidade já enfrentou».

Um mês depois de lançado o livro, Bill McKibben, do The New York Times, disse que o que Gates indica como energias verdes e outras soluções climáticas são medidas «surpreendentemente atrasadas». Além disso, McKibben diz ainda que Bill Gates ignorou a sua forte influência como bilionário, pedindo uma acção governamental, mas ao mesmo tempo «passando cheques a conhecidos negacionistas climáticos».

Se Bill Gates desse uma vista de olhos aos gráficos de mudança climática dos últimos 10 mil anos e dos últimos 415 mil anos, constataria que o clima muda sem a queima de nenhum combustível fóssil pelos humanos. O tempo que estamos a viver recentemente está registado historicamente. Isso acontece em cada espaço de centenas de anos.

O que transparece deste livro, também editado em português, é o incrível grau de imprecisão da observação, a clareza simplória de exposição das questões e, sobretudo, o leque de soluções que um homem ignorante do clima nos propõe…

Em entrevista encomendada, no Público de 15 de Fevereiro deste ano, o prestidigitador, jogando à cautela, para não perder as camadas sociais que lhe fazem chegar aos bolsos chorudos maravedis, fala em «eliminar as emissões de gases com efeito de estufa, conseguindo chegar ao nível zero as emissões de dióxido de carbono», sem no entanto «mudar o nível de vida dos países ricos»…

Mas «não se pode subtrair aos países pobres ou em vias de desenvolvimento o objectivo de chegar ao patamar dos países ricos».

Para «tornear» a contradição, avança que «o que há a fazer para evitar um desastre ecológico é reciclar o projecto da modernidade científica, refazer o que foi mal feito com os instrumentos que a ciência e a ficção científica nos fornecem, reconstruir o que foi erradamente construído».

António Guerreiro, também no Público, dias depois, chamando-lhe «engenharia climática» refere que, «pelo lado da mecenática Fundação Gates não há adversários nem inimigos a identificar e a combater, há apenas investimentos bilionários a fazer. E eles são, afinal, muitas vezes empresariais e lucrativos, embora cobertos pelo doce manto do Grande Mecenas». Ou, digo eu, o que o que o Bill quer é ficar dono do tal «projecto da modernidade científica», alicerçado numa «engenharia climática» que afastaria os humanos da condução dos processos, para os transfigurar talvez em nenúfares saltitantes num paraíso (finalmente!) recuperado.

Uma iniciativa de Geoengenharia em Kiruna, na Suécia, projectada por Bill Gates, foi, entretanto, proibida pelo governo da Suécia, no dia 31 de Março deste ano. Denominado Stratospheric Controlled Disturbance Experiment (Experiência de Perturbação Controlada Estratosférica) previa, em Junho deste ano, resfriar artificialmente o planeta para alegadamente travar o aquecimento global.

O ambicioso projecto foi acusado de apresentar risco para o meio ambiente e para as comunidades indígenas que residem no norte da Suécia. Os representantes da comunidade indígena protestaram contra o plano, bem como associações suecas de defesa do ambiente.

O plano começaria por despejar, na Esrange (abreviatura para Estação Espacial RANGE, European Spaceresearch RANGE em inglês), toneladas de pó de carbonato de cálcio no sentido de conter a radiação solar. A equipa Gates já tinha fabricado um balão gigante para transportar o pó a uma altura de cerca de 20 quilómetros e, durante vários dias, ir libertando o pó na atmosfera.

Também a comunidade tradicional rejeitou a experiência, alegando que se desconhecem as verdadeiras propriedades do material que seria espalhado, o impacto concreto das medidas e a escolha estranha de um local remoto no extremo norte do país escandinavo.

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Da COP26, alguma coisa saiu, contrariando maus presságios

O acompanhamento mediático desta COP permitiu desfazer ideias feitas quanto à insistência de os países mais poluentes serem a China, a India, os Estados Unidos e a Federação Russa.

