O relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Banif, ao contrário de outras, aponta responsáveis políticos. Esta é uma das principais novidades?
Sim. Por exemplo, no caso do BES, o PCP votou contra, precisamente porque o relatório pretendia branquear o sistema capitalista e o sistema financeiro, sacrificando uma pessoa, no caso Ricardo Salgado.
Eles tentaram fazer crer que, sacrificando aquele, poderiam manter intacto e impoluto todo o restante, e claro que, do ponto de vista político, tentaram não envolver ninguém, apesar de o PCP ter deixado claro na sua declaração de voto que os sucessivos governos foram responsáveis, também, por uma boa parte do que se passou no BES.
Essa diferença foi uma das motivações do sentido de voto do PCP?
Este relatório marca a diferença, o que torna compreensível o voto do PCP também ser tão diferente. O relatório descreve os factos, o que até é mais ou menos habitual no que se costuma fazer aqui em comissões de inquérito, mas também tira conclusões sobre os factos e sobre responsabilidades políticas em que é taxativo a identificar.
É claro que a administração do Banif teve problemas e responsabilidades sobre o que se passou, mas não se pode ficar por aí, caso contrário acabamos por isentar sempre de culpa o enquadramento político, os governos, os supervisores. Neste relatório isso não foi a opção do relator.
Identifica claramente a administração do banco, sim, mas também a incapacidade, a inoperância e, por vezes, as opções erradas do Banco de Portugal, e as opções, sempre erradas, do governo PSD/CDS, que, ao mesmo tempo que andava a assaltar os portugueses para cumprir os requisitos do pacto que assinou com a troika, estava a deitar dinheiro para cima de um banco sem pedir qualquer contrapartida.
Isto está muito claro no relatório. Os responsáveis, quer do ponto de vista pessoal, quer do ponto de vista político e partidário, estão muito bem identificados, e isso também faz com que se possa dizer que esse é um salto neste relatório.
«Isto não são os problemas dos bancos, isto é o funcionamento dos bancos.»
Nós estamos habituados a ver o PS e o PSD, muitas vezes, protegerem-se um ao outro, cada um a esconder as responsabilidades do outro. Neste caso concreto, acho que se pode dizer que isso não se verificou. Apesar de o relator ser um deputado do PS, fez um texto que não esconde responsabilidades.
E em que aspectos o relatório podia ter ido mais longe?
Temos diferenças em relação à forma como o texto está escrito, porque olha para o Banif como se fosse um caso isolado. Descreve muito bem, mesmo muito bem, os problemas todos do Banif. Mas depois não faz aquela ponte que para nós é essencial: este não é um problema de má gestão dos bancos, é um problema da natureza da banca privada e do sistema financeiro no capitalismo.
Isto não são os problemas dos bancos, isto é o funcionamento dos bancos. Mesmo que o Estado quisesse, e sabemos que o Estado não quer porque está cativo desses interesses da banca privada, não é possível perceber onde estão os movimentos que rebentam com os bancos não tendo qualquer mecanismo de controlo público.
O anterior governo é responsável pelo que não fez para evitar a situação a que o Banif chegou?
Essa responsabilidade passa pelo que não fez, por negligência ou falta de vontade, mas também há o que fez. O governo tinha uma garantia de 1100 milhões de euros no banco para dar cobertura à dívida da Região Autónoma da Madeira, e percebe que o banco está falido. E ainda assim dá 1100 milhões de euros em dinheiro.
Nesse momento o Banco de Portugal diz: «Muito bem, nós achamos que se pode meter o dinheiro no banco desde que o Estado assuma o controlo do banco.» E é engraçado que é o Banco de Portugal que diz que deve ser assumido o controlo do banco, todo. O governo opta por não o fazer, e decide dar 1100 milhões de euros e deixar a mesma equipa de administração à frente do banco.
É uma coisa gritante. O governo já tinha dado uma garantia de 1100 milhões de euros; a determinada altura o governo percebe que essa garantia estava dada a um banco que nem sequer tinha condições para estar aberto, a funcionar, e ainda assim mete lá mais 1100 milhões de euros. E o governo não exige nada.
Ou seja, temos uma administração que leva o banco à falência. é-lhes dada uma garantia de 1100 milhões de euros, e mesmo assim continua a perder dinheiro. Depois, são-lhes dados mais 1100 milhões de euros em dinheiro, e são deixadas as mesmas pessoas na administração, os mesmos accionistas.
