Os actos deste 7 de Setembro de oposição ao governo de Jair Bolsonaro juntaram-se ao Grito dos Excluídos, que há 27 anos faz um contraponto popular às comemorações oficiais do Dia da Independência e questiona de facto a «independência» do povo brasileiro – a dos mais pobres, dos indígenas, dos negros, exigindo um país mais justo. A edição deste ano teve como lema «Vida em Primeiro Lugar».
De acordo com a Campanha Nacional «Fora Bolsonaro», plataforma que reúne mais de 80 entidades que convocam manifestações desde Maio último, mais de 300 mil pessoas protestaram em cerca de 200 municípios no território brasileiro e no estrangeiro.
«As ruas hoje ficaram marcadas entre aqueles que defendem democracia e comida no prato e aqueles que defendem ditadura e fuzil. O nosso grito vai continuar em defesa do povo», afirmou Josué Rocha, da coordenação da Campanha, citado pelo Brasil de Fato.
Em dezenas de cidades – revela a fonte – os protestos foram acompanhados por acções de solidariedade, com recolha e doação de toneladas de alimentos à população mais atingida pela fome.
Além de reivindicarem soluções imediatas para um dos piores momentos da crise económica e social que o país sul-americano enfrenta, os manifestantes repudiaram as ameaças golpistas de Bolsonaro, que vem defendendo a intervenção militar contra os poderes judicial e legislativo.
«Sem dúvida, tivemos o maior Grito dos Excluídos nesses 27 anos de existência, mas o importante foi fazer esse acto enfrentando todo o discurso fascista e toda a narrativa do medo construído pelos golpistas», disse ainda Rocha.
São Paulo e Rio de Janeiro
Na capital paulista, a iniciativa contra Bolsonaro promoveu a recolha de 15 toneladas de alimentos não-perecíveis, destinados a famílias carentes. O coordenador da Frente Povo Sem Medo e do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, subiu para o carro de som e discursou para cerca de 50 mil pessoas no Vale do Anhangabaú, no centro da cidade.
«Somos herdeiros de uma geração que deu a vida pela democracia, de uma geração que foi torturada, perseguida, censurada e assassinada. Nós não vamos entregar a nossa liberdade para eles», clamou.
No Rio de Janeiro, a mobilização juntou mais de 30 mil pessoas no centro da cidade, segundo as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo. Na avaliação dos organizadores, trata-se do maior número de participantes da história do Grito dos Excluídos e das Excluídas carioca.
«A juventude está compondo o 27.° Grito dos Excluídos porque o povo brasileiro não aguenta mais esse governo genocida que mata pela bala, pela fome e pelo vírus», afirmou Maíra Marinho, da coordenação nacional do Levante Popular da Juventude no Rio.
O Movimento dos Pequenos Agricultores distribuiu alimentos agroecológicos a 28 famílias como na Vila Projetada, em Niterói. A entrega das cestas contou com uma roda de conversa com o tema «O que Brasil precisa para ser independente?». No evento, os participantes receberam o jornal tabloide especial do Brasil de Fato com o tema «Fome, desemprego, corrupção e mais de 570 mil mortos».
Região de Curitiba e Florianópolis
Com o lema «Na luta por participação popular, saúde, comida, moradia, trabalho e renda, já!», o Grito dos Excluídos no estado do Paraná (Sul) aconteceu este ano na comunidade Nova Esperança, no município de Campo Magro, região metropolitana de Curitiba.
O local escolhido foi simbólico. Cerca de 1200 famílias vivem nesta ocupação desde Maio de 2020, numa área pública do estado paranaense abandonada há mais de 12 anos.
«Lutar por moradia é sintomático num país que é tão desigual na divisão de terras e que necessita de Reforma Agrária e Reforma Urbana», destacou o vereador petista Renato Freitas, que representa os movimentos da periferia de Curitiba.
Em Florianópolis (Santa Catarina), a chuva não impediu os manifestantes de saírem de casa. A concentração teve lugar no Largo da Alfândega, que ficou cheio. Aos gritos de «Fora, Bolsonaro», a marcha percorreu o centro da cidade.
Brasília e Belo Horizonte
Na capital federal, o protesto reuniu milhares de pessoas na Torre de TV. Segundo os organizadores, o acto contou com cerca de 5000 pessoas e ficou marcado pela diversidade de representações sociais e de trabalhadores, desde funcionários públicos, agricultores familiares, indígenas, mulheres, estudantes, população LBGTQIA+ e movimento negro.
Na capital mineira, a iniciativa pelo fim do governo de Jair Bolsonaro começou por volta das 9h na Praça Afonso Arinos, no centro da cidade. Os manifestantes, que pediram «vacina, pão, trabalho e educação», seguiram para a Praça da Estação, onde o protesto terminou.
Ceará e Pernambuco
Em Fortaleza, capital do Ceará, o ponto de encontro foi na Praça da Cruz Grande, no bairro da Serrinha. Durante a concentração, líderes religiosos realizaram um acto ecuménico, que contou com a participação de dez mil pessoas, segundo os organizadores.
No interior do estado também houve Grito dos Excluídos, nomeadamente nos municípios de Crato, Crateús, Canindé, Tamboril, Itapipoca e Caiucaia, que registaram mobilizações com a presença de representantes de pastorais sociais, movimentos populares, sindicatos e partidos políticos.
No Recife (Pernambuco), os organizadores contaram 15 mil pessoas e deram conta da participação expressiva de deputados da área progressista, além da de dirigentes sindicais e de movimentos.
Em Petrolina, no sertão pernambucano, a tónica do Grito dos Excluídos foram as acções de solidariedade, refere o Brasil de Fato.
Mobilizações com pedidos antidemocráticos
Convocadas pelo próprio presidente brasileiro, segundo o Brasil de Fato, realizaram-se também ontem, no Dia da Independência do Brasil, manifestações a expressar pedidos antidemocráticos, como o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e a intervenção militar sobre a democracia.
De acordo com a fonte, a ameaça de golpe não deu em nada, não se concretizou, com as mobilizações a terem uma adesão muito inferior ao que chegou a ser avançado e a ficarem circunscritas a Brasília, São Paulo e a alguns pontos no Sul do país.
Diversos comentadores e dirigentes políticos sublinharam o «isolamento» e o «enfraquecimento» de Bolsonaro. Orlando Silva, deputado federal pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) afirmou: «Hoje, tivemos um cenário previsível, foram dois actos nacionais. No restante do país, onde não houve grana e estrutura, foram actos pequenos. Bolsonaro caminha para o isolamento. Ele radicalizou para manter os mais fanáticos próximo dele, mas perderá força em definitivo nas ruas.»
Por seu lado, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, comentou nas redes sociais que, «até agora, os actos de Bolsonaro estão aquém do esforço empreendido e do dinheiro obscuro utilizado. São actos deles, para eles, que demonstram pavor do chefe com inquérito que o envolve no Supremo. A maioria do povo, que sofre com a crise, foi esquecida por eles e também os ignorou nesse dia.»
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