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IPC-∆Tráfego*(1-CV)–E+K

A fórmula química do combustível do último foguetão? Uma equação alquimista para a conversão de cobre em ouro? Um conjunto de caracteres dispostos de forma aleatória? Quase, mas não.

Estamos perante a fórmula clara e transparente que – aplicada sobre um conjunto de condições de que não são públicos os parâmetros – determinou a percentagem em que foi permitido aos CTT aumentar os preços do Serviço Público Postal que entraram em vigor a 1 de Fevereiro.

Trocando a coisa por miúdos: É o Índice de Preços ao Consumidor, ao qual se subtrai a variação do Tráfego de Correio multiplicado por 1 menos o peso dos custo variáveis, subtraindo-se ainda o factor de eficiência e somando-se os custos extraordinários. Ainda não? É demasiada ciência? Talvez a letra pequena da informação à CMVM sobre o convénio de preços possa ser útil, quando estabelece um limite à fórmula: «A definição para cada preço de uma variação anual máxima de 15% e uma variação global máxima de 30% para os 3 anos de vigência do Convénio.» Ou esta outra informação, também à CMVM1, já do passado mês de Janeiro, «a atualização dos preços do cabaz de serviços de correspondências, correio editorial e encomendas ocorrerá a partir de 1 de fevereiro de 2024, correspondendo a uma variação média anual do preço de 9,49%.»

Ou seja IPC-∆Tráfego*(1-CV)–E+K= 9,49% de aumento para já, e prepara-te para 30% nos próximos 3 anos!

«É este o resultado da alteração à lei postal. É este o resultado de manter a gestão privada deste serviço público. Os preços disparam, a qualidade degrada-se, e os lucros são empregues na construção de um Banco, que é a única coisa que de facto interessa aos donos dos CTT.»

É este o resultado do acordo entre o Governo PS (e o seu revolucionário ministro Pedro Nuno que negociou o dito) e a Administração dos CTT. É este o resultado da alteração à lei postal. É este o resultado de manter a gestão privada deste serviço público. Os preços disparam, a qualidade degrada-se, e os lucros são empregues na construção de um Banco, que é a única coisa que de facto interessa aos donos dos CTT. Aliás, o que este país precisava: de mais um banco privado, para um dia destes ir à falência e ser salvo por todos nós. Afinal voaram 20 mil milhões desde 2005 para salvar bancos. Coisa pouca, dirão os indignados com os 166,08 euros de RSI.

E por falar em aumentos de preços, em privatizações, e num poder político ajoelhado aos pés do grande capital: Este mês também entraram em vigor os aumentos nas Telecomunicações. São 4,6% de aumento em 2024 depois dos 7,8% de aumento em 2023. São valores que superam, e muito, quer a inflação de 2023 (4,3%) quer a inflação prevista para 2024 (2,9% nas previsões do BdP). É um verdadeiro assalto, principalmente se tivermos em conta que ocorrem em sectores onde os lucros aumentaram em 2023 e quando a ANACOM tem demonstrado uma e outra vez que Portugal tem das telecomunicações mais caras da União Europeia.

É o esmifrar do povo português para engordar o capital estrangeiro que se apossou do sector das telecomunicações, que está há anos a vender a PT a retalho, que destruiu capacidade produtiva (ainda alguém se lembra de quando Portugal estava na vanguarda mundial das telecomunicações? Pois... era a PT ainda pública...), e que nos atrasa o desenvolvimento sustentado, com vastas regiões com péssimo acesso às telecomunicações.

«[…] querem reduzir a escolha popular, entre um PS que aprofundou a liberalização destes sectores, que colaborou na sua privatização, e um conjunto de forças que contribuiu para essa liberalização e participou nessa privatização. Para depois nos dizerem que o regabofe vai continuar porque fomos nós que escolhemos.»

E que dizer do ensurdecedor silêncio dos auto-elegidos super-indignados contra o sistema? Todos os dias recebo um mal disfarçado anúncio pago com umas trombas que dispensava no meu telemóvel. Todos os telejornais vejo o Ventura uma, duas, três, quatro vezes. Mas de aumento de preços, dos custos da liberalização, dos prejuízos com as privatizações, da corrupção nas empresas privadas... nada... que ainda se acaba o dinheiro para pagar anúncios ou desaparece a orientação nas redações de promover o tipo. Aliás tal como o PSD, a IL, o CDS e a recauchutada AD: as liberalizações são óptimas na teoria, mas falar sobre a prática delas é melhor não.

E é a isto que querem reduzir a escolha popular, entre um PS que aprofundou a liberalização destes sectores, que colaborou na privatização destes sectores, e um conjunto de forças que contribuiu para a liberalização destes sectores e participou na privatização destes sectores. Para depois nos dizerem que o regabofe vai continuar porque fomos nós que escolhemos. Ou que é tudo inevitável. Então não se está mesmo a ver que o preço de um selo tinha de ser IPC-∆Tráfego*(1-CV)–E+K?


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

  • 1. Não diz tanto sobre aquilo em que este país está transformado que uma informação essencial sobre um serviço público só seja de conhecimento público porque é obrigatório haver uma informação à Comissão de Mercado e Valores Mobiliários? Se amanhã os CTT saem da bolsa, acaba-se a informação pública sobre os CTT. É pagar e calar.

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