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Com a agravente que o Estado passa a ser detentor de 92% do capital e nunca toma nenhuma decisão. «O capital é nosso mas deixamos os outros 8% de accionistas a decidir sobre a instituição como se continuasse a ser deles». Os accionistas, que só tinham 8% da instituição, continuaram a usá-la como se fosse sua, mas naquele momento ela já era 92% nossa. E isto foi tudo uma opção do governo! O governo optou por isto!
Há cartas em que o Banco de Portugal se corresponde com Vítor Gaspar, e em que fica claro que foi o governo que afastou a hipótese de nacionalização ou de controlo por via da entrada no capital. O governo não ponderou a nacionalização, não ponderou, sequer, a nomeação de administradores executivos, de uma nova administração, deixou aquilo tal e qual.
Qual foi, então, a estratégia do governo?
Se o Estado dá uma ajuda pública a um banco, é obrigatório que o banco diminua o seu negócio, está nas regras europeias, tem de se contrair. Mas os accionistas do banco não queriam, continuavam a ter uma filial no Brasil de onde tiravam milhões de euros. Queriam usar o dinheiro público para ter uma estratégia expansionista do banco, mesmo que estivesse falido, porque continuavam a tirar muito dinheiro.
O que é grave aqui é que o governo tenha alinhado nessa estratégia. O governo, durante três anos, recusou-se a entregar à Comissão Europeia (CE) um plano que considerasse todas essas regras. Tentou por tudo contrariar o plano de Bruxelas, mas numa perspectiva estapafúrdia. Quando o governo percebe que Bruxelas não aceita a estratégia, adia o problema.
Ou seja, numa primeira fase o governo tentou defender o interesse do privado, do Banif; quando percebeu que aquilo não era possível, andou a dilatar as respostas ao longo de três anos, até que foi o desfecho que se conhece. Neste ponto, o banco tinha de ser resolvido, não havia hipótese à luz das regras europeias. Há quem diga que foi a notícia da TVI, mas o banco tinha de ser resolvido porque não tinha contas, não tinha capitais próprios. O banco não tinha dinheiro, estava falido.
Foram três anos a esconder o problema dos portugueses. O que eles faziam com Bruxelas só sabemos agora, porque conhecemos as cartas. E o que mostram é que andaram a atrasar a bomba-relógio para que ela explodisse depois das eleições. E isso até está escrito em cartas da Direcção Geral da Concorrência (DG Comp) da CE, onde dizem compreender que Portugal tem de aproveitar o bom momento pela saída limpa e permitem mais um mês ou dois para resolver o problema.
Tinha rebentado o BES, andaram a dizer que a banca já estava boa, e ficava-lhes muito mal ter de resolver o Banif, ainda por cima um banco tão pequeno com um custo tão grande. O Banif custou 4,4 mil milhões de euros!
«Primeiro o governo tentou integrar o Banif na Caixa Geral de Depósitos (CGD), o que para o PCP seria uma solução melhor do que a solução encontrada.»
Em que medida o processo foi determinado pelas regras europeias?
As regras europeias foram lesivas do nosso interesse. Mas nós colocamos a questão ainda antes: a capitalização de um banco não devia sujeitar um Estado a regras de concorrência que não obedeçam a necessidades do próprio Estado. Repara que a DG Comp vê a coisa numa perspectiva da Europa dos grandes bancos e não tem em conta a estabilidade do sistema financeiro de cada um dos Estados.
Podemos chegar à conclusão de que pode ser necessário entrar no capital de um determinado banco, mas que não o queremos prejudicar por isso, assumi-lo como um activo estratégico. Essa opção está limitada pelas regras da UE. E essas regras começam logo por impor que um banco deve fechar-se, deve retrair-se. Aí começa a divergência entra a regra europeia e o interesse nacional. O Estado acaba de colocar 1100 milhões de euros, e a UE diz que o banco onde o Estado investiu muito dinheiro tem de contrair a sua actividade.
Mas ao longo do restante processo, e ao longo da fase final, isto foi conduzido para que o Banif fosse extinto, liquidado, e que o negócio passase para outra instituição. Em 2008, quando a crise nos EUA rebentou, costumava dizer-se que não podia haver bancos demasiado grandes para falir – os too big to fail – e que as instituições bancárias deviam ser mais pequenas. Agora dizem-nos exactamente o contrário, que têm de ter massa crítica, e no caso do Banif foi a própria DG Comp a impor essa opção.