CréditosRobert Perry / EPA

Algumas das conclusões

As conclusões da COP26 traduzem-se num progresso quanto à definição de responsabilidades que daqui por um ano poderão ser revistas e avaliadas, se o percurso está a ser compatível com manter o acréscimo de temperatura nos + 1ºC, acima dos registados antes da Revolução Industrial, até 2040.

A aprovação de um «livro de regras» sobre todos os aspetos de aplicação do acordo era essencial, bem como a necessidade de um consenso em torno de atualizações anuais, em vez dos cinco anos das CND (Contribuições Nacionalmente Determinadas) de todos os países, como forma mais eficaz de sincronizar os compromissos nacionais com o espírito da COP25, de Paris.

Os países menos desenvolvidos são os mais afectados e os menos preparados para resistir às alterações climáticas. É uma difícil transição energética, que os países mais ricos têm outras condições para percorrer. O acordo de Paris reconhecia a necessidade de os países mais ricos contribuírem com financiamento foi um dos pontos de maior discórdia. O texto final da COP26 regista «com preocupação» que o financiamento climático para medidas de adaptação «continua a ser insuficiente», já que não foram cumpridos os compromissos de mobilizar 100 mil milhões de dólares em 2020. O Pacto «incita» os países desenvolvidos a duplicar o financiamento até 2025. 

Importa ter sempre em conta que a «crise climática» é uma das crises que o capitalismo provocou, que as emissões que levam ao cálculo do número 1,5ºC contêm valores acumulados dos países ricos, há muito mais tempo que os países pobres que, por sua vez se apresentam com maior fragilidade no enfrentar os desastres naturais nos dias de hoje.

Também foram discutidos os apoios para catástrofes reais provocadas pelas alterações climáticas, as perdas e danos. Foi reiterada a urgência de aumentarem os apoios, financeiros e de tecnologia, para minimizar e enfrentar as perdas e danos, reforçando também parcerias entre países ricos e pobres.

Para se cumprir com o limite de 1,5º C até 2030, ficou consagrado o conselho do IPCC de que são necessários cortes de emissões de 45% até 2030, relativamente às de 2010 (mitigação).

O livro de regras destinadas a ajudar a reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2) também impede, por exemplo, a dupla contagem do carbono (pelo vendedor e comprador).

 A COP26 fala pela primeira vez na questão dos combustíveis fósseis. Um rascunho inicial apelava aos países para que acelerassem a eliminação gradual dos subsídios ao carvão e aos combustíveis fósseis (sem referências explícitas ao petróleo e gás natural), mas o texto final aprovado, apesar dos protestos da União Europeia, da Suíça e mais alguns países, refere «intensificação dos esforços» para reduzir o carvão e eliminar os subsídios a combustíveis fósseis.

A China e os EUA na COP26

Ora não é que, no dia 10, a China e os EUA – que representam quase 40% das emissões mundiais de carbono – reconheceram que há uma lacuna entre os esforços actuais e os objectivos do Acordo de Paris. Por isso, os dois países vão «fortalecer em conjunto a acção climática».

Uma declaração do Ministério de Ecologia e Meio Ambiente chinês refere que os negociadores concordaram em melhorar a implementação do acordo climático de Paris de 2015, bem como novas medidas baseadas no «princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas e respectivas capacidades».

Os EUA comprometeram-se a atingir emissões líquidas de carbono zero até 2050. A China atingirá o pico de emissões antes de 2030, eliminando-as até 2060, o que, segundo eles, representa a transição mais rápida do carbono de qualquer grande economia. Os dois são actualmente os maiores emissores de gases de efeito estufa, embora a produção per capita da China seja metade da dos EUA e também tenha um histórico muito mais curto de actividade intensiva em carbono.

Falando da declaração conjunta, Xi disse que abrange áreas como a implementação da tecnologia de captura de carbono, electrificação da economia, novas medidas para prevenir o desmatamento global e redução das emissões de metano. O metano, que é até 86 vezes mais potente do que o dióxido de carbono como gás de efeito estufa, é uma questão especial para causar o maior impacto nesta década. A China disse que vai produzir um plano de ação nacional para conter a sua descarga no meio ambiente.

