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Descentralização da acção social faz crescer desigualdades e ameaça trabalhadores

O Conselho Directivo da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) aprovou, com um voto contra, a proposta de acordo sectorial na sequência das negociações com o Governo.

CréditosMário Cruz / Agência Lusa

A evolução do processo negocial trouxe pequenas alterações, como o aumento da dotação (90,84 milhões, em vez dos 56,11 milhões de euros previstos) e nova prorrogação da data, contrariando declarações da ministra da Coesão, que em Novembro admitiu que a descentralização da acção social não seria adiada. Em vez do dia 1 de Janeiro, as câmaras municipais devem assumir esta competência a 3 de Abril, mas o acordo ainda será ratificado na reunião do Conselho Geral da ANMP, no próximo dia 19 de Dezembro.

No Conselho Directivo, o acordo mereceu o voto contra de Alfredo Monteiro, presidente da Assembleia Municipal do Seixal. «Votámos contra a proposta de acordo porque evidencia o que já era conhecido: a ausência de uma efectiva política nacional de acção social, com a completa demissão do poder central desta função social do Estado», explica, em declarações ao AbrilAbril. 

A «demissão» de que fala Alfredo Monteiro não é nova. Há muito que a Administração Central remeteu para instituições particulares de solidariedade social (IPSS) ou equiparadas a gestão de processos em áreas tão importantes como o rendimento social de inserção (RSI) ou os processos familiares de acção social. A transferência da gestão de processos para os municípios é mais um passo para a desarticulação e desresponsabilização do Governo, e que pode impulsionar o crescimento das desigualdades.

«A transferência de competências para os municípios, num quadro de enormes desigualdades e disparidades, sem políticas coerentes e articuladas, com políticas município a município, não irá assegurar a universalidade e a equidade do País», frisa, cenário que o crescimento das dotações financeiras não altera. 

«Mesmo assim não é possível», diz. «Não há dados objectivos para assegurar com rigor que [esse montante] será suficiente para suportar os custos relacionados com custos humanos, instalações e funcionamento das novas competências», considera Alfredo Monteiro.  

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A transferência de competências «agrava desigualdades» entre concelhos

Só uma descentralização assente na regionalização serve o País, os trabalhadores e as populações, sublinha o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional (STAL).

Créditos / STAL

O processo de transferência para os municípios de competências em funções como a Educação e a Saúde é «o contrário de uma verdadeira descentralização, a qual implica aproximar os recursos, os serviços, o poder e a decisão das populações», afirma o STAL (CGTP-IN) numa nota ontem emitida.

Tal processo exige ainda melhoria dos serviços e a universalidade dos direitos fundamentais, bem como a adequação dos meios às necessidades, a estabilidade de financiamento e o respeito e a valorização dos direitos dos trabalhadores, entende a organização sindical.

Obriga, além disso, «a uma criteriosa avaliação sobre qual o nível, nacional, regional ou local, mais adequado para o exercício de cada uma das competências», sublinha.

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Parlamento valida pacto para desconcentrar competências

O PS e o PSD aprovaram no Parlamento a lei-quadro da descentralização de competências sem unanimidade nas respectivas bancadas. Frente Comum fala de transferência «desastrosa» para as populações e evoca Constituição.

O presidente do PSD, Rui Rio, e o primeiro-ministro, António Costa, a 18 de Abril, dia do acordo conjunto sobre a desconcentração de competências para as autarquias
CréditosAntónio Pedro Santos / Agência Lusa

As iniciativas do PS, do PSD e do Governo foram aprovadas ontem na votação final pelo PS e pelo PSD, dando seguimento ao acordo assinado entre Rui Rio e António Costa, no passado dia 18 de Abril. 

A luz verde para a transferência de competências para as autarquias locais e para a constituição de uma comissão independente para a descentralização foi dada pelos dois partidos. O CDS-PP absteve-se e o PCP, BE, PEV e PAN votaram contra. 

O acerto das bancadas do PS e do PSD perdeu-se na votação da alteração à Lei de Finanças Locais. Além de Helena Roseta (PS), que se absteve juntamente com o CDS-PP, o diploma foi rejeitado com os votos contra dos deputados do PSD Madeira (Rubina Berardo, Sara Madrugada da Costa e Paulo Neves), do deputado independente da bancada do PS, Paulo Trigo Pereira, e também das bancadas do PCP, BE, PEV e PAN.

