Foi ministro do Interior e primeiro-ministro francês na presidência do socialista François Hollande. Nunca escondeu as tendências xenófobas, nos discursos e na prática, contra imigrantes, acampamentos de ciganos e guetos urbanos. Como descobriu «que a social-democracia está a morrer», transitou «en marche» para o macronismo, onde não encontrou, porém, a evidência que julga ser-lhe devida. Agora mudou outra vez de ares e candidata-se a presidente da Câmara Municipal de Barcelona, em defesa «da ordem», pela «unidade de Espanha» e patrocinado por círculos patronais nostálgicos do franquismo. Chama-se Manuel Valls, um político verdadeiramente moderno, seguindo os caminhos do neoliberalismo em tempo real. Por isso, um político ambulante – de ideias e de lugares, conforme sopra o vento.
A oito meses das eleições autárquicas em Espanha, o ambiente político catalão ficou ainda mais agitado com o aparecimento em cena do ex-chefe do governo francês, agora apostado em fazer de Barcelona «a capital europeia». Valls redescobriu a terra natal, de onde emigrou pouco depois de ter nascido, em 1962, e regressa agora com este sonho de grandeza inspirado por um «catalanismo constitucionalista», o slogan descoberto pelos criativos do marketing para dar novos tons ao velho espanholismo de Madrid que combate ferreamente o movimento da Catalunha pela independência.
Manuel Valls, porém, só aparentemente é um outsider, um «paraquedista», por muito que as correntes políticas tradicionais da capital catalã aleguem que «Barcelona não é um prémio de consolação para carreiras políticas encalhadas». Têm razão, mas a razão, provavelmente, contará pouco no desfecho desta operação movimentada a dinheiro que se suspeita de onde venha, embora ninguém admita a sua origem.
Do socialismo à extrema-direita
Há indiscutivelmente uma vantagem com que Manuel Valls parte para esta corrida à presidência de Barcelona: enquanto todos os candidatos já conhecidos ou pré-anunciados têm os movimentos financeiros das suas campanhas fiscalizados pelo Tribunal de Contas, e balizados pela Lei de Financiamento dos Partidos, o ex-primeiro ministro e deputado francês até há uma semana está livre desses constrangimentos, investindo livremente na sua propaganda antes de apresentar a plataforma de candidatura e entrar, assim, oficialmente na arena política catalã.
Poder-se-ia admitir que esta campanha informal foi subsidiada pelos rendimentos obtidos na Assembleia Nacional francesa, mas a história torna-se outra, e bem diferente, quando se aprofunda um pouco mais o processo.
Não é segredo que Valls tem politicamente por detrás o partido neoliberal de direita Ciudadanos, ferozmente contra o movimento independentista na Catalunha.
Porém, isso não chegaria para convencer aquele a quem qualificam, nestes tempos de submissão do léxico comum ao tabloidismo, como «a contratação galáctica da política catalã».
«Não quero ser candidato de um só partido», garante Manuel Valls, contrapondo o desejo de ampliar a base política de apoio para uma «plataforma constitucionalista» que, entretanto, vai construindo em contactos com a extrema-direita mais ou menos ligada ao Partido Popular e outros sectores do neofranquismo, tanto em Madrid como em Barcelona.
Em simultâneo, reforça os laços com os grandes empresários e o sector financeiro, que foram decisivos no lançamento da ideia da sua candidatura. O dinheiro chegou primeiro do que a política para tornar possível o aparecimento deste projecto de poder.
«Nostálgicos do franquismo»
Por detrás da ideia e da sua concretização estão de facto, mas não assumidamente, duas entidades através das quais se canalizam fundos disponibilizados pelo poder económico e financeiro para combater a independência da Catalunha: a chamada Sociedade Civil Catalã e o Círculo de Empreendedores. Que contam com a influência lobista desenvolvida entre a direita e a extrema-direita pela Fundação para Análise dos Estudos Sociais, presidida por José Maria Aznar, um neofranquista que ainda é a figura de referência do Partido Popular.
Os contactos iniciais com Manuel Valls partiram da Sociedade Civil Catalã através de Josep Ramon Bosch, seu primeiro presidente e também cofundador de outras organizações que lhe deram origem, todas elas associadas à extrema-direita e defensoras da «identidade hispânica da Catalunha».
Não é segredo para a comunicação social espanhola interessada em investigar «esta grande contratação», que a Sociedade Civil Catalã conduz a «operação Valls». Uma entidade que é, nem mais nem menos, um reduto de grandes empresários, catalães e de toda a Espanha, «nostálgicos do franquismo».
O instrumento para promover a primeira digressão de Manuel Valls por Madrid e pela Catalunha foi o Círculo de Empreendedores, a quem coube emitir a carta destinada à nata dos empresários do país pedindo a contribuição de fundos para a causa, a bem «de um futuro da Catalunha fazendo parte integrante de Espanha».
Iniciativa a que Manuel Valls correspondeu multiplicando intervenções, discursos e entrevistas em defesa «da ordem constitucional» e da «unidade de Espanha».
Restam poucas ou nenhumas dúvidas: a recuperação do primeiro-ministro socialista francês para fazer dele presidente da Câmara Municipal de Barcelona é uma operação conduzida pelo poder financeiro espanhol tendo como instrumento a direita e extrema-direita políticas; e que pretende travar o passo ao movimento independentista catalão cuidando dos interesses hegemónicos sobre as nações e os povos de Espanha que têm os seus centros de poder em Madrid.
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