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Tribunal tece acórdão com base em preconceitos

Um acórdão do Tribunal Judicial de Viseu, datado de 3 de Outubro, recusa que uma mulher moderna e autónoma se sujeite a uma relação violenta. O recurso, que deu entrada no Tribunal da Relação de Coimbra, acusa o juiz de falta de isenção. 

«Parecia que o juiz era a defesa do meu ex-marido», revelou Susana
Créditos / BragaTV

A reportagem do Público descreve a situação familiar do casal Ângelo e Susana, e as alegações de cada um. No final, o colectivo presidido pelo juiz Carlos de Oliveira recusou a versão da vítima, «que jurou que era obrigada a dormir com a caçadeira debaixo do colchão, que o ex-marido a insultava, que em várias ocasiões a pontapeou, agarrou, empurrou, puxou pelo cabelo».

Mas as acusações, revela o diário, não se ficaram por aqui: «Chegou a apontar-lhe a caçadeira e a ameaçar matá-la e matar a família dela».

Ângelo negou as acusações feitas pela vítima, corroboradas pela sua família, e o tribunal aceitou a versão do arguido e das respectivas testemunhas. O Público descreve que «uma contou que Ângelo admitiu que dava pontapés em Susana, mas "de raspão", e que a esmurrava, mas não era "a sério", e que ela também lhe dava beliscões. E a outra contou que Ângelo admitiu que lhe batia, mas que "não era do nada".»

A vítima recorreu da decisão, «que absolve o arguido de dois crimes de violência doméstica, um crime de perturbação da vida privada, um crime de injúrias e o condena por um crime de detenção de arma proibida». Na reportagem do Público lê-se que o colectivo «nem sequer pediu a gravação que o irmão dela afirma ter de um telefonema que Ângelo terá feito no dia da fuga de Susana a prometer que nunca mais lhe bateria». 

«Não tinha filhos... podia sair de casa»

A falta de isenção do juiz foi concretizada também por via dos comentários tecidos no dia do depoimento de Susana, a 20 de Dezembro de 2016: «A senhora não tinha filhos, portanto, a primeira coisa que podia fazer era sair de casa.»

Durante o julgamento, conforme revela o Público, o juiz insistiu na necessidade da prova de dano físico. «"O que temos aqui são episódios em que a senhora aparece com dificuldades respiratórias, com crise hipertensiva, palpitações», criticou. «Qualquer coisa a ver com o sono, depois tem realmente a questão do aborto que fez, tem depois problemas psiquiátricos também aqui com receitas desse teor, mas não temos um único elemento clínico no processo em que se a senhora se dirigiu por ter uma lesão física".»

Conselho Superior da Magistratura não vê motivo para queixa 

Perante a tentativa de contacto por parte do jornal, o magistrado  lembrou que está sujeito ao dever de reserva e informou que iria questionar o Conselho Superior da Magistratura sobre o melhor modo de proceder.

A mesma estrutura, adianta o Público, já recebeu uma participação por «falta de isenção e imparcialidade», referente ao processo de violência doméstica julgado pelo Tribunal Judicial de Viseu, mas «não encontrou motivo para instaurar um processo disciplinar ao juiz Carlos de Oliveira».

Ao diário, a investigadora da Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres, e docente da Universidade Católica e perita nacional no Observatório da Violência Contra as Mulheres da European Women’s Lobby chama a atenção para o facto de a violência doméstica ser um «fenómeno transversal, que afecta pessoas de todas as idades, com os mais variados níveis de escolaridade, de todos os estratos socioeconómicos».

O caso faz lembrar outro recente, protagonizado pelo juiz Neto de Moura, em cujo acórdão justificou a violência doméstica com o «adultério» da vítima. 

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