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Quando a NATO conjuga a guerra com os negócios

De altos cargos associados à guerra e aos interesses militares transitaram para bem sucedidas empresas privadas – e nesta qualidade desempenham agora funções no Centro de Excelência da NATO.

Imagem do Locked Shields 2018, o maior e mais avançado exercício de cibersegurança do mundo, organizado pelo Cyber Defence Centre of Excellence (CCDCOE) desde 2010 com o objectivo de treinar especialistas encarregados de proteger diariamente os sistemas nacionais de IT.
CréditosFonte: Cyber Defence Centre of Excellence (CCDCOE)

Que a NATO é uma aliança guerreira global não é novidade para ninguém; nem mesmo – e sobretudo – para aqueles que continuam a jurar que não passa de uma inocente organização defensiva. Mas a NATO dá fortes sinais de estar a transformar-se também numa motivadora frente de grandes negócios onde os interesses público e privado esbatem lucrativamente as suas fronteiras. Um exemplo? Chama-se Cooperative Cyber Defence Centre of Excellence (CCDCOE), com a tradução oficial portuguesa de Centro de Excelência para a Ciberdefesa Cooperativa e funciona a partir de Tallin, capital da Estónia.

O CCDCOE é «uma base avançada de negócios», garante-se à boca cheia nos meios do business onde se aliam os interesses militares e civis que têm a morte dos outros como recompensador modo de vida. Também é usual qualificar este Centro de Excelência como «uma antena» que conecta a mais paranóica das obsessões actuais dos que gerem «o nosso modo de vida» – a cibersegurança – com as potencialidades inesgotáveis de negócio que tal actividade representa a todos os níveis e em todos os azimutes.

A chefia desta estrutura foi entregue a um homem da casa, o coronel Jaak Tarien, ex-comandante da Força Aérea da Estónia. Ao seu lado tem um poderoso e galáctico Conselho Consultivo, no qual se destaca o general na reserva e ex-director da CIA, David Petraeus, que os seus admiradores não hesitam em qualificar como o «militar do século» na sequência das mortíferas operações que comandou no Iraque, no Afeganistão, e a que deve acrescentar-se o papel que desempenhou na destruição da Líbia enquanto chefe daquela agência de espionagem.

Outro membro do Conselho Consultivo é Koen Gisjbers, antigo ministro da Defesa da Holanda.

Duas estrelas brilhantes

Qualquer deles tem o perfil mais que recomendável para esta missão público-privada. De altos cargos associados à guerra e aos interesses militares transitaram para bem sucedidas empresas privadas – e nesta qualidade desempenham agora funções no Centro de Excelência da NATO.

Depois da sua polémica demissão, baseada, de facto, na confissão segundo a qual, como director da CIA, sabia do envolvimento da al-Qaida no atentado de Benghazi em 11 de Setembro de 2012 que vitimou o embaixador norte-americano e outros compatriotas, David Petraeus surge em Tallin no papel de presidente do poderoso fundo de investimento privado KKR (Kohlberg Kravis Roberts)1.

Mudou de organismo, mas tal não aconteceu em relação a alguns dos parceiros de negócio. Se, no caso da Líbia, silenciou o envolvimento da al-Qaida no atentado porque o grupo terrorista era aliado da NATO na operação para destruir o país, na Síria mantiveram-se os laços com a mesma organização criminosa. O KKR, sob a direcção de Petraeus, foi um facilitador fundamental na chamada Operação Madeira de Sicómoro autorizada por Barack Obama e que consistiu numa das maiores canalizações de financiamento e armamento da história destinada a grupos terroristas – al-Qaida e Estado Islâmico incluídos. Ora a título público, como na Líbia, ora a título privado, como na Síria, o general David Petraeus manteve-se fiel ao objectivo de destruir nações através da guerra e de agressões externas conduzidas por mercenários ditos «fundamentalistas islâmicos» – e sempre do lado dos interesses defendidos pela NATO. Não pode, portanto, ser mais recomendável o seu know-how para o Centro de Excelência de Tallin. Onde Petraeus pode agora expandir o seu negócio de cibersegurança através da Europa, via NATO, recorrendo às empresas Optiv e Darktrace, subsidiárias do KKR.

Os feitos do ex-ministro da Defesa holandês não serão tão sonantes, mas afirmam-se prometedores

Koen Gisjbers acumula o lugar no Conselho Consultivo no Centro de Excelência da NATO com o de consultor privado do Ministério holandês da Defesa, que já dirigiu, e ainda com as posições de «ciberconsultor» das empresas Cyber4Board e a britânica CyNation.

Já este ano, o ex-ministro holandês da Defesa juntou-se ainda ao Conselho Consultivo da CybExer Technologies, sociedade com sede na Estónia que vende acções de formação em cibersegurança a empresas privadas e governos de países membros da NATO.

Para que o funcionamento seja mais sinergético, a CybExer e o Centro de Excelência da NATO em Tallin partilham alguns altos quadros, transformando-se assim em mais um exemplo das soluções público-privadas.

Portugal não perde o comboio

Uma vez que o CCDCOE e a sua estrutura prestam serviços aos governos de países da NATO, é importante saber que o executivo de Portugal não foi apanhado desprevenido.

Sob palavras entusiásticas e lúcidas advertências do ministro da Defesa, Dr. Azeredo Lopes, Portugal tornou-se membro do Centro de Excelência de Tallin no dia 24 de Abril deste ano. «Lidamos com ciberameaças diariamente», alertou o ministro. «Ameaças e ataques que são cada vez mais sofisticados e potencialmente mais perigosos, adensando um ambiente de ameaça complexo que encontra na guerra híbrida a sua dimensão mais espectacular», insistiu o Dr. Azeredo Lopes.

O ministro português demonstrou, deste modo, estar à altura das exigências, a todos os níveis, não se esquecendo de enfatizar como a guerra «é espectacular» e o seu carácter «híbrido», tal como é híbrida a função do Centro de Excelência da NATO em Tallin.

O acto de adesão de Portugal, aliás, tem o cuidado de lembrar que já em 2016, na Cimeira de Varsóvia, a NATO declarara o ciberespaço «como um novo domínio operacional, tão relevante como o ar, a terra e o mar».

Faltou enunciar um quinto domínio operacional: o dos negócios. Omissão assisada, pois sabe-se como o segredo é a alma dos ditos: em Tallin como em qualquer outro lugar, sobretudo se for com ambição «de excelência».

  • 1. Henri Kravis e o seu primo George Roberts dirigem a firma Kohlberg Kravis Roberts (KKR) desde 1987, quando Jerome Kohlberg, Jr. se afastou da empresa acusando os seus parceiros de enriquecerem à custa dos investidores. Kravis é um conhecido apoiante e financiador do partido Republicano e das candidaturas de George W. Bush, George H. W. Bush e John McCain. Contribuiu com um milhão de dólares para a festa de inauguração presidencial de Donald Trump. É um dos administradores do poderoso Council on Foreign Relations (CFR) instituição especializada na política externa dos EUA, que conta entre os seus 4900 membros numerosos políticos, secretários de Estado, directores da CIA, banqueiros, advogados, proprietários de meios de comunicação e professores.

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