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Feira Popular: Lisboa capital ou do capital?

Lisboa precisa de se libertar desta gente. Desta gente toda igual, toda liberal, quer se mascarem de esquerda ou se assumam de direita, que destroem a cidade para a colocar ao serviço do capital. 

CréditosTiago Petinga / Agência Lusa

Quem, como eu, cresceu em Lisboa nas últimas décadas do século XX, ainda se lembrará da Feira Popular de Lisboa, que funcionou até 2003 junto a Entrecampos. Não era a Disneylândia nem o Parque de Atracções de Madrid, mas era a Feira Popular de Lisboa, tinha carrinhos de choque e o Poço da Morte, carrocéis vários, uma montanha russa e a casa dos espelhos, tinha um pequeno alfarrabista, cheirava a sardinha e frango assado, e era espectacular. 

O seu encerramento foi um clássico: estava démodé, a precisar de investimentos, os terrenos eram óptimos para a especulação imobiliária, e ao povo de Lisboa foi prometido que lhes seria oferecida uma Feira muito maior, muito mais espectacular, a maior da Península, a mais bela da Europa e a mais moderna do mundo. E a Feira fechou, com o protesto dos do costume, os trabalhadores e empresários directamente prejudicados, o PCP e pouco mais. 

Uma geração inteira nasceu e saiu da adolescência sem ir à Feira Popular. Alguns foram a Madrid, outros foram a Paris ou aos States, viram parques de diversão mais modernos, maiores, melhores talvez, mas à Feira Popular de Lisboa não foram. E não foram porquê? Havia algo de inevitável no encerramento da Feira? Não. Mas havia muito daquilo que sobra a Lisboa; interesses especulativos.

O lucro da Feira alimentava a Fundação «O Século» e, com o seu encerramento, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) passou a subsidiar directamente a Fundação: primeiro, durante sete anos, em 2,6 milhões anuais, depois, com um milhão de euros. Ou seja, pagámos para ter a Feira encerrada. Entretanto, a zona foi objecto de uma primeira tentativa falhada de especulação imobiliária, na sequência da qual a CML se envolveu directamente na especulação, comprando os terrenos à BragaParques por mais de cem milhões, e, em 2018, vendendo os terrenos a uma multinacional por mais de 200 milhões. No meio, prometeram anos a fio a «nova» Feira Popular em Carnide, mas nunca a construíram, e agora já assumem que não a irão construir porque faltam «investidores», quando o custo da Feira era menor que os milhões atrás arrecadados. E como o capital só quer investir em hotéis e apartamentos finos, é isso que o povo vai ter. 

CréditosAntónio Cotrim / Agência Lusa

Entre 2003 e o presente muita gente ganhou dinheiro com a Feira Popular encerrada. Ganharam os accionistas da BragaParques, esperam ganhar os accionistas do comprador mais recente, ganhou a Câmara Municipal de Lisboa, ganhou a Fundação «O Século». Ganharam os publicistas a quem Medina pagou 5 milhões para estudar, projectar e promover a nova Feira que, garantia a publicidade, «Vai voltar», mas não voltou, apesar de até ter sido anunciado o preço do bilhete. E o povo de Lisboa ganhou promessas, muitas promessas, e um buraco na zona central da cidade que um dia será cheio de prédios muito modernaços, de fazer inveja aos camones, mas que não cheirarão a sardinha assada, não terão carrinhos de choques e muito menos uma montanha russa. 

Lisboa precisa de se libertar desta gente. Desta gente toda igual, toda liberal, quer se mascarem de esquerda ou se assumam de direita, que destroem a cidade para a colocar ao serviço do capital. 

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