|Miguel Viegas

Despedimentos na investigação nos Estados Unidos não inspiram governo do PSD-CDS

O Ensino Superior e a investigação científica nos EUA estão sob forte ataque da direita fascizante. Programas vitais de saúde pública, incluindo o VIH, a tuberculose e o cancro serão diretamente afetados. 

Mais de 100 investigadores protestaram contra o governo PS e a política de precariedade na ciência, durante a sessão de abertura do Encontro Ciência 2023. Aveiro, 5 de Julho de 2023 
CréditosPaulo Novais / Agência Lusa

A recém-empossada administração Trump lançou recentemente uma vaga de cortes draconianos nos orçamentos dos principais centros de investigação norte-americanos. Esta austeridade não corresponde a qualquer restrição orçamental. Responde antes a uma agenda populista contra o funcionalismo público, impregnada de uma ideologia obscurantista que pretende pôr em causa séculos de avanços científicos e promover um retrocesso civilizacional sem par na história recente. Ao mesmo tempo que a solidariedade internacionalista se manifesta em diversas frentes, o governo PSD-CDS forçou a aprovação do novo Estatuto de Carreira do Investigador Científico (ECIC). Esta aprovação feita à pressa e sem ter em conta os contributos das organizações representativas e sindicais representa mais uma oportunidade perdida para resolver a precariedade que continua a ser a regra junto dos investigadores. Esperamos que a discussão e votação na Assembleia da República possam ajudar a reforçar, nas próximas eleições, as forças políticas que todos os dias se batem pela valorização destes trabalhadores da ciência.

O Ensino Superior e a investigação científica nos Estados Unidos estão sob forte ataque da direita fascizante que se instalou na Casa Branca. A Universidade Johns Hopkins (JHU), um dos centros de investigação biomédica mais influentes do mundo, sofreu já um corte de 800 milhões de dólares em financiamento federal, tendo já anunciado a eliminação de mais de 2000 postos de trabalho como resultado direto dos cortes. Programas vitais de saúde pública, incluindo o VIH, a tuberculose e o cancro serão diretamente afetados. Outras universidades de prestígio, como Harvard, Stanford e Columbia, denunciaram cortes orçamentais alarmantes e estão já a suspender as contratações. A Columbia já perdeu 400 milhões de dólares, com o governo a acusar a universidade de Nova Iorque de não proteger adequadamente os seus estudantes do antissemitismo.

«Ao mesmo tempo que a solidariedade internacionalista se manifesta em diversas frentes, o governo PSD-CDS forçou a aprovação do novo Estatuto de Carreira do Investigador Científico (ECIC) [...]. Sem ter em conta os contributos das organizações representativas e sindicais representa mais uma oportunidade perdida para resolver a precariedade que continua a ser a regra junto dos investigadores.»

Entretanto, num episódio que tem tanto de rocambolesco como de repugnante, os funcionários do «DOGE» de Elon Musk (Departamento de Eficiência Governamental) entraram nas instalações e tomaram o controlo da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) bem como das suas bases de dados. O seu objetivo é cortar em 50% a sua força de trabalho e reduzir em 30% o seu orçamento. A NOAA, criada em 1970, é reconhecida mundialmente como uma fonte confiável de dados científicos e informações meteorológicas. Presta serviços essenciais, incluindo a previsão meteorológica, a análise do clima espacial, o mapeamento costeiro e oceânico e a ciência e a gestão dos recursos marinhos vivos. Os seus dados são amplamente utilizados em estudos académicos e sustentam inúmeras políticas públicas e decisões em todo o mundo.

A solidariedade para com os colegas cientistas norte-americanos está na ordem do dia. Esta luta assume contornos mais vastos em prol da liberdade académica e de um modelo de sociedade onde a ciência esteja ao serviço da emancipação dos povos e não ao serviço das multinacionais. Há dias, o governo impôs a votação do novo ECIC, furtando-se deliberadamente a uma discussão mais ampla por poderia ter permitido fazer deste diploma um verdadeiro instrumento de valorização dos trabalhadores científicos e das suas condições de trabalho. Partilhando de uma visão neoliberal da ciência que procura glorificar a figura do investigador-empreendedor, o governo PSD-CDS recusou deliberadamente a inclusão de um regime transitório que iria permitir integrar na carreira todos os investigadores a desempenhar tarefas permanentes nas instituições, muitos dos quais há décadas. Nas próximas eleições legislativas, estarão em confronto vários projetos de sociedade. Pela nossa parte, tudo faremos para que o atual cenário em curso nos Estados Unidos não tenha condições para singrar aqui. Cada um terá oportunidade de exprimir a sua voz nas próximas eleições legislativas de 18 de maio.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990

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