Golpe de Estado cimenta-se na Bolívia com uma «autoproclamada»

A senadora de direita, eleita pelo departamento boliviano de Beni, autoproclamou-se presidente interina numa sessão da Assembleia Legislativa Plurinacional, em La Paz, a que faltou o quorum necessário exigido à sucessão presidencial, uma vez que a bancada do Movimento para o Socialismo (MAS) se ausentou, depois de não terem sido dadas as garantias de segurança aos seus deputados para estarem na Assembleia. De acordo com a Prensa Latina, muitos foram alvo de ameaças e outros não conseguiram chegar ao local devido aos cortes de estradas.

A autoproclamação de Jeanine Áñez ocorreu esta terça-feira, o mesmo dia em que Evo Morales e Álvaro García Linera chegaram ao México, onde lhes foi concedido asilo político, depois de terem renunciado aos cargos de presidente e vice-presidente, respectivamente, no contexto do golpe de Estado em curso no país andino-amazónico e da violência contra as camadas populares e indígenas por parte de forças policiais e grupos de choque fascistas.

No actual quadro de golpe, ameaças e renúncias, a seguinte «na linha de sucessão constitucional» à presidência interina do país era a presidente do Senado, Adriana Salvatierra, eleita pelo MAS, que ontem não esteve presente na sessão e que hoje, ao tentar aceder ao Parlamento, foi agredida pela Polícia.

Na «ausência» de Salvatierra, a vice-presidente do Senado, Jeanine Áñez (do partido de direita Unidade Democrática), apresentou-se ontem como a seguinte na sucessão constitucional à presidência interina do país, mas, de acordo com a Constituição boliviana, os casos de renúncia à presidência devem ter o aval dos deputados, tal como a nomeação do sucessor.

Apesar disso, a direita deu este passo alegando a suposta «pacificação do país» e a legitimidade pretensamente conferida pelo artigo 170.º da Constituição, relativo ao vazio de poder e às razões que podem motivar o fim do mandato de um presidente, incluindo morte, a renúncia, a ausência ou um impedimento definitivo.

Numa breve alocução, Áñez disse que pretende convocar eleições o mais rapidamente possível. Posteriormente, dirigiu-se com deputados da oposição, agentes da Polícia e elementos das Forças Armadas até ao Palacio Quemado (sede do executivo), onde, de Bíblia na mão, fez um apelo à unidade.

Acompanhada pelo Luis Fernando Camacho, máximo representante do Comité Pro Santa Cruz e um dos grandes protagonistas do golpe de Estado, agradeceu então às Forças Armadas e à Polícia, que acabaram por ter um papel determinante na consumação do golpe de Estado de domingo passado.

A presidente interina autoproclamada da Bolívia, que, numa entrevista à CNN, negou a existência de um golpe de Estado no país sul-americano, já foi reconhecida pelos Estados Unidos e pelo Brasil, dois países que, segundo alguns meios de comunicação, estiveram ligados ao golpe que levou à renúncia de Morales, na sequência da sua vitória nas eleições celebradas a 20 de Outubro.

A poucos quarteirões, havia protestos de apoiantes de Evo Morales, muitos dos quais haviam descido da cidade de El Alto, em defesa da wiphala (bandeira indígena do país) e da democracia e contra o golpe de Estado. Tanto em La Paz como noutras cidades do país, os militares reprimiram estas manifestaçõeas.

Evo Morales: com a «autoproclamação» de Áñez consumou-se o golpe na Bolívia

A partir do México, onde está exilado desde ontem, o dirigente político boliviano escreveu na sua conta de Twitter que se consumou o golpe «mais nefasto da história», tendo denunciado as circunstâncias em que Áñez se autoproclamou.

«Uma senadora da direita golpista autoproclama-se presidente do Senado e depois presidente interina da Bolívia sem o quorum legislativo», criticou Evo Morales. Acrescentou que o golpe é executado «sobre o sangue de irmãos assassinados por forças policiais e militares».