Paulo Trigo Pereira disse mesmo que a alteração «não é a concretização financeira do processo de descentralização de competências. Na realidade, praticamente o único artigo que de perto se relaciona com a descentralização é a criação de um Fundo de Financiamento da Descentralização».

As críticas ao processo têm-se feito notar por vários eleitos locais, de Norte a Sul do País, em particular desde a assinatura do acordo do Governo com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), que também não mereceu a unanimidade do Conselho Directivo da associação.

Se, por um lado, o novo quadro não prevê uma recuperação financeira das autarquias capaz de fazer face às actuais competências, por outro ainda não foi feita a análise acerca da capacidade de aceitação de novas responsabilidades, de modo a assegurar a garantia de universalidade em cada uma das áreas previstas.

A este respeito, a deputada Paula Santos (PCP) criticou ainda que um dossier desta dimensão e importância tenha sido discutido e aprovado numa semana, sublinhando que se trata de uma «desresponsabilização do Estado e de uma transferência de encargos para as autarquias». 

A Saúde, Educação, Cultura, Habitação e Património – onde o Governo já tentou despachar alguns equipamentos com a garantia de que não haveria verba para compensar a responsabilidade, são algumas das funções sociais do Estado que com a nova lei-quadro passam para as autarquias locais. 

A comissão independente aprovada vai ter representantes do Governo, dos grupos parlamentares, da ANMP e da Associação Nacional de Freguesias (Anafre). 

«Uma machadada nas funções sociais do Estado» 

Numa conferência de imprensa após reunião do secretariado da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública (CGTP-IN), esta manhã, Ana Avoila denunciou que a descentralização aprovada «não é a que está prevista na Constituição», e que por isso fica ameaçada a garantia da universalidade de serviços. 

«Isto preocupa-nos muito. É uma das coisas que mais nos preocupa. Achamos que é uma machadada grande nas funções sociais do Estado – mas muito grande – e, por isso, o que nós aprovámos ainda agora nesta reunião do secretariado é pedir a fiscalização sucessiva da lei aos órgãos de soberania: ao Provedor de Justiça, ao procurador, aos grupos parlamentares, também no sentido de se verificar se isto poderia ser feito assim. Se tem pés para andar», afirmou.

Na Educação, Ana Avoila critica o facto de não estar assegurada a opção do trabalhador «de ficar no sítio onde está ou ir para outro lado», admitindo que não se lhe dá opção. «É uma transferência automática ou, se não for transferência, não sabemos o que vai acontecer a muitos trabalhadores. Mas, principalmente para as populações, pode vir a ser desastroso», advertiu.

Para descentralizar há que primeiro regionalizar

A votação global da lei-quadro acontece depois do acordo assinado no passado dia 3 entre o Executivo de António Costa e a ANMP.

A negociação, atestou na altura Alfredo Monteiro, ameaça a coesão territorial e coloca em causa a resolução aprovada por unanimidade no congresso da associação, realizado em Dezembro, que evidenciava a necessidade de avançar com a regionalização enquanto motor da descentralização de competências. Porque, sublinhou então Alfredo Monteiro: «Há competências que não estando bem no poder central também não estão bem no poder local. Estão bem numa região administrativa, tal como consigna a Constituição.»

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Para o sindicato, «esta dita "descentralização", cozinhada entre o PS e o PSD, com a conivência da ANMP [Associação Nacional de Municípios Portugueses], não garante nada disto» – nem meios humanos, nem recursos financeiros, nem mais autonomia na condução das políticas.

«Ao contrário, as autarquias são encaradas como prestadoras de serviços para manutenções, reparações, construções ou contratação de recursos humanos», denuncia.

O STAL alerta ainda que uma boa parte das autarquias não está preparada para «lidar com um elevado número de novas competências e o seu desempenho». Isto, em conjunto com «os brutais impactos da Covid-19» e «as consequências da guerra», vai abrir o «caminho à degradação do que hoje funciona bem e à privatização».

Daqui resultarão serviços piores e mais caros, e a degradação das condições de trabalho, afirma a estrutura sindical, lembrando que este rumo, seguido por outros países «com péssimos resultados», «além de errado, é perigoso».

«Estas são áreas em que é indispensável manter uma gestão nacional, de responsabilidade do Poder Central, sob pena de, não haja ilusões, se agravarem ainda mais as desigualdades entre concelhos "ricos" e "pobres"», alerta.