Como é que as instituições europeias conduziram o desfecho do processo do Banif?
Primeiro o governo tentou integrar o Banif na Caixa Geral de Depósitos (CGD), o que para o PCP seria uma solução melhor do que a solução encontrada. O que importava era que o negócio do Banif ficasse na esfera pública, fosse na CGD, fosse através da criação de uma instituição de crédito paralela. Porque já tínhamos pago, aliás, pago acima do seu valor! Essa opção foi impedida pela CE, principalmente porque a CGD tinha sido alvo de ajudas públicas, portanto também tinha de se contrair, tinha uma coisa que se chama uma aquisition ban – a impossibilidade de comprar negócios.
A Caixa tinha sido alvo de ajudas públicas precisamente porque o anterior governo do PSD/CDS, em vez de se comportar como accionista do banco, porque é accionista único, emprestou dinheiro à Caixa. E como emprestou dinheiro à CGD, em vez de capitalizar, isso é uma ajuda pública.
É lançado um processo de venda e há quatro ofertas, isto num momento em que tinha havido a notícia da TVI que fez com que o banco começasse a perder depósitos. De 18 para 19 de Dezembro, o Banco Central Europeu (BCE) decide retirar o estatuto de contraparte, ou seja, deixava de reconhecer o Banif como um banco. Então, disseram ao Estado português que a CGD não pode, duas das ofertas, a JC Flowers e a Apollo, não podem porque não têm licença bancária em Portugal.
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Sobrava o Banco Popular e o Santander. A DG Comp impôs um conjunto de condições e o Banco Popular não teve interesse. O Santander vai a uma reunião com a DG Comp, que, às tantas, lhes diz: vocês vão receber 3,3 mil milhões de euros do Estado português, portanto vão ficar sujeitos às tais sanções por ajuda pública. Ao que o homem do Santander responde: «Então vamos já embora».
«E nós temos uma ilusão, achamos que o supervisor serve para defender o interesse público junto da banca, mas não, o supervisor serve para defender a banca junto do interesse público.»
A DG Comp recua logo e aceita que o Santander fique com o banco e sem sofrer sanções. Para a CGD não foi possível contornar qualquer sanção. Naquele momento, o Santander recebe 3,3 mil milhões de euros de ajudas públicas e comprou aquele banco por 150 milhões. Recebeu muito dinheiro para integrar o negócio do Banif e, quando foi para activar as sanções, desapareceram.
O processo foi conduzido para entregar o Banif ao Santander, que era uma coisa que a CE queria há muito, que o Banif desaparecesse, porque era uma instituição muito pequenina, e integrasse um banco grande. A tendência vai ser que os grandes bancos constituam uma espécie de consórcios de bancos europeus, um oligopólio dos grandes bancos europeus. E isso vai levar a uma situação de quatro ou cinco megabancos na Europa. Aliás, é um situação que já começa a verificar-se.
Chegando a Dezembro de 2015, quais eram as alternativas à aplicação da medida de resolução e a venda ao Santarder?
O ideal teria sido colocar essa pergunta antes, tínhamos mais opções em Janeiro de 2013: em vez de se ter feito aquela capitalização, tinha-se tomado o controlo público do banco. Não se fez isso.
Tendo em conta os crimes económicos, financeiros e políticos que o governo anterior já tinha cometido nessa altura, a situação era muito complexa. Para um governo que quisesse aceitar as regras da UE não havia outra solução que não fosse escolher entre o Banco Popular e o Santander. Porque as regras impostas obrigavam a que só aqueles dois bancos estivessem em condições de se apresentar a concurso.
Mas isto é aceitar as regras impostas pela UE. Um governo que tivesse a opção de confrontar a UE podia optar por um conjunto de vastas medidas. Podia liquidar o banco e integrar o seu negócio na CGD. Podia pagar o que pagou pelo banco, mantê-lo em funcionamento, nomear uma nova administração e torná-lo numa nova entidade pública, ainda que fosse só durante algum tempo, até que houvesse um futuro melhor. Um governo que não estivesse, por opção, vinculado a cumprir aquelas regras poderia ter tomado estas posições.
