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Sobre a insolvência da SPdH/Groundforce

O que no dia 27 de Setembro vai ser apresentado na Assembleia de Credores é um plano de reestruturação aprovado pela TAP e pela ANA. Isto é, pelo principal cliente e pelo principal concorrente.

Créditos / Transportes e Negócios

A primeira e fundamental ideia sobre o processo de insolvência da SPdH [Serviços Portugueses de Handling] é que este nunca deveria ter acontecido. Por duas razões fundamentais: porque a Assistência em Escala nunca deveria ter saído da TAP e saindo nunca deveria ter sido privatizada; porque a SPdH não estava insolvente, foi atingida pela pandemia, como todo o sector aéreo, e deveria ter sido apoiada e nacionalizada. (É nesta altura que alguém sempre comenta «lá estão vocês, a fazer história, a falar de processos», como se tudo não fizesse parte de um processo e por isso só conhecível conhecendo esse processo.)

Como o governo acabou por reconhecer na CPI TAP, a insolvência só foi decretada porque o PS não quis seguir o caminho que era o melhor para a empresa, os seus trabalhadores e o país, o caminho que menos desestabilizaria a TAP e os trabalhadores da SPdH, o caminho mais barato para o Estado português: nacionalizar a SPdH e apoiá-la. E não o fez para ficar bem perante a neoliberal Comissão Europeia, para não ter que enfrentar a campanha mediática que se seguiria dos porta-vozes das liberalizações e privatizações (Pedro Nuno Santos dixit), e, claro, por cegueira ideológica, pois este PS está rendido ao neoliberalismo apesar de algumas sonantes declarações em contrário. (Aqui alguém dirá que a privatização é uma imposição comunitária, o que é falso, mesmo as liberais leis europeias só impõem que, ou a Portway não pertença à ANA ou a SPdH não pertença à TAP. Ora, a ANA tem a Portway à venda, e o Estado não é a TAP. Isto sem sequer abordar a hipótese, demasiado assustadora para colonizados mentais, que estamos sempre a tempo de não aceitar imposições comunitárias).

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Pode um país ficar refém de interesses privados?

A angústia dos trabalhadores da Groundforce e a incerteza relativamente ao futuro resultam da falta de vontade política de nacionalizar uma empresa essencial a um sector estratégico para o País.

Os trabalhadores da SPdH/Groundforce, após anos, conseguiram que fosse retomada a negociação da contratação colectiva
Créditos / Agência Lusa

Já vai longa a novela da maior empresa de handling em Portugal, de quem Alfredo Casimiro se tornou accionista maioritário em 2012, tendo recebido 7,6 milhões de euros em comissões de gestão antes de pagar 3,7 milhões de euros pela maioria de capital, em 2018. Mas, se o negócio foi bom para o fundador da transportadora Urbanos, o mesmo não podem afirmar os trabalhadores da Serviços Portugueses de Handling (SPdH)/Groundforce, cuja actividade é fundamental para o funcionamento da TAP e, consequentemente, para o desenvolvimento do País. 

No espaço de um ano, a empresa já despediu mais de mil trabalhadores que prestavam serviço através de contratos a termo ou empresas de trabalho temporário. O quotidiano dos que ficaram tem sido preenchido com atrasos no pagamento dos salários, apesar do aumento da actividade registado com o regresso da actividade aeroportuária. De forma unilateral, a empresa decidiu pagar o salário de Junho em 65% no devido tempo e o restante até 15 de Julho. Este fim-de-semana, os trabalhadores disseram basta aos vários incumprimentos e atropelos aos seus direitos.

A greve de dois dias ocupou os noticiários, mais com imagens referentes aos constrangimentos vividos pelos passageiros, do que com a justeza das reivindicações que levaram à paragem da actividade. Entretanto, o representante dos patrões do turismo, sector alicerçado por excelência na política de baixos salários e na precariedade, já veio dizer que esta greve «não podia ter acontecido» e que a marcada para o final do mês «não pode acontecer», independentemente da situação dos trabalhadores da Groundforce. 

