Estarão recordados que até 2022 existia uma CSR (Contribuição de Serviço Rodoviário), criada em 2007 para desorçamentar as transferências para as parcerias público-privado (PPP). Esta CSR era paga às gasolineiras pelos consumidores de combustível junto com o ISP [imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos], com as gasolineiras depois a entregar ao Estado o imposto arrecadado.
Entretanto, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) decidiu que a CSR era ilegal na forma, por violar a Directiva 2008/118/CE do Conselho Europeu. Para corrigir esse erro de forma, a Lei n.º 24-E/2022 extinguiu a CSR do nosso ordenamento jurídico, sendo agora a «rede rodoviária nacional» (ou seja, as PPP, que são quem absorve a despesa) financiada com a receita do ISP através de uma Consignação de Serviço Rodoviário (CSR). A mesma verba, o mesmo nome, os mesmos pagantes, os mesmos receptores, mas tudo numa forma ligeiramente diferente, pois o que antes era um imposto próprio passou a ser a consignação a um determinado fim de uma parte de um ISP aumentado.
Este tipo de querelas jurídicas são típicas do direito burguês. Esta situação fez chover processos sobre o Estado português exigindo a devolução do imposto pago.
Para agravar, o mesmo TJUE concluiu, neste processo, que «o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indirecto contrário à Directiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.»
Esta decisão significaria, caso o Estado português a ela se submetesse, que as gasolineiras podiam reclamar a devolução da CSR (a contribuição, não a consignação) paga, apesar de se terem limitado a transferir a CSR paga pelos consumidores, embolsando ilegitimamente algo como 2,6 mil milhões de euros.
E como os clientes também têm direito a reclamar, e estão a ser conduzidos a reclamar perante a Autoridade Tributária, teríamos que, por cada euro de CSR pago o Estado, teria de devolver dois e com juros. Um para as gasolineiras que o entregaram e outro para os consumidores que o pagaram.
«Esta decisão significaria, caso o Estado português a ela se submetesse, que as gasolineiras podiam reclamar a devolução da CSR (a contribuição, não a consignação) paga, apesar de se terem limitado a transferir a CSR paga pelos consumidores, embolsando ilegitimamente algo como 2,6 mil milhões de euros.»
Tudo isto agravado pelo facto de as disputas estarem a ser tratadas em «Tribunais» Arbitrais, onde o Estado já foi condenado, por exemplo, a pagar 5,9 milhões só pelo ano de 2019 e só a uma gasolineira. E já há notícias de 46 casos perdidos pelo Estado. As patronais, em conluio com grandes empresas de advogados ou consultoras (Ernst & Young no caso da ANTRAM) estão a mobilizar os seus associados, levando centenas de grandes empresas, com enormes despesas de combustível, a exigirem ao Estado a devolução da CSR «indevidamente» paga na douta opinião do TJUE. Como é normal, só as empresas com contabilidade organizada têm os meios para fazer o levantamento de toda a CSR paga e a quem, e serão estas que maioritariamente irão exigir as devoluções.
Em absurdo, por uma mera questão técnica determinada por uma entidade extra-nacional (o TJUE, apesar do pomposo nome não é um Tribunal da República) o Estado pode acabar a pagar a um conjunto de grupos privados e seus escritórios de advogados milhares de milhões de euros a que estes não têm qualquer direito. E já há decisões de tribunais da República (por exemplo, do Tribunal Central Administrativo do Sul) a dar razão às reclamações.
Nada disto faz sentido. Mas a verdade é que está a acontecer, e pode desviar milhares de milhões de euros do erário público, que depois farão falta à resolução dos problemas do povo português.
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