É sempre com a força dos braços dos homens que a lavra da mina alimenta o negócio de uma atividade milenar. Mas, se os metais extraídos encheram os bolsos de poucos, apenas deram trocos e consumiram a saúde de muitos, deixando como herança feridas abertas na terra.
Aqui tudo começou em 1888. A exploração do volfrâmio na mina do Cabeço do Pião marcou para sempre este lugar e as suas gentes. Vidas doridas pelas vicissitudes de um tempo marcado pela subida e descida da cotação do tungsténio, ameaças de encerramento, mudanças da empresa concessionária, greves, paralisações, acidentes, despedimentos e encerramento. Em 1996 tudo acabou e no Cabeço do Pião ficaram os despojos e gente esquecida. Já passaram mais de vinte anos e, hoje, o cenário é desolador – instalações abandonadas, estruturas ferrugentas, ruínas, escombros e uma enorme escombreira a envenenar a vida daquele lugar.
Perguntamo-nos:
Onde estão os responsáveis e para quando uma solução?
A irmos pela conversa do Ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, o responsável é o Município do Fundão.
Afirmamos: Só má fé e irresponsabilidade política podem justificar o comentário do governante face à divulgação da investigação SIC (1 e 2 de Fevereiro de 2019) sobre o risco ambiental no rio Zêzere causada pela escombreira1 do Cabeço do Pião2.
O Ministro sabe bem que o Município do Fundão não é o agente poluidor, mas comporta-se como «elefante» a esmagar a formiga... Claro que o Município não é inocente em todo este processo, mas daí a ter de assumir uma responsabilidade exclusiva, vai uma enorme e injusta distância.
Vejamos com mais detalhe a trilogia de toda esta questão.
Município do Fundão
Quando há cerca de 14 anos o Município do Fundão entra no Cabeço do Pião já a Beralt Tin and Wolfram (Portugal), S.A. tinha encerrado a exploração, transferido a lavaria3 (Barroca) e a escombreira existia.
Digamos que a motivação do então Presidente e Vereador girava à volta de um grande projeto que havia de fazer valer o turismo naquele local. Talvez tenha sido deslumbramento e megalomania as causas do falhanço do projeto. Consumiu-se dinheiro, delapidou-se património industrial, criaram-se entidades e multiplicaram-se as manobras de engenharia. Município, empresa mineira, freguesia e associações de desenvolvimento e privados teceram uma rede muito pouco transparente.
Em 2006 foi criada a Fundação Minas da Panasqueira, depois, em 2011, o CAM – Centro de Atrações Mineiras, S.A e no meio disto, aparece uma tal Recordar o Passado - Promoção e Gestão de Parques Temáticos, Lda. O que estas empresas fizeram não se sabe bem, alguns dos seus gestores são conhecidos, mas, que se saiba, nunca prestaram contas públicas.
Não ignoramos que em matéria ambiental o município fez alguma coisa. Efetuaram-se pequenas intervenções na escombreira, ajustaram-se estudos técnicos e encetaram-se inúmeras reuniões com a administração central. Mas, faltou uma verdadeira consciência política da dimensão do problema e dos riscos ambientais. Só isso parece justificar os irresponsáveis sinais públicos dados pelo município, quando faz da escombreira um cartaz turístico a visitar e a usufruir. Não seriam necessários muitos euros para vedar o local e sinalizar a sua perigosidade. Só que o apelo ao «exotismo» do local turva a razão e lá vemos o percurso da escombreira incluído na Grande Rota do Zêzere e a página do Facebook do município com convites à prática do btt pelos caminhos da escombreira...
Beralt Tin and Wolfram (Portugal), S.A.
Toda a empresa a quem é licenciada uma concessão mineira tem direitos e deveres, enquadrados naquilo que poderá ser designado de projecto mineiro, constituído por um conjunto de etapas interligadas e de encadeamento sequencial: (i) prospeção e pesquisa (ii) produção e (iii) fecho.
No que se refere à matéria em debate, a fase de fecho, muitos estudiosos referem que até 2010 não havia uma prática consistente de obrigações a serem cumpridas quanto à reabilitação no final da sua vida útil da exploração mineira. Só aquando da transposição da Directiva 2006/21/EC para a legislação portuguesa (DL n.º 10/2010) é que esta matéria passou a ser devidamente assegurada. Assim, para além da obrigação de garantia bancária, a legislação estabelece os «requisitos mínimos para prevenir ou reduzir tanto quanto possível todos os efeitos adversos para o ambiente e para a saúde humana que resultem da gestão dos resíduos da indústria extractiva».
