Em Espanha, o gás de botija, seja propano ou butano, em garrafas de 11 a 12,5 Kg, vende-se a 16 euros. Repito: DEZASSEIS EUROS! E o gás não é subsidiado, ou seja, vendendo-se a 16 euros as botijas de gás dão lucro a quem as engarrafa, dão lucro a quem as distribui, dão lucro a quem produz o gás, etc. Então como é que em Portugal o preço oscila entre os 28 e os 36 euros para garrafas similares (11 a 13 Kg)? Não há qualquer racional que explique esta diferença! E ela vai aumentar outra vez porque o Governo – o tal que todos os dias diz ser necessário baixar os impostos dos ricos – aumentou a taxa de carbono que as botijas de gás também pagam!
A coisa é tão ridícula que, teoricamente, seria possível ir a Espanha comprar o gás já engarrafado, transportá-lo para Portugal e vendê-lo aqui a 20 euros. Com lucro! Tal é o absurdo da situação hoje existente. Dizemos teoricamente porque, como é sabido, existem milhares de leis, decretos e regulamentos que o impedem. Mas essas leis não se destinam a defender a liberdade do povo português ter acesso a bens e serviços essenciais: destinam-se a garantir a liberdade do grande capital ganhar dinheiro com a venda de bens e serviços essenciais. O mercado liberalizado da energia é um maná para meia dúzia de empresas e respectivos capitalistas, e um inferno para os antigos utentes, transformados em clientes prontos a serem sugados.
Esta diferença concreta no preço da botija de gás – essencialmente fruto da justa luta do povo espanhol, que fez com que o preço do gás de botija não esteja liberalizado! – é suficiente para demonstrar que há espaço para reduzir o preço absurdo que hoje está a ser extorquido ao povo português nesta e noutras componentes dos combustíveis. Mas para tal concretizar há que ir mais fundo.
«A coisa é tão ridícula que, teoricamente, seria possível ir a Espanha comprar o gás já engarrafado, transportá-lo para Portugal e vendê-lo aqui a 20 euros. Com lucro!»
É preciso desliberalizar e desmercantilizar o acesso a bens e serviços essenciais como sejam o gás de botija. Da mesma forma, o Governo português precisa de defender e valorizar o aparelho produtivo, neste caso, a capacidade de refinação nacional.
O mercado liberalizado da energia, laboriosamente construído pela União Europeia nos últimos 20 anos, com os seus quilométricos regulamentos, sendo um inferno para os povos, é principalmente um gigantesco nó górdio, impossível de desatar, e para o qual a única solução continua a ser aquela que Alexandre encontrou há mais de 2000 anos para este tipo de nós: cortar a direito.
Quando dizemos que hoje é possível vender ao povo português o gás de botija a 20 euros, houvesse a coragem para tomar as medidas necessárias, não temos dúvidas que isso exige desfazer esse nó montado pelo grande capital, com as suas regras, as suas reguladoras, o seu mercado, a sua especulação, os seus lucros, tudo colocado às costas do povo português. Mas é possível, e só não é uma prioridade do poder político porque aqueles a quem o povo português entregou esse poder estão objectivamente ao serviço dos exploradores do povo.
Olhemos para como, no concreto, se originou o preço das garrafas de gás butano em Portugal e em Espanha em Outubro de 2024:
Que aprendemos? Que o grosso da diferença está nas margens de Retalho+Comercialização. Mas algo justifica que os custos de retalho e distribuição sejam mais do dobro dos custos em Espanha? Só as margens de lucro demasiado grandes. Não é aceitável que o custo do retalho e comercialização sejam 153% do custo de produção. É caso para perguntar... que tem a guerra na Ucrânia ou na Palestina a ver com as margens de comercialização e de retalho em Portugal? Directamente, nada, certo? Ora aqui só há uma solução: colocar um preço máximo às margens de comercialização e distribuição, aplicadas sobre o preço de saída após o enchimento. apontemos para um valor similar ao praticado em Espanha. Admitamos 0,6€ por quilo, 7,8€ por garrafa.
Também aprendemos que os impostos são 0,5€ por litro mais caros em Portugal que em Espanha. Ora, há aqui impostos que podem e devem ser reduzidos: desde logo o IVA, que deve ser colocado na taxa de 6%, pois trata-se de um bem essencial a muitas famílias (a redução do IVA de 21% para 6% trará uma nova redução de custo de 0,18€/Kg e 2,34€/garrafa); e pode-se ainda complementar com uma redução no ISP, quer retirando-lhe o efeito da dupla tributação, quer com mecanismo correctivo apenas dirigido para as garrafas de botija. Já este ano, PS, PSD, CDS, com a abstenção do CH, chumbaram a redução do IVA no gás de botija para 6% que o PCP propôs. E o PCP vai voltar a propor na discussão do OE, mas parece que PS e PSD e CDS já se entenderam: os impostos que são para baixar são aqueles que incidem sobre os lucros, como o IRC, não os que incidem sobre os rendimentos ou as despesas dos trabalhadores, como o IVA do gás, da energia e das telecomunicações.
«Não é aceitável que o custo do retalho e comercialização sejam 153% do custo de produção. É caso para perguntar... que tem a guerra na Ucrânia ou na Palestina a ver com as margens de comercialização e de retalho em Portugal? Directamente, nada, certo?»
Chegamos por fim à fonte, à tarefa de adquirir, refinar e engarrafar, normalmente responsabilizada pelo custo elevado do gás em Portugal. Aqui Portugal tem desvantagens face a Espanha, mas essas desvantagens têm responsáveis. Portugal só dispõe de uma refinaria, mas isso porque os governos PS/PSD lhe encerraram as restantes. Ainda recentemente foi encerrada a refinaria de Matosinhos. Agora, o gás vai de Sines, de navio para Matosinhos onde é engarrafado. Há menos produção e a cadeia de distribuição ficou mais cara. E Espanha tem oito refinarias. Por isso aceitemos um preço de produção ligeiramente mais caro para Portugal (ao mesmo tempo que não esquecemos que isso se deve à opção errada de encerrar a Refinaria de Matosinhos, que PS e PSD e CH e IL, ajoelhados aos pés do Grupo Mello e da Galp, permitiram). Mas, por outro lado, foi a Galp que insistiu que encerrar a refinaria não teria custos para o país, e está com margens de refinação e lucros suficientes para também suportar uma redução do preço. Apontemos para os 0,6€, deixando o preço ainda acima daquele que é praticado, com lucro, repito, em Espanha.
Como a realidade em Espanha ajuda a demonstrar, estes valores são possíveis, mesmo sem alterações de fundo na estrutura económica. Basta substituir toda a parafernália neoliberal de determinação do preço pela fixação do preço máximo ao consumidor, num mecanismo que inclua a fixação de um preço máximo à produção e de margens máximas na comercialização e retalho, a par da redução de impostos.
Estabelecendo um preço máximo na venda ao consumidor, ajustado a um preço máximo à produção de 20€, como parece ser perfeitamente possível, pode-se então oferecer ao mercado, regulado, a total liberdade para vender a este preço.
As propostas para que isto aconteça existem. E o PCP até apresentou uma no quadro do Orçamento do Estado. Mas não é a correlação de forças institucional que determina a possibilidade de avançar: é a luta do povo português.
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