O Presidente da Bolívia em exercício, Evo Morales, demitiu-se ao final da tarde de domingo (cerca das 21h30 em Lisboa), para evitar que a violência opositora siga causando vítimas, anunciou a Telesur, que refere ter sido acompanhado na sua demissão pelo vice-presidente Álvaro García Linera.
A demissão, transmitida em vídeo, foi anunciada em Chimboré, no departamento de Cochabamba, um dos seus bastiões políticos. Desmentem-se os boatos, postos a correr pela oposição, de que Morales teria fugido do país e solicitado asilo no México ou na Argentina.
O antigo guerrilheiro, preso político e actual vice-presidente, Álvaro Linera, que foi um dos mais vigorosos críticos dos desmandos racistas e fascistas, esteve ao lado do presidente e também interveio, como se pode ver em vídeo de RT News, que contém além disso análises feitas por especialistas nos assuntos da Bolívia.
Horas antes, o chefe das Forças Armadas e o comandante-geral da Polícia da Bolívia, em nome de ambas as instituições, tinham solicitado que se demitisse, «ante a escalada do conflito que atravessa o País» e «velando pela vida e pela segurança da população».
O general Williams Kaliman, comandante-em-chefe das Forças Armadas da Bolívia (FAB), pronunciou-se cerca das 20h GMT, segundo noticiou a RT News, afirmando, em conferência de imprensa: «depois de analisar a situação de conflito interno, sugerimos ao presidente do estado que renuncie ao seu mandato presidencial, permitindo a pacificação e a manutenção da estabilidade, no interesse da nossa Bolívia». Na sua intervenção, o general Kaliman instou os sectores que levam a cabo «actos de protesto» a «deporem atitudes de violência e desordem entre irmãos», para evitar que afectem a população «com sangue e dor».
Uma hora antes, segundo a mesma fonte, as FAB tinham anunciado a realização de operações militares destinadas a «neutralizar grupos armados actuando fora da lei», em cumprimento do mandato constitucional e das leis em vigência», lembrando que apenas à polícia e aos militares é permitido o uso de armas.
A seguir às declarações dos militares o comandante-geral da polícia, Yuri Calderón, comunicou que os agentes policiais se tinham juntado «ao pedido do povo boliviano» para sugerir a renúncia de Morales, para «pacificar» a população. A retirada para os quartéis das unidades policiais encarregues de defender os cidadãos da violência dos grupos paramilitares, deixando a população sem defesa, como noticiámos hoje, era já um presságio destes acontecimentos.
Demissão é golpe de estado
A demissão de Evo Morales ocorre no meio de uma violenta onda de terror promovida por grupos de jovens paramilitares a partir do bastião reaccionário de Santa Cruz, com destruição de centros de contagem eleitoral e queima de votos, assaltos a sedes de partidos e sindicatos, tomada e vandalização de meios de comunicação, assaltos e destruição de residências, violência bárbara contra pessoas – em particular contra mulheres indígenas –, que têm sido práticas diárias, desde há 18 dias, em boa parte do território boliviano.
A coragem demonstrada pela autarca Patricia Arce Guzmán, da localidade de Vinto, a quem uma turba de jovens linchadores brutalmente atacou, arrastou pelas ruas, cortou o cabelo e atirou tinta vermelha, e que ainda assim respondeu com dignidade aos que a brutalizavam e pretendiam ver abjurar perante as câmaras, «sou livre e não me vou calar, e se querem matar-me que me matem, mas por este processo de mudança, como disse um dia, dou a minha vida», não foi seguida por todos.
A onda de terror levou à demissão de diversos autarcas e dirigentes locais do Movimiento Al Socialismo (MAS), cujos bens e famílias foram golpeados por verdadeiros grupos de linchamento. No domingo demitiram-se membros do gabinete ministerial, como o vice-ministro de Turismo, Marcelo Arze; a presidenta do Tribunal Supremo Electoral, María Eugenia Choque; e a ministra da Planificação, Mariana Prado.
A traição de aliados do presidente e a atitude da Polícia Nacional terão sido, segundo a Telesur, decisivas para a o desenlace da actual crise política.
O comportamento silencioso ou inerte de organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização de Estados Americanos (OEA), face à denúncia do golpe de estado em curso e das graves infracções aos direitos humanos dos cidadãos bolivianos, terão também contribuído para a decisão de Evo Morales.
Entre 2006 e 2019, ao fim de três mandatos à frente do Estado Plurinacional de Bolívia – que ajudou a definir, pela Constituição de 2009 – Evo Morales Ayma, índio aymara e sindicalista, homem do povo que, como afirmou na sua declaração de demissão, não assumiu funções por la plata, deixa um país com altos níveis de desenvolvimento humano, que garantiu os direitos fundamentais (políticos, económicos e sociais) da população – incluindo, pela primeira vez na história boliviana, o reconhecimento dos direitos das 40 nações indígenas que integram o Estado boliviano – e um crescimento económico anual de 4,5%, segundo a Comissão Económica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).
Na Bolívia, segundo a Prensa Latina, a pobreza extrema diminuiu de 36,7% para 16,8%, entre 2005 e 2015. Quanto ao índice Gini, que mede a desigualdade na sociedade, passou de 0,60 a 0,47, entre 2005 e 2016. Segundo o Banco Mundial, em 2017 atingiu 0,44, melhor que os seus vizinhos Brasil (0,53), Colômbia (0,50) ou Chile (0,47).
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