O número de nascimentos em Portugal atingiu o valor mais elevado dos últimos sete anos no primeiro trimestre de 2019. Uma boa notícia para um dos países mais envelhecidos do mundo, onde o incentivo à natalidade devia ser uma prioridade.
Nestes três meses foram feitos 21 348 «testes do pezinho» a bebés recém-nascidos em território nacional. Este teste de diagnóstico precoce, que cobre a quase totalidade dos bebés em Portugal, indica que nos três primeiros meses do ano nasceram mais 984 crianças face ao mesmo período de 2018.
O chamado «teste do pezinho», que despista doenças metabólicas, é uma das muitas tarefas a cumprir pelos pais, e é normalmente a primeira saída do bebé. Realiza-se com uma amostra de sangue obtida através de uma picada no calcanhar do recém-nascido e deve ser feito entre o terceiro e o sexto dia de vida.
Não sendo de realização obrigatória, pode ter benefícios substanciais para o bebé e para a sua família quando são detetados quaisquer problemas. Por norma todos o fazem e é, por isso, considerado como um dado importante no rastreio do número de nascimentos.
As primeiras tarefas, como esta, e em geral todas as que se seguem nos primeiros meses de uma criança são da máxima importância para o seu bem-estar e para o dos pais, daí a importância fundamental da atenção à Licença de Maternidade e Paternidade.
A Licença tem, entre outras coisas, uma relação decisiva com a alimentação do bebé. É hoje consensual entre os pediatras que a atenção ao recém-nascido por parte dos dois progenitores tem uma influência decisiva na saúde para toda a vida. A presença e incentivo à participação da família na alimentação do bebé é fundamental na amamentação, condição de saúde e bom desenvolvimento que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) , é um dos maiores benefícios que se podem promover com licenças de maternidade adequadas. Alimentar o bebé, inclusive amamentá-lo, não é tarefa exclusiva da mãe e não depende apenas da sua boa ou má-vontade, como é comum ouvir-se.
O guia Dez passos para uma amamentação de sucesso foi lançado pela OMS em 2018 e afirma que «a iniciação precoce da amamentação beneficia os recém-nascidos, independentemente de onde vivam», mas que «a amamentação requer suporte, incentivo e orientação (…) é necessário melhorar significativamente as taxas de aleitamento materno em todo o mundo, dando às crianças o melhor começo de vida possível ( … ) De acordo com dados fornecidos pela UNICEF, se todas as mães amamentarem o seu bebé nos dois primeiros anos de vida poderão ser salvas, anualmente, mais de 820 mil crianças, tanto em países desenvolvidos como em vias de desenvolvimento, uma vez que esta previne doenças gastro-intestinais, prevenindo também a obesidade e desenvolvendo o sistema imunitário e o vínculo materno-infantil» .
Em Portugal o aleitamento materno na primeira hora de vida, durante a permanência no hospital ou maternidade, é de 98%. Os dados, da Direcção Geral de Saúde, confirmam as boas práticas, a qualidade dos profissionais de saúde e a ampla informação que as jovens famílias têm sobre o assunto.
No nosso país a amamentação é socialmente incentivada, não se registando de forma acentuada (como é relatado em outros países) comportamentos de censura a mulheres que amamentam em público ou campanhas publicitárias em grande escala a marcas de leite artificial (elas são, aliás, proibidas em hospitais e maternidades e durante os primeiros meses de vida). No SNS uma grande percentagem de maternidades e hospitais portugueses de referência são aderentes da iniciativa «Hospital amigo dos bebés», lançada pela UNICEF em 1992. Esta adesão pressupõe, entre outras coisas, que se incentive as mães a amamentar desde a primeira hora, com contacto pele-a-pele sempre que é possível, permitindo a permanência da mãe no mesmo espaço dos recém-nascidos.
No entanto, apesar destes indicadores positivos, as taxas de amamentação diminuem para a ordem dos 50% após a saída da maternidade, fixando-se em 21% quando analisamos os bebés que são amamentados exclusivamente, sem recurso a leite artificial, até aos 6 meses.
Esta diminuição (dos 98% para os 21%!) tem uma relação directa com a batalha que muitas mães e pais trabalhadores ainda têm de enfrentar para usufruir do legítimo direito à licença de maternidade e paternidade.