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«Não pode haver descentralização sem regionalização»

Eleitos de diferentes pontos do País reuniram-se esta quinta-feira, no Seixal, para analisar as propostas de transferência de competências para os municípios. A conclusão foi unânime: não há descentralização sem regionalização. 

Créditos / Setúbal Mais

Organizado pela revista Poder Local, em parceria com a Câmara Municipal do Seixal, o encontro reuniu acima de uma centena de eleitos e especialistas nas áreas que o Governo pretende descentralizar, como a Educação, a Habitação, o Território e o Ambiente, a Protecção Civil, a Cultura e o Património, entre outras.

A experiência de processos anteriores, acrescida de ainda não se ter concretizado a regionalização, de acordo com o texto da Constituição, fez com que surgisse o alerta para o perigo de se confundirem os conceitos «descentralização» e «transferência de competências».  

A par de ainda não terem sido criadas regiões administrativas, foram denunciadas as tentativas de as fazer substituir pelas comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas, não eleitas.  

Na análise às propostas de transferência de competências para os municípios, não foi esquecida a necessidade da reposição de freguesias, de acordo com a vontade das populações, pelo que estas autarquias representam ao nível da proximidade e da participação democrática. 

Durante o encontro realizado no auditório dos serviços centrais da Câmara do Seixal, durante o dia de ontem, a autonomia financeira e administrativa foi outra condição reivindicada no âmbito de um verdadeiro processo de descentralização de competências.

Foram denunciadas também situações de retirada de competências dos municípios, designadamente nas áreas da água e do saneamento, na perspectiva de ganhar a escala necessária para uma eventual privatização. 

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A maioria das autarquias recusou voluntariamente assumir responsabilidades pelas funções sociais, um facto a que, segundo o sindicato, não é alheia a desconfiança dos autarcas em relação a este processo e às condições para a sua concretização.

Três municípios – Seixal, Santiago do Cacém e Mação – decidiram não aceitar novas competências na área da Educação, sendo que a lei não prevê penalizações caso não haja aceitação, destaca o STAL.

Também considera elucidativa a notícia vinda a público de acordo com a qual a Câmara Municipal do Porto, tendo aceitado a transferência de competências na área da Educação, estará a braços com uma despesa adicional na ordem dos 16,2 milhões de euros, segundo um estudo da Universidade do Minho.

Num tempo de desigualdades crescentes, o STAL reafirma a necessidade de implementar um verdadeiro e efectivo processo de descentralização, que passa, entre outros aspectos, pela defesa da universalidade das funções sociais do Estado como condição de igualdade dos cidadãos e pela criação das Regiões Administrativas.

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A transferência de competências para os municípios no quadro do decreto-lei 55/2020 integra a gestão de processos do RSI, os serviços de atendimento e acompanhamento social (SAS), no quadro dos acordos de cooperação existentes e no âmbito de centros comunitários com atendimento e acompanhamento social, em face dos protocolos celebrados com IPSS ou equiparadas.

Integra ainda a atribuição de subsídios de carácter eventual a pessoas ou famílias em situações de emergência social, que, alerta Alfredo Monteiro, «é uma coisa perfeitamente discriccionária porque os critérios não são claros».

O acordo define rácios de recursos humanos em relação aos processos do RSI e do SAS, e prevê que os serviços prestados actualmente pelas IPSS, no quadro destes protocolos, possam cessar e ser integrados na respectiva câmara municipal. Na prática, alerta Alfredo Monteiro, também não atende à situação dos trabalhadores que integram a estrutura destas instituições e que podem vir a ficar no desemprego. 

«Estamos uma vez mais perante uma transferência de encargos e uma diminuição do Governo, num quadro de crescentes desigualdades sociais, precariedade laboral, com mais de 20% da população no limiar da pobreza e com um dos níveis salariais mais baixos da União Europeia», insiste.

Alfredo Monteiro salienta não estar em causa o papel dos municípios, mas antes a resolução dos problemas concretos e a universalidade das políticas de acção social, sublinhando que só se pode apelidar de universal uma política que seja «nacional e coerente». 

A Segurança Social não faz directamente a gestão dos processos familiares, mas quem atribui as prestações sociais «tem que conhecer os processos em concreto», vinca o eleito. «Uma vez mais, estão a transformar-se os municípios em secretarias, repartições do Estado, percebe-se logo que não bate certo e não serve o País, tal como noutras áreas», realça. 

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