Mesmo num contexto dentro do euro, julgo eu, havia espaço para um confronto mais intenso. O governo não foi por aí: assim que a DG Comp impôs que o Banif não fosse para a CGD, o governo cedeu em tudo. Ainda insistiu uma vez, mas foi numa carta, e depois acabou por cumprir tudo o que a UE mandou.
O problema é que, se isso fosse feito contra as regras da UE, esse banco deixava de ser uma contraparte do euro-sistema, não tinha possibilidade de aceder a políticas monetárias, não podia dar moeda. Ficava um banco congelado.
O que está aqui em causa são os grandes bancos. Porque é que o Banif teve que levar 3,3 mil milhões de euros de injecção de capital? Porque devia esse dinheiro a alguém. A quem? A maior parte dele a grandes bancos, como o Deutsche Bank, e outros que hoje estão pelas ruas da amargura. Então, o Estado entra com o dinheiro para o Deutsche receber o seu. Se aceitamos as regras da UE e do euro, este fluxo de capital, estes pagamentos têm de ser feitos.
As pessoas não discutem os bancos todos os dias, nem se apercebem que o euro é tantas coisas. Pensamos que é só a moeda, mas o euro é isto tudo, tem a ver com a emissão da moeda que é feita pelos bancos.
O supervisor – o Banco de Portugal (BdP) – é ciclicamente visado no apuramento de responsabilidades pelos problemas no sistema financeiro. O problema é das regras, de incompetência ou está noutras razões?
O problema tem várias camadas. A primeira é a arquitectura do sistema, o que é o supervisor e para que existe. E nós temos uma ilusão, achamos que o supervisor serve para defender o interesse público junto da banca, mas não, o supervisor serve para defender a banca junto do interesse público. O BdP não é a mão dos portugueses e do interesse público dentro dos bancos, é a mão dos bancos junto dos portugueses.
O que o supervisor faz é, na prática, apresentar-se como um biombo que não deixa ver o que se passa dentro dos bancos e que, para fora, dá sempre a imagem de que está tudo bem. Não há um caso de um supervisor que tenha vindo dizer que há problemas num banco.
Se formos a pensar, um supervisor nunca pode fazer isso. No dia em que o supervisor viesse dizer que havia problemas no Banif, as pessoas iam tirar de lá o dinheiro e os problemas agravavam-se. É a natureza do sistema que faz com que o supervisor seja um farsa, porque não pode fazer outra coisa que não fazer o que faz, mas diz-nos que faz outra, que tudo está em ordem e que tudo está supervisionado. É logo aqui um embuste.
Mas as pessoas que estão à frente dos governos e que interagem com o BdP alinham neste papel. O governador acaba por ser um rosto dos banqueiros. E também há incompetência e regras que são insuficientes.
Mas a solução passa por impor mais regras?
Por mais regras que fizéssemos e que melhorássemos, ia ser sempre impossível ao BdP, mesmo que tivesse um governador que quisesse mesmo resolver os problemas. Porque o BdP não consegue estar em todo o lado, não consegue estar num escritório de um banco quando alguém carrega na tecla enter para mandar 5 milhões de euros para um offshore. Mesmo que as regras fossem muito apertadas, seria impossível, tendo a banca nas mãos dos privados.
Não é o caso. As regras são insuficientes, os governadores, em geral, são negligentes, ou mesmo cúmplices com o que se passa dentro da banca.
Mas o principal problema, a principal camada, está no sistema que está feito para funcionar assim. Não se pode dizer que o BdP não funcionou, porque funcionou. Fez as cartas, fez as auditorias. Porque não tem outra opção, mesmo que o governador do BdP fosse mesmo muito bom e quisesse mesmo resolver problemas, se o banqueiro lhe disser «eu não resolvo», o que é que ele pode fazer?
No caso do Ricardo Salgado não puderam fazer nada. Detectaram os problemas, avisaram-no e ele, pura e simplesmente, não resolveu os problemas. E o que é que o BdP podia fazer? Se o mandasse prender ou tirar da administração, e está na lei que o podem fazer, o que acontecia? Se tirasses o principal banqueiro, o presidente do Conselho de Administração do BES, o que acontecia? Muitos dos milhares de milhões de euros que circulam em depósitos, em crédito, em negócios iam sair, porque as pessoas iam perder confiança naquela instituição.
