«Hoje em dia as pessoas já não respeitam nada. Dantes, punham-se no pedestal, a virtude, a honra e a lei… A corrupção está a minar este país. A virtude, a honra e a lei esfumaram-se das nossas vidas».
Quem pronunciou estas palavras impregnadas de seriedade e revolta, foi o conhecido gangster Al Capone, em entrevista à revista americana Liberty, em 1931, dias antes de ser preso.
A citação abre o livro de Eduardo Galeano De pernas para o ar – a escola do mundo às avessas (Editorial Caminho, 2002), e mostra como as palavras e o engano são fáceis quando não se ligam à realidade.
Ouvimos repetidamente denúncias como esta sobre o que se passa no nosso país.
Acusações contra a falta de honra e de valores explodiram a propósito da megalómana verba de mais de mil milhões de euros emprestados, sem garantias seguras, pela banca (CGD, BES e BCP) a Joe Berardo, personagem que parece saída de uma peça de teatro, protótipo de «chico-esperto» que alcançou o sonho americano do sucesso.
«Para Galeano, esta história seria, seguramente, uma nova mostra de que o mundo parece estar às avessas. Até porque os principais responsáveis por tão espantosa queima de dinheiro (banqueiros, supervisores, governantes, media e companhia) são alguns dos que mais enrouquecem a protestar contra tal escândalo, reproduzindo a seriedade moral da denúncia de Al Capone»
Ao monumental empréstimo que lhe foi concedido para especular, Joe junta as rocambolescas habilidades dos seus advogados para não cumprir o pagamento da dívida, afirmando não ter nada em seu nome.
É, no entanto, o (des)assumido dono da colecção de arte que orgulhosamente ostenta o seu nome, «emprestada» ao Estado para ser mostrada aos turistas que visitam uma das montras douradas da nossa capital, o Centro Cultural de Belém.
Para Galeano, esta história seria, seguramente, uma nova mostra de que o mundo parece estar às avessas.
Até porque, os principais responsáveis por tão espantosa queima de dinheiro (banqueiros, supervisores, governantes, media e companhia), são alguns dos que mais enrouquecem a protestar contra tal escândalo, reproduzindo a seriedade moral da denúncia de Al Capone.
Tudo isto após se ter recusado, aos professores, o reconhecimento da contagem do tempo que trabalharam, com o estafado argumento de que «não há dinheiro para tudo», rosnando contra os exageros «corporativos» porque já são uns privilegiados, acrescentando a ameaça de que, caso os outros partidos votassem o pagamento, o governo, num gesto de esponjosa coerência, iria apresentar a demissão.
Assim retomou o PS o discurso da troika dos cortes nos direitos e salários como única forma de ter as «contas certas», o alfa e o ómega de fazer o país feliz, à custa de não ter as contas certas com os portugueses que trabalham, alvos das piores tropelias.
De resto, nem sequer deixou de repetir a violenta verborreia do passado «austeritário», procurando atirar os cidadãos contra os professores, insultando quem devia prestigiar, culpando os que defendem os seus direitos pelas piores desgraças da Nação.
«Mas não serão precisamente esses os valores – de que é na especulação e não no trabalho produtivo que se ganha dinheiro – que o «sistema» transmite às novas gerações?»
Ora a ministra da Educação da Finlândia, país tão celebrado pelo seu sistema educativo, afirmou em Março do ano passado à RTP que «os professores são a chave do sucesso da educação», sublinhando «o respeito e a confiança que a sociedade finlandesa deposita numa classe docente bem preparada», num país em que, espante-se, não há avaliações dos docentes. «Não queremos ter esse tipo de controlo feito pelo governo ou pelo ministério. Os nossos professores são profissionais, escolhem os seus próprios materiais pedagógicos e sabemos que escolhem os melhores métodos.»
