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Costa e Centeno admitiram eventuais alterações no segundo escalão do IRS

Anúncios para o IRS aquém das expectativas

As alterações ao IRS sinalizadas ontem pelo ministro das Finanças e pelo primeiro-ministro estão longe de introduzir mais justiça fiscal, de forma significativa, para os trabalhadores de baixos e médios rendimentos.

O secretário-geral do Partido Socialista, António Costa, discursa durante a Convenção Autárquica Nacional do PS, realizada no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa. 6 de Maio de 2017
CréditosMário Cruz / Agência LUSA

Durante a manhã, Mário Centeno anunciou, numa iniciativa do PS, alterações no IRS para quem tem rendimentos até 20 mil euros anuais. À noite, foi António Costa, em entrevista à SIC, a confirmar o que já vinha sendo sinalizado, adiantando ainda um desdobramento do segundo escalão entre os 7 mil e os 20 mil euros anuais.

A redução dos escalões do IRS operada a partir de 2013 pelo governo do PSD e do CDS-PP – de oito para cinco –, com um aumento efectivo do imposto para perto do dobro e, em alguns casos, para muito mais, foi uma pedra angular da sua política fiscal. O caminho já vinha sendo percorrido, nomeadamente com sucessivos aumentos do IVA ou com a imposição da sobretaxa sobre o IRS.

Os números confirmam o «enorme aumento de impostos», assumido por Vítor Gaspar, então ministro das Finanças. A receita com o IRS subiu mais de 3 mil milhões de euros entre 2012 e 2013 – no mesmo período, o rendimento disponível das famílias desceu, como já vinha descendo desde 2009.

O que significam as alterações sinalizadas?

O desdobramento do actual segundo escalão (entre 7 e 20 mil euros), por si só, aumenta a progressividade do imposto, já que cria um novo patamar com uma taxa mais baixa da actual (de 28,5%). Mas fica muito aquém da situação existente até 2013, em que haviam oito escalões no IRS com taxas mais baixas:


Até 2012A partir de 2013
RendimentoTaxa IRSTaxa IRSRendimento
até 4898€11,5%14,5%até 7000€
entre 4898€ e 7410€14%
entre 7410€ e 18 375€24,5%28,5%entre 7000€ e 20 000€
entre 18 375€ e 42 259€35,5%37%entre 20 000€ e 40 000€
entre 42 259€ e 61 244€38%45%entre 40 000€ e 80 000€
entre 61 244€ e 66 045€41,5%
entre 66 045€ e 153 300€43,5%
48%mais de 80 000€

No entanto, os efeitos são ainda mais profundos. Como a aplicação das taxas do IRS são feitas de forma progressiva, a taxa média acabou por aumentar praticamente o mesmo, em pontos percentuais, tanto para os rendimentos mais baixos como para os rendimentos mais altos.

 Até 2012A partir de 2013
Rendimento colectávelTaxa médiaTaxa média
7000€ (793€/mês)12,25%14,5%
10 000€ (1007€/mês)15,5%18,7%
80 000€ (6007€/mês)34,20%37,61%
200 000€ (14579€/mês)40,48%43,84%

Percentualmente, o aumento do valor de imposto a pagar para quem ganhava menos de 1000 euros por mês (17,4%) é muito superior a quem ganhava mais de 6000 euros por mês (9%). Para os rendimentos ainda mais elevados, perto dos 15 mil euros por mês, o aumento ainda foi menor: cerca de 7,5%.

Ou seja, a redução dos escalões do IRS e o aumento das taxas do imposto representou o tal «enorme aumento de impostos», mas com efeitos muito desiguais, penalizando particularmente os médios e baixos rendimentos – na generalidade dos casos, rendimentos do trabalho.

A isto, somaram-se ainda alterações nos valores das deduções que podiam ser feitas sobre o valor do imposto a pagar, nomeadamente com a habitação, cujo efeito foi a redução dos reembolsos ou o aumento do valor a pagar aquando da liquidação do imposto, feito no ano seguinte.

Rendimentos de capital pagam 28%: sejam mil ou um milhão

Apesar da progressividade do imposto, os rendimentos de capital pagam apenas a taxa liberatória de 28%. Isto significa que, independentemente do valor em causa, a taxa de IRS sobre esses rendimentos é sempre a mesma.

Usando a EDP como exemplo, é indiferente se se trata de um contribuinte que, por deter 500 acções da empresa, recebe um dividendo de 95 euros este ano ou se em causa está a declaração de IRS de António Mexia, que teve direito a 17 290 euros pelas acções da empresa que detém: a taxa é 28%.

Soluções para uma maior justiça fiscal

O Governo tem feito veicular um número quando se fala de alterações aos escalões do IRS: 200 milhões de euros. O Executivo diz estar disponível para acomodar uma redução na receita fiscal nesse montante para concretizar a medida ontem sinalizada. Por outro lado, o BE fala em 600 milhões.

No entanto, o que os últimos anos mostram é que, se é verdade que não é possível a «neutralidade fiscal» (ou seja, mexer de forma a não ganhar nem perder receita fiscal) e aliviar o «enorme aumento de impostos», as alterações feitas à estrutura fiscal não se reduzem a quanto desce, ou sobe, a receita.

Para além da machadada na progressividade no IRS, o anterior governo (através de um acordo com o PS, travado após as eleições de 2015 e a solução política que delas resultou) fez descer a taxa de IRC (imposto sobre as empresas).

A taxa de 25%, até 2013, foi sendo reduzida progressivamente – dois pontos percentuais ao ano. É por isso que, actualmente, está nos 21%. Se a reforma do IRC não tivesse sido travada, em 2016 teria passado para um valor entre os 17% e os 19%: uma taxa idêntica à aplicada actualmente a um trabalhador com um salário mensal de mil euros.

As alterações para uma maior justiça fiscal podem passar por várias medidas – a estrutura do IRS anterior a 2013, por exemplo, demonstra que mais escalões significa maior justiça fiscal. Até então eram oito, o PCP propôs, recentemente, dez.

Mas a reforma do IRC mostra ainda outra realidade: não há impostos a mais, estão é mal distribuídos. Ou seja, é possível ir buscar receita onde se perdeu, seja repondo a taxa de IRC em 25%, com uma subida na derrama estadual (que incide sobre os lucros acima de 1,5 milhões de euros), ou através do reforço da tributação sobre o património imobiliário (como começou a ser feito este ano, com o adicional ao IMI) ou mobiliário (como as escandalosas taxas liberatórias em vigor comprovam).

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