|Invasão da Ucrânia

Guerra não é comédia

Ao contrário do expectável e da resistência proactiva atribuída às forças ucranianas, até ao presente a Rússia tem continuado, senão ocupando mais terreno, pelo menos mantendo os 16% do espaço ocupado. 

Bombeiros extinguem um incêndio numa loja de brinquedos atingida por bombardeamentos do exército ucraniano, em Donetsk, na autoproclamada República Popular de Donetsk, a 11 de Dezembro de 2022. Os sucessivos ataques de mísseis e artilharia que atingiram as zonas residenciais e comerciais da cidade causaram pelo menos 11 mortos e 25 feridos entre a população civil.
CréditosSergei Ilnitsky / EPA

Estamos no séc. XXI e a guerra que a Federação Russa desencadeou contra a Ucrânia já vai quase a entrar no segundo ano. O seu desenrolar entra pelas nossas casas dentro, com o manancial de destruição de edifícios, instalações, estradas e infraestruturas, que tanto terão custado a construir e erigir. Mas, acima de tudo, é o sofrimento do povo que nos avassala a mente, a fuga dos refugiados, agravado quando acompanhados de filhos de tenra idade, os idosos, atordoados e confusos sem saber a razão de toda esta destruição, e os filhos da terra a marcharem para o desconhecido sem saber o que os espera o momento seguinte e menos ainda a razão e o desfecho do conflito em que andam metidos. 

É compreensível pois que o Sr. Zelensky, enquanto Presidente da Ucrânia, queira fazer face ao agressor para libertar o seu país e salvaguardar a integridade territorial. Simplesmente não dispõe de meios suficientes para tal. Apela por mais armas e armamento cada vez mais pesado, seguramente numa avaliação ponderada entre a superior força do agressor e a fragilidade da sua própria capacidade de resistência à medida que o conflito vai assumindo contornos mais dilacerantes.  

O desenrolar da guerra acaba por se revelar assaz complexo. É evidente que o envolvimento da NATO faz perigar uma nuclearização do conflito, senão mesmo podendo conduzir a uma III Guerra Mundial. O 10.º pacote de sanções da UE contra a Rússia, à semelhança dos anteriores, acaba por ser de reduzido efeito, apenas contribuindo para tornar a vida no próprio contexto europeu mais inflacionária e dispendiosa. Ao contrário do expectável e da resistência proactiva atribuída às forças ucranianas, até ao presente a Rússia tem continuado, senão ocupando mais terreno, pelo menos mantendo os 16% do espaço ocupado. 

E como se isto não bastasse, acresce o escândalo do caso recentemente divulgado de corrupção do ministro de Defesa de Ucrânia – Reznikov –, que abalou o alicerce das garantias de seriedade que Zelensky tanto se tem esforçado para imprimir aos seus constantes pedidos de mais armamento. 

O caso denunciado torna-se mais grave se dermos crédito à notícia divulgada em como o evento seria referente a desvios referentes a valores destinados a víveres, alojamento e alimentação dos militares ucranianos em combate, o que deitaria por terra todo o alicerce e filosofia patriótica de defesa ucraniana. Por isso, a mudança daquele para ministro de Indústrias Estratégicas só pode ser prenúncio de mais corrupção em tempo de guerra.

Perante todos estes dados e analisado o contexto nas mais sinuosas vertentes, vários países que se têm abstido de tomar posição política quanto ao conflito, e ainda entidades responsáveis de organismos governamentais e institucionais, têm advogado uma base negocial para o conflito. É o caso da China, Índia, Brasil, Turquia, entre outros. Mais ainda, e de profundo significado militar, é a relutância inicialmente manifestada pelo chanceler alemão Schultz em recusar autorização para o envio de Tanques Leopard 2 ao teatro de guerra e a significativa declaração do Chefe do Estado Maior dos EUA, na sua recente visita à Europa, ao expressar que era sua convicção que a questão da guerra da Ucrânia acabaria na mesa das negociações.  

«Por isso, negociar é o caminho. A negociação tem por base trocar pontos de vista, a fim de chegar a uma conclusão.»

Em resenha de história contemporânea, a Rússia tem dado mostras de uma nação capaz de conviver no concerto das nações, mesmo numa altura em que as tensões político-ideológicas  se encontravam num ponto algo contingente. Não é concebível e seria mesmo irrealista o seu desaparecimento, com ou sem Putin. Ostracizar a Federação Russa poderia mesmo ser catastrófico.  

Qualquer que tenha sido o grau de motivação para a invasão, a verdade é que, ao longo do conflito, a mesma tem viabilizado troca de prisioneiros, uma trégua religiosa e um acordo de trânsito de cereais ucranianos. 

Aproveitando este conflito parece que há forças empenhadas em seccionar a humanidade entre os bons e os maus, visando confrontá-los, quando na verdade o apelo generalizado é o de procura de harmonia e paz. Perante a gravidade da situação e as consequências nefastas que podem advir da intensificação desta guerra, as aparições televisivas, os encontros solenes internacionais, as declarações e comentários chauvinistas, as medidas pretensamente punitivas, os comentaristas da praça e a linguagem muitas vezes sarcástica utilizada, parece não passar de uma comédia que já deixou de entreter e a guerra não é comédia. 

Por isso, negociar é o caminho. A negociação tem por base trocar pontos de vista, a fim de chegar a uma conclusão. A tensão gerada pelo presente conflito é de molde a tornar quaisquer exigências prévias simplesmente quiméricas. A vontade para alcançar uma solução e resolução estáveis demanda um posicionamento paritário dos negociadores, num plano de lisura e de boa intencionalidade onde, aí sim, tudo pode ser discutido, tudo alcançado e tudo pode acontecer, até o entendimento.

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