O rápido regresso ao trabalho impede a continuação da alimentação mais recomendada aos bebés em todo o mundo. Em algumas empresas, de forma cruel, é mesmo usado o argumento de que as mães deixam de amamentar a partir da entrada do bebé no berçário (aos 3 ou 4 meses), sendo as mulheres pressionadas para não usufruírem do horário legal de alimentação ao bebé, quando estão no seu direito de alimentar a criança de qualquer forma, e necessitam destas horas para os cuidados a prestar aos seus filhos pequenos.
Muitos berçários, incluindo os das IPSS (subsidiadas pelo Estado , acolhem bebés a partir dos 3 ou 4 meses de idade, sendo esta uma prática incentivada pelas empresas que, agravando o cenário, negam as horas previstas para aleitação e os horários adequados à vida das famílias.
Nas revistas e blogs sobre a «escolha» do local para «deixar as crianças», são vários os relatos de pais que colocam as amas como alternativa a berçários sem grandes condições, de acordo com algumas opiniões, para uma atenção adequada a cada bebé. Às amas, tuteladas pela Segurança Social ou organizadas em residências privadas, são confiados bebés de tenra idade sem grande possibilidade de controlo ou avaliação.
Esta é uma discussão longa, mas é o preço de uma ou outra «opção» que acaba por condicionar as famílias de poucos rendimentos, acabando por se discorrer sobre «a necessidade da não culpabilização das mães», banalizando-se, no fundo, um comportamento que é prática em muitos lares.
Com a precariedade a atingir uma larga fatia dos jovens pais tudo se agrava, o caminho fica aberto para despedimentos encapotados de «não renovação do contrato», para todo o tipo de assédio aos trabalhadores que pretendem tirar a Licença e para a pressão para voltar ao trabalho o mais rapidamente possível.
Em muitas empresas (e em muitas premiadas pelos sucessivos governos por boas práticas na área da Igualdade) encaram-se os pais de licença como se fossem «pesos» nas finanças e não como pessoas com direitos, elementos-chave num país onde a baixa natalidade é um problema a combater.
Os trabalhadores, mulheres na sua maioria, são levados a não usufruírem dos direitos que têm durante esta fase, constantemente aconselhados a tirar dias de férias ou a fazer mais horas do que as que devem fazer legalmente.
Chegam diariamente aos sindicatos milhares de queixas sobre atropelamento deste tipo de direitos, sendo esta, de acordo com a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens da CGTP-IN, uma das prioridades da intervenção sindical a desenvolver nos locais de trabalho.
O cenário que se verifica na vida quotidiana destas famílias não é o que está consagrado na Lei, violada sistematicamente pelas empresas. Portugal possui, no quadro da UE, uma das legislações mais avançadas na proteção dos direitos de maternidade, paternidade e parentalidade. É necessário o cumprimento desta legislação, que ela passe do papel para a vida das famílias portuguesas. Ainda assim, na Legislação, alguns passos foram dados.
Recentemente, e por proposta do PCP, foi aprovado o pagamento do subsídio de gravidez por riscos específicos a 100%. É hoje possível a uma grávida que trabalhe em profissões de risco, em empresas químicas por exemplo, retirar a licença paga a 100%, o que faz toda a diferença na sua vida e na saúde dos seus filhos.
Foi aprovada a equiparação da licença para assistência a filhos em situações de doença crónica ou doença oncológica, à licença que existe para filhos com deficiência, bem como o direito a três dispensas, em cada ciclo de tratamentos, para consultas de Procriação Medicamente Assistida. Esta medida é um passo importantíssimo num país em que, por variadas razões, entre as quais a idade tardia de nascimento do primeiro filho, milhares de mulheres recorrem ao este tipo de tratamento.
Foi aprovada ainda a proibição de discriminação pelo exercício dos direitos de maternidade e paternidade para efeitos de atribuição de prémios de assiduidade, produtividade e progressão na carreira.
É possível ainda, de acordo com propostas recentemente aprovadas, garantir o direito do pai a três dispensas do trabalho para ir às consultas pré-natais com a grávida, a Licença de acompanhamento a filho com doença prorrogável até ao limite máximo de seis anos e a licença para deslocação a unidade hospitalar localizada fora da ilha de residência para realização de parto.
