O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla em inglês) iniciou este fim-de-semana a divulgação do resultado de uma nova investigação sobre a ocultação de fortunas em off-shores, que apelidou de «Pandora Papers».
Os cerca de 12 milhões de documentos de múltiplos formatos, extraídos de 14 instituições bancárias especializadas em operações offshore a partir de paraísos fiscais, revelam que as elites ricas mundiais, em que se misturam grandes capitalistas e líderes políticos, usaram paraísos fiscais para adquirir e ocultar bens no valor de milhares de milhões de dólares americanos.
Os documentos detalham operações de criação de empresas de fachada, fundações e trusts, e sua utilização para a aquisição de bens e propriedades, para investimentos e movimentação de dinheiro entre contas, para evasão fiscal, através de complexos esquemas financeiros, e para lavagens de dinheiro e outros crimes financeiros.
Entre os apanhados nas malhas da investigação estão 130 bilionários reconhecidos pela revista Forbes, 330 altos dirigentes políticos – entre os quais 35 governantes, 14 dos quais no activo –, traficantes de droga, líderes religiosos e celebridades, de 91 países e territórios, incluindo Portugal.
Entre outros (ver caixa) a investigação destaca os actuais presidentes da Ucrânia, Quénia e Equador, o rei da Jordânia, o primeiro-ministro checo e o antigo primeiro-ministro britânico, Tony Blair.
Os documentos divulgados demonstram «os mecanismos interiores de uma economia subterrânea que beneficia os mais ricos e influentes, em detrimento de todos os outros», e revelam que «muitos dos poderosos que podiam ajudar a acabar com o sistema de paraísos fiscais estão, em vez disso, a beneficiar dele – escondendo activos em companhias e trusts, enquanto os seus governos pouco fazem para abrandar o fluxo global de dinheiro ilícito que enriquece criminosos e empobrece nações».
O sistema de paraísos fiscais é sistematicamente usado para transferir lucros obtidos nos países de origem para companhias que apenas existem no papel, sediadas em países com baixa taxação. A utilização do sistema por políticos é, segundo o consórcio de jornalistas, no mínimo controversa, face ao risco de condução de actividades ilegais sem escrutínio público.
Os «Pandora Papers» mostram que a «máquina de de dinheiro offshore» funciona em todo o planeta, «incluindo nas maiores democracias», movida por instituições da elite – bancos multinacionais, escritórios de advogados e de contabilistas – sediados nos EUA e na Europa.
Um estudo de 2020 da OCDE, citado pela ICIJ, calcula que estejam em offshores 11,3 biliões de dólares, e que, devido à complexidade e secretismo do sistema dos paraísos fiscais, é impossível saber quanta dessa riqueza está ligada à evasão fiscal e outros crimes.
As referências portuguesas
O jornal Expresso, que faz parte do consórcio, aponta os ex-ministros Nuno Morais Sarmento e Manuel Pinho e o ex-secretário de Estado Vitalino Canas como mencionados pela investigação.
Destaca também o papel da Alcogal, um escritório de advogados sediado no Panamá que constituiu «uma maternidade de companhias offshore para o Grupo Espírito Santo», sendo responsável pela constituição de «mais de 600 empresas de fachada para o núcleo de Ricardo Salgado e clientes do BES».
Manuel Pinho, economista, pertenceu à administração do Grupo BES e de várias das suas participadas, no qual foi responsável pela área de mercado de capitais. Foi deputado pelo PS. Ministro da Economia e da Inovação, no primeiro governo de José Sócrates, viu o seu nome envolvido na chamada «porta giratória entre o poder político e os negócios», pelas sua ligações ao BES e à EDP, que motivaram acusações ter sido financiado por ambas as empresas.
Nuno Morais Sarmento, advogado, é actualmente sócio da sociedade de advogados PLMJ - A. M. Pereira, Sáragga Leal, Oliveira Martins, Júdice & Associados. Foi deputado pelo PSD. Foi ministro da Presidência e ministro de Estado e da Presidência, respectivamente nos governos de Durão Barroso e de Santana Lopes.
Vitalino Canas, advogado, tem a carreira ligada à administração de empresas e associações patronais, destacando-se como defensor dos interesses das empresas de trabalho temporário contra os trabalhadores. Foi deputado pelo PS. Foi secretário de Estado da Presidência no governo António Guterres. Nomeado candidato pelo PS ao Tribunal Constitucional, foi forçado a retirar a candidatura por não ter reunir os votos necessários.
O que são os «Pandora Papers»?
Os «Pandora Papers» compreendem 11,9 milhões de documentos, de múltiplos formatos (ficheiros de texto, imagens, folhas de cálculo, correio electrónico, folhas de cálculo, apresentações, ficheiros áudio e vídeo), provenientes de mais de 200 países ou territórios.
