Cai por terra a base de sustentação de toda a campanha do Partido Socialista, nestas eleições legislativas e no período de discussão do Orçamento do Estado para 2022. Sem que nenhuma sondagem demonstre uma aproximação do PS aos 116 deputados necessários para este controlar o parlamento, António Costa viu-se forçado, na última semana da campanha, a alterarar definitivamente o discurso.
A estratégia da maioria absoluta, que traria, finalmente, alguma estabilidade política ao País (leia-se, a liberdade para o PS não ter de prestar contas a ninguém), esmoreceu ao longo do fim-de-semana, dando lugar a um novo discurso. Afinal é preciso «dar força a quem ao longo de toda a vida se dedicou a construir pontes, a unir, a encontrar maçanetas nas portas que estão fechadas, a encontrar soluções onde os outros só vêem impossíveis», afirmou Costa, no domingo, desdizendo o António Costa das semanas anteriores.
A crítica foi deixada esta manhã por João Oliveira, do PCP, no «debate das rádios», depois de António Costa evocar o Presidente da República para voltar a pedir uma maioria absoluta. Ao debate promovido pela TSF, Renascença e Antena 1 faltaram os líderes do PSD e do Chega, que alegaram agenda de campanha. Perante os restantes seis candidatos, o actual primeiro-ministro e candidato do PS às legislativas de 30 de Janeiro, insistiu na ideia de que só através de uma maioria absoluta seria possível uma governação «certa e segura», acenando com a figura do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa para controlar essa maioria. João Oliveira, que substituiu Jerónimo de Sousa, afirmou que «é o povo que decide» e que «não vale a pena, como alguns tentam fazer, tentar gizar a régua e esquadro o que vai acontecer depois de dia 30». Mas não sem antes pedir uma clarificação a António Costa: «O PS recusa convergência com a CDU para dar resposta aos problemas dos portugueses?» O actual primeiro-ministro não respondeu, mas a ideia da maioria absoluta foi recusada pelas restantes forças políticas. «As pessoas têm má memória de maiorias absolutas e lembram-se da EDP e da saúde privada», disse Catarina Martins, coordenadora do BE. Já quanto à falta de respostas para os problemas que o País vive, como a valorização dos trabalhadores da Administração Pública, e que levou ao chumbo da proposta de Orçamento do Estado para 2022, João Oliveira ironizou ao dizer que «dificilmente o PS apresentará as mesmas soluções», tendo em conta que, depois das eleições, os problemas têm de ser encarados de outra forma. Questionados sobre a necessidade de uma revisão constitucional para a adaptar a um cenário de emergência sanitária, a porta-voz do PAN foi a única a mostrar-se favorável, «não apenas pelas questões sanitárias, mas sobretudo pela questão do clima e pela questão animal». Catarina Martins considerou que ela não é necessária, tendo o líder do CDS-PP admitido igualmente que «não há razões imperiosas para [uma] revisão constitucional». Também João Oliveira considerou que a «forma massiva» como os portugueses aderiram às regras para protecção durante a pandemia torna desnecessária a discussão sobre uma lei de emergência sanitária e uma revisão constitucional. Tendo salientado, no entanto, que, para responderem a situações de calamidade, os portugueses precisam de condições adequadas, como os serviços públicos de transporte. Os problemas dos professores e da Educação estiveram também em debate, designadamente por João Cotrim Figueiredo, que recuperou o chavão da «igualdade de oportunidades» para falar das propostas da Iniciativa Liberal nesta matéria. Pelo Livre, Rui Tavares defendeu a necessidade de «integrar as creches numa rede de escola pública» e «dignificar a profissão de professor». Francisco Rodrigues dos Santos adiantou a proposta de custear a deslocação de professores, mas foi interrompido por João Oliveira, que aproveitou para lembrar a proposta referente à vinculação de professores que o CDS-PP não acompanhou. Recorde-se que a Federação Nacional de Professores (Fenprof/CGTP-IN) foi uma das entidades que apontaram críticas à proposta de Orçamento para 2022, que mantinha a Educação abaixo dos 4% do produto interno bruto (PIB) e onde não constavam referências à classe docente. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Nacional|
Acantonado na ideia de maioria absoluta, PS recusa convergências
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Esta nova encarnação do PS, disponível a chegar a acordo com praticamente todos, descobriu que, afinal, os portugueses «não têm grande amor pela ideia da maioria absoluta», revertendo para a sua posição de grande partido catch-all (apanha-todos) da política portuguesa, piscando um olho ao PSD da subsidio-dependência e à IL da das privatizações, e o outro à sua esquerda, que continua a exigir a reversão das medidas laborais impostas pela troika.
Resumindo: António Costa só saberá mesmo como vai governar nos próximos quatro anos na noite eleitoral de dia 30 de Janeiro, quando tiver de escolher o parceiro que lhe for mais conveniente à viabilização dos seus orçamentos. Até lá, é um partido sem linhas programáticas: tudo é discutível, o oposto ou o seu contrário.
De uma maioria absoluta, uma política orgulhosamente só, em que só o PS determinaria e influenciaria a governação, o PS parece agora estar disponível a discutir posições completamente antagónicas, à esquerda e à direita, sobre salários (com uma direita que chega a rejeitar a ideia de haver um salário mínimo) ou serviços púbicos (com uma direita que pondera rever a constituição).
Equívoco do PS determinou o chumbo do orçamento
O constraste com a postura assumida pelo Partido Socialista durante as negociações para o orçamento para 2022 é evidente: depois de se recusar a discutir o aumento do salário mínimo, depois de se recusar a acabar com a caducidade da contratação colectiva imposta pelo governo da Troika do PSD/CDS-PP, haveria alguma disponibilidade para prosseguir a negociação na especialidade? «Nestes temas, dificilmente haveria», afirmou Costa em entrevista à RTP, uma semana depois do chumbo.
João Ferreira, que está neste momento a substituir Jerónimo de Sousa na caravana da CDU, considera que esta alteração de discurso do PS se afigurava «inevitável», comprovando, no entender do dirigente comunista, que «a realidade veio dar razão às posições» que a CDU tem vindo a assumir ao longo da campanha, da necessidade de encontrar «convergências» para resolução dos problemas do país.
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