|Argentina

Eleições argentinas não foram um «descalabro» para Fernández

Os resultados das legislativas não trouxeram a Fernández o cenário de desastre anunciado pela direita. A Frente de Todos é a primeira força na Câmara e no Senado, embora perdendo aqui a maioria absoluta.

Créditos / Prensa Senado / Página 12

A segunda fase do governo de Alberto Fernández não se adivinha fácil, mas as eleições deste domingo, que renovavam 127 dos 257 assentos na Câmara dos Deputados e 24 dos 72 no Senado, não definiram o cenário de hecatombe que o macrismo andava a anunciar, lembrando incansavelmente aos cidadãos argentinos a «crise» em que vivem, como se Macri e amigos não tivessem grandes responsabilidades no seu surgimento.

No concreto, os resultados determinam que a Frente de Todos (pró-governo) e a Juntos por el Cambio – a aliança do macrismo, que já foi Cambiemos – figurem como as forças políticas dominantes no Congresso argentino, com a primeira a deter agora 118 assentos e a segunda 116 na Câmara dos Deputados.

No Senado, a grande novidade é que a Frente de Todos passa de 41 para 35 assentos, ficando agora a dois lugares de distância da maioria absoluta que detinha, enquanto a Juntos por el Cambio, que tinha 25 senadores, passa a ter 31. Ou seja, também na câmara alta a aliança que apoia o governo liderado pelo presidente Fernández se verá forçada a uma maior negociação.

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Alberto Fernández vence o neoliberalismo na Argentina à primeira volta

Mauricio Macri, que representava até agora as políticas de retrocesso social do país, admitiu a sua derrota nas eleições gerais que deu vitória à Frente de Todos.

CréditosENRIQUE GARCIA MEDINA / EPA

Com 80% dos votos contados, o candidato peronista Alberto Fernández vence as eleições na Argentina com 47,80%, de acordo com os dados fornecidos pela Direcção Nacional Eleitoral (DINE). O actual presidente, Mauricio Macri, soma 40,68% dos votos dos argentinos. Com este resultado, o candidato Alberto Fernández é eleito à primeira volta. 

Fernández será, a partir de 10 de Dezembro, o 9.º presidente desde a conquista da democracia neste país (1983), com Cristina Fernández Kirchner como vice-presidente, e procurará recuperar a justiça social e igualdade para a Argentina.

«Vêm aí tempos difíceis», disse o peronista no discurso da vitória, criticando a herança de Macri que atirou o país para uma grave crise económica, com a economia em recessão há mais de um ano. Mas prometeu que o país será reconstruído a partir «das cinzas em que o deixaram».

Por fim, afirmou que irá governar «para toda a gente». «De agora em diante, tudo o que temos de fazer é cumprir as nossas promessas. Que os argentinos saibam que cada palavra que proferimos e cada compromisso que assumimos foi um compromisso moral e ético com o país que devemos cumprir», sublinhou.

Um país fragilizado

Os resultados oficiais das PASO [Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias] de Agosto passado, o ensaio geral para as presidenciais, já apontavam para uma significativa rejeição da política neoliberal e austeritária de Macri, também caracterizada como subserviente dos interesses económicos dos EUA, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do grande capital.


Recorde-se que Paul Singer, um dos bilionários americanos que mais contribui para o partido Republicano e para Donald Trump, levou a Argentina à falência em 2014, numa criticada decisão judicial de um tribunal de Nova Iorque, vista por alguns comentadores como um meio de derrubar Kirchner e abrir as portas a Macri, ao mesmo tempo proporcionando milhares de milhões de dólares de lucro àquele que é designado no meio como «o investidor-abutre».

A recessão económica e o peso (moeda argentina) altamente desvalorizado, o acordo celebrado entre o governo de Macri e o FMI – com os habituais «pedidos» de redução na despesa pública e de aprofundamento das políticas de austeridade –, os aumentos de preços nos serviços básicos, as subidas constantes dos preços da alimentação, os despedimentos, os encerramentos de inúmeras empresas, o elevado desemprego estão entre os factores que contribuíram para que a Argentina tenha atingido, este ano, o número recorde de pessoas em situação de pobreza.

Deputada ao Parlamento Europeu acompanhou o processo eleitoral

Sandra Pereira, a deputada do PCP no Parlamento Europeu, esteve presente a acompanhar o que considerou ser «uma jornada histórica», na qual 48% dos argentinos disseram «não» às políticas neoliberais que vinham a ser protagonizadas por Macri.

Em declarações ao AbrilAbril, a deputada afirmou que, com este resultado, fica claro que «é hora para mudar para uma Argentina mais solidária, que privilegie os que trabalham», acrescentando que «os argentinos exigem um corte com as políticas neoliberais e com o seguidismo aos EUA».

Num processo marcado pela transparência, em que o voto foi «livre e exercido democraticamente», as eleições contaram com 80 acompanhantes internacionais, entre os quais José Luis Zapatero, antigo primeiro ministro espanhol. 

A deputada comunista disse ainda que, ontem, nos vários discursos de vitória, foi referido que «a experiência neoliberal está a falhar em todo o lado e que a prova disso é que os países onde essa política tem sido implementada têm mais desemprego, mais pobreza, mais desigualdades e aumento da dívida pública».

«Esta é a voz de mais um povo que se ergueu a dizer «não à austeridade», «não à ingerência externa», e que o caminho é pelo desenvolvimento do país, por proteger os argentinos e criar uma argentina solidária», concluiu.

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Embora a oposição de direita tenha celebrado a vitória deste domingo – obteve mais 2 milhões de votos e ficou à frente da Frente em termos percentuais (9%) –, o cenário ficou distante do esperado, tendo em conta que não conseguiu tornar-se a «primeira minoria» na Câmara dos Deputados, para assim arrebatar a presidência da câmara baixa a Sergio Massa, da Frente de Todos.

Outro dado importante foi o reforço da Frente de Izquierda y de los Trabajadores (FIT), que passou a ser a terceira força mais votada a nível nacional (com óptimos resultados em vários pontos do país) e passou a ter quatro deputados – o dobro dos que tinha até agora.

Também destacada pela imprensa argentina é a entrada da extrema-direita no Congresso, onde o partido Avanza Libertad passa ter cinco deputados. Apresentando-se como liberais e libertários, acusaram o macrismo de «fraco», «valeram-se do mal-estar social e avançaram sobre o universo eleitoral do Juntos por el Cambio [de Macri]», afirma o diário Página 12.

Com este cenário, centrado nos 24 meses que tem por diante, Alberto Fernández afirmou ontem que vai continuar a governar para todos. «Se queremos resolver os desafios que enfrentamos, precisamos que as grandes maiorias gerem consensos», disse o presidente argentino pouco depois do anúncio dos primeiros resultados provisórios.

Deste modo, Fernández deu a entender que, na segunda fase do seu mandato, deverá continuar a haver diálogo com a oposição, que o chefe de Estado espera que seja «responsável e aberta» ou, como também disse, «uma oposição patriótica».

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