Durante grande parte da sua história, existiu em Portugal um problema de habitação que assentava na falta de habitações dignas para a esmagadora maioria do povo português. Esse problema mantinha-se quando a revolução portuguesa de 25 Abril de 1974 coloca como um dos seus objectivos resolver o problema da habitação.
É importante registar a situação herdada do fascismo, em 1974:
Nos anos seguintes, fruto de gigantescos programas sociais, como o Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL) lançado em 1974, a situação evolui muito substancialmente. Particularmente se tivermos em conta a vinda para Portugal de mais de um milhão de retornados na sequência da descolonização que colocou novas e pesadas necessidades. Nos censos de 1981, os alojamentos sem energia eléctrica já só eram 10%, os sem água eram metade (26%) dos de 1974. Mas o ímpeto transformador e socializante de Abril ia cada vez ser mais contrariado pela força crescente da contra-revolução, pelo crescente controlo do poder económico sobre o poder político. E a habitação foi crescentemente liberalizada e mercantilizada, e aquele que é e deve ser visto como um Direito Humano fundamental, absolutamente estruturante da vida de cada cidadão, passou a estar no mercado.
Hoje temos novamente em Portugal um gigantesco problema de habitação. Mas esse problema é hoje um problema de «mercado de habitação». Habitações existem, e centenas de milhares delas estão mesmo devolutas ou subaproveitadas (723 215 habitações devolutas, apontam os Censos). A indústria da construção existe, mas ela está desviada para a habitação de luxo, para os vistos gold, para os estrangeiros que aqui procuram um paraíso fiscal ensolarado. E a habitação digna ficou fora do alcance das populações trabalhadoras. Este processo agravou-se particularmente nos últimos anos, mas as condições para esse agravamento estão a ser criadas há muito tempo.
Exactamente porque a habitação é hoje, essencialmente, uma mercadoria colocada no mercado, sujeita às leis da oferta e da procura, sujeita à especulação e à acção de investidores (desde os individuais aos fundos imobiliários) para quem a mercadoria é um mero instrumento para a acumulação de capital.
«Hoje temos novamente em Portugal um gigantesco problema de habitação. Mas esse problema é hoje um problema de "mercado de habitação". Habitações existem, e centenas de milhares delas estão mesmo devolutas ou subaproveitadas (723 215 habitações devolutas, apontam os Censos).»
Aliás, as grandes cidades já sofrem de um outro desequilíbrio provocado pelo liberalização deste mercado. A transferência de milhares de habitações do mercado de arrendamento urbano ou do mercado da habitação própria para o mercado das habitações turísticas, que por um lado contribuiu para o aumento do preço da habitação, e por outro trouxe milhares de turistas a mais, arrastando um crescimento anárquico de funestas consequências a prazo.
O preço elevado das habitações tem uma componente motivada pela inflação nos últimos anos e uma componente motivada pela especulação. O peso das despesas com a habitação (medido pelo INE) no conjunto das despesas das famílias tem aumentado brutalmente, essencialmente por efeito do custo da habitação.
Veja-se a evolução:
A habitação é de tal forma inacessível que é um contributo directo para a emigração – a forma de um jovem conseguir sair de casa é emigrar para onde o salário lhe dê para viver – e um factor de pressão brutal sobre a força de trabalho – trabalhar em Lisboa por 800 euros só é possível se se herdou casa, se se vive em casa dos país, ou se se está disposto a viver numa espelunca com 6, 8, 15, 20 outros trabalhadores pagando «apenas» 150/200 euros mês.
E as universidades, pressionadas igualmente por uma falsa autonomia financeira, procuram «fazer negócio» com a vinda de estudantes estrangeiros, e preocupam-se com a existência de residências para o bolso desses estudantes estrangeiros. E não com gente insolvente que não pode pagar o que um estudante americano pode. E é para estes estudantes solventes que se estão a abrir residências a 1100 euros, enquanto se multiplicam os casos de estudantes que abandonam a Universidade porque não podem pagar casa.
O liberalismo está a trazer o inferno à vida das populações trabalhadoras. E o paraíso para umas poucas famílias de ricos. Entre estas duas classes vê-se uma pequena e média burguesia que goza os seus pequenos privilégios de pequeno proprietário, alugando a outro o seu apartamento por 1000 euros, colocando uma segunda habitação no Alojamento Local, sobrevivendo graças ao facto de ter herdado o apartamento dos pais. Que goza dos seus pequenos privilégios mas é tão espremida como as camadas trabalhadoras e está condenada a uma expropriação paulatina, a uma proletarização inevitável a médio prazo.
«Que os financiadores do CH e da IL sonhem com o Portugal do antigamente é perfeitamente natural. Eles eram os proprietários desse Portugal. Mas às camadas trabalhadoras esse antigamente nunca reservou mais que pobreza, precariedade, exploração e repressão.»
Este liberalismo, praticado por PS e PSD, defendido por CH e IL, está a trazer o pior do Portugal do antigamente. E já temos novamente centenas de milhar a emigrar. E já temos novamente centenas de milhar a viver em casas sem condições. E já temos as famílias trabalhadoras a pagarem quase metade dos seus rendimentos para a habitação. E já temos novamente quem enriqueça cada vez mais sem nada mais fazer que cobrar rendas e dividendos.
Que os financiadores do CH e da IL sonhem com o Portugal do antigamente é perfeitamente natural. Eles eram os proprietários desse Portugal. Mas às camadas trabalhadoras esse antigamente nunca reservou mais que pobreza, precariedade, exploração e repressão.
Em algum momento é preciso dizer basta, o mercado não resolve o problema da habitação, é preciso uma intervenção colectiva, social, pública. Na Habitação, como nos restantes problema nacionais, a solução é o socialismo. Mas o socialismo a sério, fora da gaveta. Por uma socialização como aquela que o povo português realizou na Revolução que há 50 anos fez Portugal acreditar.
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