Mais do que condicionar o direito à greve dos que vivem do seu salário, importa resolver os problemas de uma empresa cuja actividade, reconhece Francisco Calheiros, é fundamental para o sector do turismo, para além da ligação às comunidades portuguesas e da dinamização de outros sectores. Sendo estratégica para a economia nacional, apesar de agora o seu destino andar pelas mãos do Montepio, cabe ao Governo tomar a opção de a nacionalizar. Afinal de contas, porque há-de o País estar refém de interesses privados em matérias fundamentais para o seu desenvolvimento e soberania? 

Ouvido esta manhã no Parlamento, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, argumentou que o Governo não avançou com a nacionalização da Groundforce para evitar «o risco de litigância» e eventual indemnização. Mas a análise deve partir sempre de outros pressupostos, tendo em conta as garantias para os trabalhadores e para o País. Veja-se o exemplo da ANA Aeroportos, com centenas de milhões de euros de lucros anuais, que em vez de servirem a economia nacional vão para os cofres dos franceses da Vinci. Não faz sentido, pois não?

Tipo de Artigo: 
Editorial
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Decretada a insolvência, esta tem dois possíveis destinos. Ou acaba com a empresa, ou aprova um plano de reestruturação. O que no dia 27 de Setembro vai ser apresentado na Assembleia de Credores é um plano de reestruturação aprovado pela TAP e pela ANA, que têm a maioria dos créditos com direito a voto. Um plano aprovado pelo principal cliente e pelo principal concorrente. (Já ninguém se lembra que o Governo chegou a garantir que o plano seria sempre decidido pelos trabalhadores?)

O processo foi conduzido até o ponto do costume: os trabalhadores, ou ficam na frigideira e «estão fritos», ou saltam fora da frigideira e ficam desempregados. Os sindicatos foram encostados à parede, com a livre negociação a decorrer com o  pescoço sobre a guilhotina. O plano não é público, o que alimenta a boataria, mas os desmentidos também são frágeis.

(Falou-se de um despedimento colectivo de 300 trabalhadores, que não estará no plano, mas o desmentido dos administradores da insolvência fala numa «… rescisão com cerca de 300 trabalhadores, mediante a cessação de contratos de trabalho por tempo indeterminado, preferencialmente por mútuo acordo...». Preferencialmente... Mas, mais importante: a empresa não tem trabalhadores a mais, a não ser que se esteja a preparar para aumentar o recurso à subcontratação e aos prestadores de serviços... coisa que é garantido não estar...)

«Mesmo as liberais leis europeias só impõem que, ou a Portway não pertença à ANA ou a SPdH não pertença à TAP. Ora, a ANA tem a Portway à venda, e o Estado não é a TAP.»

A terceira privatização da SPdH, desta vez à Menzies, depois do brutal falhanço das duas tentativas anteriores (à Globalia e à Urbanos), será a consequência final desta insolvência que nunca deveria ter acontecido. Mas que aconteceu exactamente para eliminar as resistências à concretização dessa privatização e para pressionar o preço da força de trabalho para baixo.

Tudo deveria ter sido diferente. Tudo podia ter sido diferente. Tudo terá que ser diferente um dia. Para preparar esse dia, é preciso dizer Não, hoje. Não, não estamos de acordo com o Plano de Insolvência (e exigimos que o mesmo seja conhecido publicamente). Não, não estamos de acordo com a insolvência da SPdH/Groundforce e exigimos a sua nacionalização imediata. Não, não aceitamos que essas sejam as únicas alternativas. Não, não estamos condenados a aceitar o mau ou o muito mau para evitar o pior: podemos, de uma vez por todas, tomar os nossos destinos nas nossas mãos.

A SPDH e os seus trabalhadores fazem falta ao país. A Menzies não.

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