Se havia discriminação entre imigrantes, isso já era algo evidente. A descriminação é feita no sentido de classe. Veja-se a distinção entre quem tem capital pronto a investir e quem vem procurar trabalhar, apesar das recentes alterações que, por exemplo, estabelecem um alargamento na procura de trabalho. As distinções são claras e se os primeiros são a admissão de uma submissão de Portugal aos interesses económicos externos, o segundo revela uma discriminação evidente.
Os Vistos Gold, criados em 2012, seriam para alegadamente atrair investimento externo e por isso mesmo tem o nome oficial de programa de Autorização de Residência para Actividade de Investimento (ARI). A verdade é que esse investimento não se centrou na criação de postos de trabalho, mas sim na contribuição da bolha especulativa habitacional e no aproveitamento evidente de benefícios fiscais.
Os números não podiam ser mais claros. Até Dezembro de 2021, foram atribuídas 10.254 autorizações de residência para as tais actividades de investimento, dos quais 9.585 por via de compra de imóveis; 649 por transferência de capital e apenas 20 por criação de postos de trabalho. Também até Dezembro de 2021 foram somente criados 241 posto de trabalho sendo que a maioria concentra-se em Lisboa, apenas 81. As áreas de criação de emprego são diversas e a única que poderíamos considerar que visa o incremento da produção nacional é no setor têxtil com a criação de 30 postos de trabalho em Paredes, por via de investimento Filipino.
Esta análise não fica por aqui. De acordo com os números divulgados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, entre Outubro de 2012 e Abril de 2022 entraram em Portugal 10636 investidores, cujo o top 5 de nacionalidades são: chinesa (5092), brasileira (1084), turca (501), sul africana (449) e russa (431). Neste mesmo período foram «investidos» 6 mil milhões de euros, no entanto, destes, cerca de 5,5 mil milhões foram directamente para aquisição de imóveis.
A realidade contrasta assim com os supostos objectivos da ARI uma vez que não se verificou investimento útil. Isso não era um dado novo e ainda no ano passado foi levado à Assembleia da República propostas para acabar com o programa em questão. O Partido Socialista votou sempre contra juntamente com PSD, o que revela até a submissão do poder político ao poder económico, dada a recusa em acabar com algo que apenas promove a especulação imobiliária.
Por isso mesmo é agora de estranhar as declarações do Primeiro-Ministro que admite a possibilidade de acabar com os Vistos Gold. Há, no entanto, um senão que não tem sido divulgado. Dadas as evidências da ausência quase total de criação de postos de trabalho e uma vez que isso seria o objectivo, surge a ideia de manter um outro tipo de vistos que ao menos deixa mais claro que não acrescenta absolutamente nada ao nosso país. Costa lança a ideia de de vistos especiais para «nómadas digitais». Através do regime dos Residentes Não Habituais (RNH), pessoas com atividade profissional considerada de elevado valor acrescentado, podem pagar simplesmente uma taxa de IRS de 20% sobre os rendimentos do seu trabalho ou da sua atividade profissional, em vez das taxas progressivas deste imposto que vão até 48%. Cumprindo um conjunto de critérios pouco apertados, os tais «nómadas» podem beneficiar do RNH durante 10 anos.
Para quem beneficia desse regime a vida fica muito boa. Já para os restantes, nem tanto. De acordo com o Conselho de Finanças Públicas «entre 2020 e 2023, a despesa fiscal em sede de IRS deverá aumentar 1.062 milhões de euros (68,6%)» uma vez que haverá o «incremento da despesa relacionada com os contribuintes beneficiários do regime de tributação destinado aos residentes não habituais» que «se situou já em 56,25% do total da despesa fiscal deste imposto em 2020».
Para já as intenções do Primeiro-Ministro não passam de palavras. O PSD admite a discussão, o Chega que aparentemente se opõem a todo o tipo de imigração parece que gosta da quem vem contribuir para a bolha especulativa e a Iniciativa LIberal admite alterações aos Vistos Gold por simples xenofobia com russos e chineses.
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