«Tudo isto tem riscos e custos enormes, porque nos recusamos a dizer que nada justifica o privilégio de alguém ser dono de um banco»
O governador, mesmo que queira, por força da sua missão, que é a estabilidade do sistema, não pode tomar medidas drásticas. É sempre uma falsa autoridade. O único instrumento que tem é dizer que está tudo bem quando temos a banca toda destruída por dentro, e continuamos a ter; o facto de termos resolvido o BES e o Banif não resolveu o problema da banca.
Então o problema tem um carácter sistémico?
Há um conjunto de deputados que se recusam a reconhecer que não é possível decretar que a banca funciona bem, não se pode fazer uma lei a dizer isso, isso não existe. Temos um grande tesouro público, que é a moeda e o crédito, e decidimos privatizá-lo, que é a banca privada. Porque decidimos privatizá-los, tivemos de contratar uma polícia, que é o BdP, a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e um conjunto de outras entidades. Como não têm meios próprios, usam empresas privadas, que são os auditores externos, para ver se está tudo bem dentro dos bancos.
Todo este sistema custa muito dinheiro e é uma farsa. Porque estas empresas privadas dependem dos bancos. Não podem ser muito rigorosas com os bancos, porque, caso contrário, os bancos deixam de as contratar. Na verdade, o BdP não faz auditorias, vê as auditorias feitas por estas empresas.
Isto é um sistema muito perverso. Tudo isto tem riscos e custos enormes, porque nos recusamos a dizer que nada justifica o privilégio de alguém ser dono de um banco. É óbvio que ser público não é suficiente, se um banco público for gerido como um banco privado ou for gerido aos interesses de um partido ou outro partido, isso por si só não garante que os bancos estão a ser utilizados ao serviço do interesse do País, mas para dar os passos necessários tem de ser público.
São os próprios donos dos bancos a protagonizar esses riscos?
Qual é o objectivo de qualquer privado, de qualquer capitalista? É render, retirar dividendos, retirar lucro. Se um banco vende, este ano, um crédito a 40 anos, o accionista retira já o seu lucro. Parte do pressuposto de que toda a gente a quem emprestou dinheiro vai pagar. Mas, se não pagarem, o lucro que retirou naquele ano não existe. Mas ele já foi lá retirar o dele.
Tudo isto se agrava quando dão empréstimos a si próprios. Quando dão crédito a uma empresa e essa empresa não paga, e entretanto já retiraram o lucro, é um problema. Mas quando dão empréstimos às suas empresas ou a si próprios, e depois não pagam, é um novelo de dívida. Estão sempre a tirar capital do banco e a deixar uma dívida algures.
São essas dívidas que depois rebentam nas nossas mãos. Enquanto acharmos que podemos ter pessoas que não obedecem a nenhum controlo, que só têm como estratégia retirar dividendos a gerirem coisas tão importantes como bancos, porque não queremos reconhecer que a banca é uma coisa demasiado séria para estar nas mãos de indivíduos, banqueiros, da própria iniciativa privada, isso limita-nos logo as opções. E as evidências mostram que, hoje em dia, até pela experiência em Portugal, mas não só, a única forma de tomarmos as medidas que se impõe é com um banco público.
Por isso o PCP propõe o controlo público da banca?
Quando o PS, o PSD ou o CDS nos perguntam «a banca pública porquê?», temos muitos argumentos, mais que não seja porque a privada tem falhado tanto e tem-nos custado tanto dinheiro. Mas o que nos esquecemos é de fazer o exercício inverso: expliquem-nos lá porque é que a banca deve ser privada. O que se ganha com isso?
Com a banca pública sabemos o que podemos ganhar, que podemos ter estas vantagens. Agora expliquem-nos lá o que ganhamos com a banca privada, que eu não estou a perceber. É um exercício que nunca fazem, não querem fazer. Fingem não compreender as virtudes da banca pública, mas não são capazes de defender as virtudes da banca privada. Porque, de facto, temos pago os bancos todos. E qual foi a grande vantagem de ter tido, durante os últimos anos, a banca privada?
Pelo contrário, o País financiou mais a economia quando a banca era pública. Eram vários bancos públicos que concorriam entre si, o que mostra que a imagem que existe de que era tudo muito monolítico não corresponde à realidade. A nacionalização da banca em Portugal, em 1975, deu origem a um sistema bancário com várias instituições, cada uma virada para o seu negócios, umas mais para as pequenas e médias empresas, outras mais para o retalho, que competiam entre si e eram todas públicas. O maior crescimento sustentado do BES foi enquanto era um banco público; todos os bancos cresceram muito. Mas, mais que os bancos terem crescido, cresceu o financiamento à economia. Os bancos, naquela altura, financiavam grandes actividades, em vez guardarem o crédito só para os seus amigos.