O apoio aos países em desenvolvimento tem sido um ponto crítico particular na última ronda de negociações sobre o clima, com uma promessa de 100 mil milhões de dólares em fundos anuais, que não foi concretizado. A China disse que havia concordado com os negociadores dos EUA em realçar a importância de cumprir essa meta.

Falando numa conferência de imprensa separada, o representante dos EUA, John Kerry, disse que o acordo representa uma determinação de não permitir que as tensões entre Pequim e Washington ameacem a saúde do planeta. E acrescentou, procurando fazer ironia: «Os Estados Unidos e a China não têm falta de diferenças entre si». «Mas, no que diz respeito ao clima, a cooperação é a única maneira de fazer esse trabalho».

A aprovação de um «livro de regras» sobre todos os aspectos de aplicação do acordo era essencial, bem como a necessidade de um consenso em torno de actualizações anuais, em vez dos cinco anos das CND (contribuições nacionalmente determinadas) de todos os países, como forma mais eficaz de sincronizar os compromissos nacionais com o ciclo de ambição de Paris.

Nesta declaração de ambos os países, ambos reiteraram que observarão o acordo climático de Paris para manter as temperaturas abaixo de dois graus.

Eles concordaram em acelerar a redução das emissões verdes e de carbono, trabalhando em conjunto com outros países.

A China e os Estados Unidos também chegaram a um consenso sobre o financiamento do clima e as contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) de Paris (fundos de apoio aos países com dificuldades em cumprir com a transição verde).

Ambos manterão um diálogo político sobre as energias renováveis num esforço para reduzir o poder do carvão.

Alguns pontos nos ii

O acompanhamento mediático desta COP permitiu desfazer ideias feitas quanto à insistência de os países mais poluentes serem a China, a India, os Estados Unidos e a Federação Russa. Só um jornalista inculto pode aceitar tais afirmações que são baseadas apenas na emissão total de CO2 sem ter em linha de conta o número de habitantes desses países. Os valores per capita destes países são, respectivamente, e referindo-se a toneladas de CO2 emitidas em 2018 (dados do Banco Mundial), a China 7.4, a India 1.8, os EUA 15.2, e a Federação Russa 11.1.

Isto é, os EUA produzem o dobro das emissões da China, mais oito vezes que a Índia, ou mais um terço do que a Rússia.

Não nos referimos a outros países, como vários países árabes que chegam a emitir o mesmo ou muito mais que os EUA...

Depois existem os que debitam opiniões falsas, como é o caso (incurável) de Teresa de Sousa, que no Público deste último domingo escreveu: «Não foi por acaso que Xi e Putin não encontraram tempo para se deslocar a Roma, para o G20, e a Glasgow, para a COP26. Não admitem ser confrontados, nem nas salas das reuniões, nem nos protestos e nas denúncias das ruas».         

Será que a jornalista estava à espera de grandes refregas entre manifestantes e dirigentes de alguns países?

Outros apontamentos

Ao longo da última semana foram discutidos três rascunhos das conclusões. Mas até se chegar à aprovação em plenário das delegações dos vários países, ainda houve mais dois rascunhos, em consequência das negociações por grupos de países que não se reviam em versões anteriores e até no plenário de aprovação, um grupo de dezenas de países, representado pela Índia, e onde se incluíam a China, os EUA, a Rússia, com sérias reservas da UE, Suíça e outros.

Se a Conferência de Paris de 2015 definiu metas importantes – nalguns casos de longo prazo –, o que é certo é que não foram definidas as acções que se foram desenvolvendo, por opção de cada país, e os CND (Contribuições Nacionalmente Determinadas) por eles apresentados, analisados ao longo deste ano, foram de modo a que o Secretário-Geral da ONU falasse na abertura desta conferência de estarmos «no caminho para um desastre climático». De facto, foram seis anos em que só alguns países definiram um planeamento de acções de transição energética que executaram.

Se a COP25, de Paris, popularizou metas a atingir, terminando em grande confiança, ao longo de 2021 foram-se acumulando presságios que geraram um clima de desespero que persistiu até ao final da COP26.