Os documentos foram extraídos de 14 instituições bancárias especializadas em operações offshore a partir de paraísos fiscais tradicionais como o Belize, as Ilhas Virgens Britânicas, o Panamá ou as Seychelles, mas também em paraísos fiscais emergentes, como diversos estados norte-americanos (Dacota do Sul, Florida, Delaware), Hong Kong ou o Dubai.
Novas revelações comprometem poderosos da política e dos negócios com paraísos fiscais. Os Paradise Papers são um novo episódio numa longa história, mas continuam a faltar medidas para combater a evasão fiscal. O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla em inglês) revelou um novo conjunto de documentos obtidos pelo jornal germânico Süddeutsche Zeitung (mais de 13 milhões), que revelam a utilização de esquemas de evasão fiscal através de offshore. Depois dos Lux Leaks (envolvendo o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker), dos Swiss Leaks e dos Papéis do Panamá, as novas revelações vêm juntar nomes como o dos secretários de Estado, Rex Tillerson, e do Comércio dos EUA, Wilbur Ross, de financiadores das campanhas de Donald Trump e do primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, das rainhas Isabel II (Reino Unido) e Noor (Jordânia), ou de algumas das maiores multinacionais do mundo, como a Apple, a Nike e a Uber. Os documentos revelam ligações que passam pela Appleby, um escritório de advogados especializado em mediar negócios com empresas offshore no Caribe, sedeado no paraíso fiscal de Bermuda, e pela Asiaciti, uma empresa de gestão de investimentos offshore no Sudeste Asiático, sedeada em Singapura. Apesar de os Papéis do Panamá já terem sido divulgados há mais de um ano, a investigação jornalística ainda não resultou em alterações substantivas na regulação do sector financeiro e no combate aos paraísos fiscais. O Parlamento Europeu constituiu uma comissão de inquérito, em que participaram quatro deputados portugueses, e fez propostas de alteração à directiva da Comissão Europeia sobre o combate à evasão fiscal, aprovadas em Março. Apesar disso, a eficácia das medidas continuaram largamente dependentes da boa vontade do sector financeiro, já que as entidades reguladores e fiscalizadoras estão amplamente desprovidas de meios técnicos, financeiros e humanos para cumprirem o seu papel. Vários países da União Europeia têm paraísos fiscais sob a sua jurisidição, como a Holanda, o Reino Unido ou o Luxemburgo. Em Portugal, as empresas registadas no Centro Internacional de Negócios da Madeira beneficiam de uma taxa de imposto sobre o rendimento de 5%, ao contrário dos 21% em vigor no restante território nacional. No caso dos dividendos e mais-valias, é mesmo possível alcançar uma isenção total de impostos. A existência destas jurisdições tem sido justificada com argumentos de «competitividade fiscal», ainda que resultem em prejuízos fiscais. Nos últimos anos, muitas das maiores empresas portuguesas cotadas em bolsa constituíram sociedades na Holanda, onde a carga fiscal é mais baixa, e através das quais recolhem os lucros das suas actividades em Portugal. Devido à directiva europeia sobre o regime fiscal aplicado a estas sociedades, estão isentas de impostos sobre os dividendos que são canalizados para a Holanda. Ao longo de semanas, o Expresso, onde trabalha um dos jornalistas portugueses que integram o ICIJ, prometeu a divulgação de uma lista de políticos e jornalistas que terão sido avençados do Grupo Espírito Santo (GES) e do BES. Mais de um ano depois, a lista não foi divulgada pelo semanário, apesar dos protestos do Sindicato dos Jornalistas, pela suspeita lançada e nunca concretizada. Em Setembro, o sub-director de informação da SIC, José Gomes Ferreira, revelou detalhes sobre a forma como o GES/BES controlova o que se escrevia e dizia sobre os seus negócios nos média. Sob o manto de reuniões de trabalho ou apresentação de resultados, o GES/BES pagava autênticas semanas de férias, ora na neve ora em iates, a alguns dos jornalistas com mais espaço na nossa imprensa em matérias económicas, como o próprio José Gomes Ferreira. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Paraísos fiscais continuam apetecíveis e incólumes
União Europeia pouco faz para combater fuga ao fisco a nível transnacional
Ligações entre BES/GES e jornalistas e políticos ainda escondidas
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Embora alguns ficheiros sejam datados da década de 1970, a maioria dos documentos foram criados entre 1996 e 2020.
Mais de 600 jornalistas de 150 meios de comunicação em 17 países, entre os quais o The Washington Post, a BBC, o The Guardian e o Expresso (Lisboa), colaboraram para reunir e tratar informação que o próprio consórcio define como «um tsunami de dados» e que necessitou, para a devida estruturação, pesquisa e análise, de mais de de um ano de trabalho.
Trata-se da terceira grande investigação do ICIJ, depois dos «Panama Papers» e dos «Paradise Papers», e também a que mais documentos trouxe a público.
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