Desde este mês é possível, no caso do internamento hospitalar da criança, acrescer à licença o período de internamento até ao limite máximo de 30 dias e, nas situações em que o parto ocorra até às 33 semanas inclusive, acrescer todo o período de internamento da criança, bem como 30 dias após a alta hospitalar.
Sendo passos positivos, dados apenas com a reivindicação de muitas famílias trabalhadoras e muita intervenção e discussão deste tipo de assuntos, é necessário um caminho de aprofundamento destes direitos, respondendo a necessidades especificas a que é preciso dar resposta.
Apesar das recentes alterações propostas pelo Parlamento Europeu, que vão ao arrepio deste caminho, Portugal é igualmente dos países da UE que possuem melhor evolução da tomada destas licenças pelos homens.
A decisão de ter filhos é hoje, cada vez mais, um acto consciente e muitas vezes longamente adiado ou decidido. Existe entre as jovens famílias o desejo de usufruir do momento do nascimento e dos primeiros anos de vida, havendo uma participação dos dois progenitores muito diferente da das gerações anteriores.
Há uma exigência de que o caminho de aprofundamento dos direitos de maternidade e paternidade se faça. A prová-lo está a cada vez mais normal presença dos pais no parto natural (direito só consagrado em Lei em 1985), a percentagem de pais que participam nas consultas pré-natal e em todas as tarefas associadas ao cuidado do recém-nascido entre outros claros avanços.
A multiplicação de petições e iniciativas legislativas sobre o tema do alargamento do tempo de licença que, não sendo todas iguais, convergem na necessidade de o alargar e na admissão da sua relação com as condições laborais dos pais e das mães, é um sinal importante da sua importância para esta geração de pais.
A discussão sobre a melhoria da Legislação e sobre a sua concretização na prática deve ter este avanço em conta, não o colocando como oposto mas como parte do reforço da proteção da maternidade, na sua componente biológica (gravidez, parto e amamentação) assegurando a defesa dos direitos específicos das mulheres, garantindo-lhes a eles e a elas, o tempo necessário de licença parental, pago a 100%.
Para representar um caminho de avanço, o reconhecimento e o reforço dos direitos do pai não pode ser construído à custa da retirada e da diminuição dos direitos da mãe. Eles devem ser consagrados de forma autónoma, numa perspetiva de complementaridade, numa dinâmica de avanço na igualdade entre mulheres e homens noutras esferas da vida em sociedade.
A licença de maternidade de pelo menos seis meses pagos a 100%, sem ter de haver partilha entre os progenitores, é uma exigência legítima e adequada ao modo de vida de uma nova geração de pais que é necessário incentivar e proteger.
Ela permite aos bebés uma melhor saúde, torna possível que não se interrompa a amamentação contra o desejo das mães, continuando o trabalho de médicos e enfermeiros, e apresenta a possibilidade um início de vida em estreita relação com os progenitores, rodeados do cuidado a que todos devem ter direito.
Apesar de toda a argumentação sobre o assunto, este tipo de licença foi recentemente rejeitada na Assembleia da República. O alargamento do tempo de licença de maternidade obrigatória de seis para nove semanas, bem como o alargamento do tempo de licença obrigatória do pai de 15 para 30 dias ou o alargamento da licença de maternidade até 180 dias, pagos a 100%, foi chumbado na última semana.
Foi ainda rejeitada a proposta do PCP sobre a decisão livre da mulher e do casal sobre o período do gozo de licença parental, garantindo sempre o seu pagamento a 100% e a criação de uma licença específica de prematuridade ou de internamento hospitalar do recém-nascido, adicional à licença de maternidade/paternidade, garantindo o seu pagamento a 100%, e com duração até finalizar o período de internamento.
A licença de maternidade e paternidade representa não só um direito da mãe do pai, enquanto trabalhadores, mas um direito fundamental de todos os bebés! A legislação aprovada, que necessita sem dúvida de continuação e aprofundamento, é um contributo fundamental para o incentivo ao aumento do nascimento de mais crianças em Portugal. É necessário batalhar e usufruir dos direitos recentemente alcançados mas é necessário também, sem dúvida, ir mais longe.
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