Dada a opacidade de todo este processo e o envolvimento da empresa na teia gerada pelo projeto turístico do Rio, com a sua participação na Fundação Minas da Panasqueira e no CAM – Centro de Atrações Mineiras, S.A, não são públicos os termos exatos da desanexação do Cabeço do Pião do Complexo Mineiro da Panasqueira. Em todo o caso, não poderá ser aceitável que a referida desanexação possa ter implicado a total desresponsabilização da empresa enquanto agente poluidor. E até seria muito útil, ao cabal esclarecimento desta matéria, que fosse tornado público o conteúdo do Plano de Fecho e Plano Ambiental de Recuperação Paisagística da Mina da Panasqueira. Documento Técnico da Empresa (A. Franco, A. Corrêa Sá, J. P. Real), datado de 2011.
Acresce que convém que não se caia no esquecimento em matéria de responsabilidades. A empresa sabe bem o que está exarado em despacho de 2006 pelo Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional Francisco Nunes Correia: «instar a Beralt Tin & Wolfram, S.A. a estabelecer um plano de intervenção que vise minimizar as repercussões negativas associadas a uma eventual ruptura das escombreiras e barragem de lamas».
Ministro do Ambiente
Se há matéria em que a administração central é detentora de todas as competências é a exploração mineira. Aliás, quando as autarquias são chamadas a intervir, o seu papel é o de emitir um mero parecer indicativo, sem qualquer força vinculativa. Assim, sabe o Ministério do Ambiente que essa é uma responsabilidade, não transferível, com todos os custos que isso implica.
Disse o Ministro do Ambiente que como a escombreira é no concelho do Fundão a responsabilidade tem de ser assumida pela autarquia. Triste frase, a do Ministro. Todas as concessões são num território concreto que se situa numa dada freguesia e num dado concelho. Mas será a sua localização determinante da titularidade da responsabilidade?
Disse o Ministro do Ambiente que o seu ministério estava disponível para colaborar ao nível das soluções técnicas. Se assim é, não é compreensível que seja o Município do Fundão a tomar a iniciativa de reunir pareceres técnicos, que já montam a milhares de euros, quando bem podiam ser os técnicos da administração central a realizá-los pelos seus próprios meios ….
Recordamos ao Ministro do Ambiente que o Decreto-Lei n.º 544/99, de 13 de Dezembro, em vigor à época do fim da exploração no Cabeço do Pião, «estabelece as regras relativas à construção, exploração e encerramento de aterros para resíduos resultantes da exploração de depósitos minerais e de massas minerais ou de actividades destinadas à transformação dos produtos resultantes desta exploração, tendo em vista evitar ou reduzir os potenciais efeitos negativos sobre o ambiente e os riscos para a saúde pública».
Questionamos o Ministro do Ambiente quanto ao facto do Cabeço do Pião não ter sido integrado nos programas Recuperação Ambiental de Áreas Mineiras Desactivadas, geridos pela EDM – Empresa de Desenvolvimento Mineiro, SA, . A realidade do abandono não ficou esgotada com aquilo que foi identificado em 2001 e acrescentado em 2003, à luz da legislação produzida pelo Decreto-lei n.º 198-A/2001, de 6 de Julho. Aliás, mal vai o poder legislativo quando é incapaz de tratar de forma universal idênticas realidades, mesmo que diferentemente datadas.
Aqui chegados fica uma nota final: a trilogia de responsabilidade que aqui abordamos é um trabalho inacabado. Muitos aspectos continuam escondidos dos cidadãos e o que se exige é total transparência e responsabilidade. A escombreira do Cabeço do Pião não é um problema do Fundão, é um problema nacional a que urge responder com rapidez e seriedade política.
A autora escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AE 1990)
- 1. Escombreira (o termo provém de escombros) é um local onde são depositados os minerais sem aproveitamento económico de uma exploração mineira. As escombreiras, precisa a Infopédia, impedem o desenvolvimento da vegetação e de qualquer atividade agrícola.
- 2. Cabeço do Pião é uma das Aldeias do Xisto.
- 3. Lavaria designa, na exploração mineira, o local onde os minérios economicamente viáveis são separados de outros minérios e da ganga. No complexo mineiro da Panasqueira subsiste em funcionamento a lavaria da Barroca Grande.
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