E nos primeiros dias da conferência, Joe Biden, John Kerry e Barack Obama criticaram a Rússia e a China por subestimarem a conferência pela ausência física dos seus presidentes, pouco se importando com o facto da generalidade dos países presentes não seguirem tal narrativa.

Foi lamentável a criação de um ambiente visando atribuir responsabilidades por eventuais resultados negativos, omitindo o contributo dos EUA para isso. E omitiram o trabalho feito por centenas de técnicos de ambos os países e de muitos outros países, incluindo dos EUA. Foi um trabalho de negociação, procurando harmonização de compromissos nos temas mais difíceis, procurando mais metas de curto prazo do que encher a boca com as metas de longo prazo.

Nesta COP26, ficou claro ser importante passar do diagnóstico para a «prescrição». As alterações climáticas têm soluções. Mas ninguém nos vai dar um novo ambiente. Vai ter que se trabalhar para isso mudando políticas e paradigmas, planos e prescrições. Assim se prosseguirão caminhos de progresso, longe do simples diagnóstico e em direcção a soluções viáveis de serem trabalhadas.

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3) Finalmente, a terceira questão que queríamos abordar é que o clima é um sistema natural muito complexo, de muito difícil compreensão na sua totalidade, embora muitos cientistas entendam os seus diferentes aspectos parciais.

Por norma, o cientista ou especialista numa área científica do conhecimento, quando se trata de outras áreas, acredita nas afirmações de colegas, considerados especialistas nesse domínio.

Sucede que algumas dessas áreas são tão restritas e especializadas que todos se conhecem uns aos outros e mutuamente se promovem como únicos e inquestionáveis conhecedores do tema.

Foi este tipo de comportamento que gerou o escândalo conhecido como climategate, com origem na revelação pública de manipulação de dados paleontológicos para forçar a conclusão, amplamente promovida pelo 3.º Relatório do IPCC (TAR-2001), de não ter havido qualquer aumento significativo da temperatura média global antes do início da industrialização e da utilização massiva de combustíveis fósseis. Essa ideia sustentou e promoveu a convicção de que as emissões de CO2 seriam as grandes responsáveis pelas anunciadas catástrofes climáticas.

Por outro lado, as afirmações alarmistas acerca de alterações climáticas globais provocadas pelas emissões de CO2 têm como único fundamento as simulações numéricas obtidas com a utilização de modelos climáticos. Estes modelos são estruturalmente idênticos aos modelos meteorológicos utilizados na previsão do tempo, nos quais têm a sua origem.

Matematicamente, são uma manifestação de caos determinístico que, em termos simples, se traduz no facto de as suas previsões terem uma intrínseca limitação temporal. No caso da previsão do tempo, uma previsão razoavelmente segura não ultrapassa 1-2 semanas. No caso do clima existe a mesma limitação intrínseca.

Recorro ao meu professor no IST, J. Delgado Martins, que tem um pensamento sobre as alterações climáticaso petróleo e as oportunidades das energias renováveis, ou a energia eólica em particular. Para ele o clima é a estatística do tempo, os modelos climáticos baseiam-se no pressuposto de que fazendo a estatística de muitas simulações do tempo, cobrindo décadas, se lhes pode atribuir uma probabilidade estatística fiável. E conclui afirmando: «não existe, até hoje, nenhuma prova convincente de que assim seja mesmo partindo da hipótese adicional de que os modelos reflectem com rigor os fenómenos físicos determinantes, o que não sucede, por exemplo, com a formação e evolução das nuvens, que têm um papel crucial nas alterações climáticas».

Independentemente de considerandos de natureza fundamental e inultrapassáveis como o da previsibilidade temporal da evolução do clima, um teste empírico objectivo e convincente é, por exemplo, imaginar que estamos em 1880 e utilizar os modelos para «prever» o que se passou até 2012. Segundo o autor, «estes testes foram feitos e o que se verifica é que nenhum dos modelos utilizados pelo IPCC consegue prever os períodos conhecidos de aquecimento e arrefecimento sem fazer batota, isto é, sem ajustar subjectivamente e em cada período parâmetros fundamentais para se obterem os resultados desejados»

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