Vários foram os momentos em que Mário Centeno, na qualidade de Governador do Banco de Portugal, veio a público defender a subida das taxas de juro. Numa entrevista à RTP no passado mês de Junho, Centeno chegou até a valorizar o processo da subida das taxas de juro ter sido «a resposta generalizada, pela primeira vez» já que «nunca antes os bancos centrais a nível global tinham actuado de forma tão sincronizada numa resposta».
Mário Centeno justifica a subida das taxas de juro com o papel de combate à inflação e estabilidade da política monetária atribuído ao BCE e os bancos centrais, mas sempre numa lógica de inevitabilidade relativa à política seguida e às opções tomadas. Veja-se que na entrevista dada à Rádio Renascença a 5 de Dezembro de 2022, quando confrontado com os aumentos dos juros, o Governador do BdP disse «Não há nenhuma alternativa a isto acontecer. Nós temos que fazer pressão na forma como os preços são determinados nas nossas economias para que isto aconteça».
A opção de aumentar as dificuldades na vida dos trabalhadores, reformados e pensionistas era a única solução, quando não o era. Havendo possibilidades de fixar preços Centeno nunca quis mencionar sequer essa possibilidade, e aquando de uma necessidade de aumentos intercalares de salários em 2023, limitou-se a falar dos aumentos reais entre 2015 e 2021, optando por ignorar a perda real de rendimentos das famílias em 2022 e fazendo qualquer aumento depender das taxas de lucro das empresas.
Meses depois a realidade confirmou que a inflação estava a provocar aumentos das taxas de lucro, ou seja, havia um aproveitamento dessas mesmas empresas que aumentaram preços para engrossar as suas margens. Meses depois, Mário Centeno nada disse sobre aumentos salariais e apenas continuou a defender a política de aumento de juros que penalizava o consumo.
É então com espanto que o ex-ministro das Finanças alertou ontem para o risco de cerca de 70 mil famílias poderem vir a ter despesas com o serviço do crédito à habitação permanente superiores a 50% do seu rendimento líquido. É o mesmo que diz que no final de 2021, já eram 36 mil famílias nessa situação. Ou seja, Centeno já sabia que o aumento das taxas de juro que se materializam também no aumento da Euribor podiam ter este grave desfecho.
Eis que Mário Centeno faz agora recomendações que, parecendo até progressistas, apenas visam salvaguardar interesses de quem mais ganhou com os juros: a Banca. O Governador do BdP sugere a criação de «apoios públicos» de modo a que as famílias consigam fazer face às prestações das casas. Esta ideia é colocada com a ideia de «reforço da poupança e a redução do endividamento» o que significa que noutros aspectos o Orçamento do Estado para 2024 terá que continuar com as «contas certas» que só desresponsabilizam o Estado das suas funções sociais.
O ex-ministro das finanças, ao colocar esta ideia de apoios públicos e nunca dizendo que haverá uma redução das taxas de juro, até porque a previsão é de subidas até ao final do ano, está assim a dizer que o Estado, directa ou indirectamente irá alimentar os lucros da banca que faz milhões ao dia ao colocar milhões de famílias em dificuldades. Vai ser o Estado a «bancar» a Banca, e Centeno sabe bem disso.
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