Depois disso, com a privatização da banca, voltámos a limitar o crédito à economia. Agora estamos numa fase muito mais grave. Já não estamos só a não financiar a economia: porque os privados consomem o capital em vez de o dar às pequenas e médias empresas, estamos a pagar os buracos que as opções deles criaram. Não só estamos a limitar o financiamento à economia, como ainda temos de tirar do Estado para pôr nos bancos porque nos últimos anos andaram a distribuir dinheiro a quem lhes apeteceu.
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Na sua declaração de voto, o PCP afirma não considerar suficientes as conclusões e recomendações. O que falta?
Nada do que lá está, está mal: apertar a supervisão, clarificar e tornar mais transparentes as decisões do BCE e do BdP, tentar criar um quadro europeu mais favorável à negociação entre os estados. Há um conjunto de coisas que, em si mesmo, não representam problemas. Mas são falsas soluções.
Nós acrescentámos uma recomendação, que foi integrada no relatório, que é o BdP fazer as suas próprias auditorias. Já o tínhamos proposto num projecto de lei que foi chumbado pelo PS, pelo PSD e pelo CDS. Veremos agora; pode ser que agora, que faz parte das conclusões da comissão de inquérito, se dê esse passo. Mas tudo isso são recomendações que ficam aquém da resposta sistémica.
Nós temos uma banca que se comporta como um distribuidor de capital aos grandes grupos económicos. Depois temos um polícia falso, que diz que vê tudo para todos se sentirem seguros, senão vamos todos tirar o dinheiro dos bancos e os capitalistas já não podem usá-lo.
Antigamente, nos filmes, havia uns tipos com máscaras que iam assaltar os bancos. Agora não, são os banqueiros que estão lá dentro e que te estão a assaltar. E tens um polícia à porta a dizer que está tudo bem lá dentro, mas não está, o teu dinheiro nem sequer está lá dentro. Está a ser usado para muitos fins que nem fazemos ideia: para ir para offshores, para dar a outros bancos, a grupos económicos, aos accionistas. Podes melhorar a farda do polícia, mas o papel dele vai ser sempre dizer que está tudo bem.
É pior haver mais regras de supervisão? Não, não é pior, votamos a favor, mas são respostas muito curtas. Por exemplo, se for obrigatório descrever as relações de um banco com um offshore, isso é mau? Não, é melhor do que temos hoje. Mas o necessário é proibir as relações com os offshore. Senão haverá sempre maneiras de o negócio continuar.
A resposta precisa de ser mais profunda?
Podemos ter um BdP muito capaz, mas nunca vai conseguir impedir os problemas de acontecerem. Por isso, a grande solução para isto tudo está, claramente, num controlo público da banca. E não tem de ser a nacionalização imediata da banca toda. Se houver representantes do Estado ou do BdP nos conselhos de administração ou nos conselhos de crédito dos bancos, já é uma espécie de controlo público, há alguém que vê por que se deu o dinheiro a essa pessoa, como vai ser gerido o lucro gerado.
Quando dizemos controlo publico, deve ser assumida a necessidade de tomar medidas para que os privados não possam gerir a banca, o crédito e a moeda única e exclusivamente a seu favor. Porque são demasiado importantes para a economia. Este controlo público pode passar pela presença do Estado nas instituições, pode passar por criar um novo quadro legal, que é o Estado poder dizer o que é que a banca financia. O Estado pode assumir que, a partir de agora, cria as regras para o financiamento à economia. E diz que vai haver mais financiamento na indústria, ou na agricultura, ou nas pescas. Isso só não se faz se não se quiser. Ainda agora, os fundos comunitários para a banca foram todos para um conjunto de actividade, com o plano Juncker.
Por isso, afirmamos que o controlo público da banca, o resgate da soberania nacional e a preparação do país para a saída do euro são políticas que, juntamente com a renegociação da dívida, noutro plano, têm de andar de mão dada, porque as regras que a UE impõe são o capitalismo. Aquilo chama-se União Europeia mas podia chamar-se «Tratado Internacional de Capitalismo».
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