Parece que aqui também voltamos a andar ao contrário, porque, para o governo e os velhos amigos do «arco do poder» (PSD e CDS), para além de outros inaceitáveis privilégios, os professores ainda têm o descaramento de recusarem ser avaliados (uma descarada mentira), coisa que, ao contrário da Finlândia, consideram ser a receita essencial para o êxito nas escolas.
«Há cento e trinta anos, depois de visitar o país das maravilhas, Alice meteu-se no espelho para ver o mundo às avessas. Se Alice renascesse nos nossos dias, não precisaria de atravessar nenhum espelho: bastar-lhe-ia pôr-se à janela.», diz Galeano.
A crise financeira e o maior conhecimento dos buracos da banca nacional, levou a que os partidos do «centrão» dos interesses – que os foram tapando com o dinheiro dos contribuintes –, propagandeassem um invulgar paradoxo, como se o mundo fosse visto pelo espelho de Alice: que as enormes verbas que o Estado gasta para salvar os bancos e os seus accionistas (BPN, BPP, BCP, BES, Banif…), a que se acrescentam outros subsídios, perdões e benefícios fiscais, nada têm a ver com o que diz faltar para o «Estado Social» dos salários, direitos e pensões. Que estes pertencem a um outro campeonato. Que pôr no mesmo plano o que se gasta na banca e o que se corta nos serviços públicos, é populismo, ignorância, demagogia. Que too big to fail, como dizem os americanos. A grande finança pode fazer o que lhe der na gana que estará sempre a salvo. O «risco moral» e os sacrifícios só existem para os outros.
«[Francisco, estudante de economia]: “com alavancagem, apenas com cem euros numa conta, consigo investir dez mil”. Ora cá temos o belo espírito de Joe Berardo que, apesar de não ter frequentado a Faculdade de Economia do Porto ou qualquer outra, nem ter recebido lições de «responsabilidade social» do Banco Carregosa, cedo aprendeu as artes do ofício»
Neste ambiente de falta de dinheiro para uns e de esbanjamento para outros, Joe Berardo é, ao mesmo tempo, um especulador vindo do nada e mero instrumento do sistema que outros, que voam mais alto, controlam. Um culpado cúmplice que agora serve de bode expiatório por ser o elo mais fraco, instrumento menos hábil e arrogante, acusado pelos que lhe deram poder e comendas para o fazerem jogar o seu jogo.
Cereja em cima do bolo, depois do empréstimo que fez sumir os mil milhões de euros nos enviesados jogos do assalto ao BCP, o Estado ainda concedeu a Joe, só nos três últimos anos e segundo contas feitas pelo Expresso, mais de 46 milhões em benefícios ficais.
«A corrupção está a minar este país. A virtude, a honra e a lei esfumaram-se das nossas vidas», como dizia Al Capone. Mas não serão precisamente esses os valores – de que é na especulação e não no trabalho produtivo que se ganha dinheiro – que o «sistema» transmite às novas gerações?
A especulação para a jovem geração
O Público do passado dia 19 de Maio publicou um extenso artigo de duas páginas, da autoria de Pedro Valente Lima, intitulado «Jovens atraídos para investir em cambial com empurrão da banca».
Informa-nos o autor que «a falta de regulação na negociação e a atracção por dinheiro aparentemente fácil de obter estão a abrir as portas não só a perdas, mas também a esquemas piramidais».
Quer isto dizer, para os menos letrados em economês, que os «bancos e corretoras realizam formações e competições nos estabelecimentos de ensino superior numa óptica de educação e literacia financeira», mas estas constituem um estímulo para os jovens investirem dinheiro em «mercados não regulados, como o Forex (abreviatura de Foreign Exchange)», um «mercado financeiro descentralizado dedicado a transacções com o preço das moedas» (dólares, euros, yens e outras).
«Mas é realmente isso que esperamos das gerações futuras? Gestores e cidadãos que se dedicam à especulação, fazendo o «milagre» de multiplicar o dinheiro sem nada ser produzido?»
Nuno Machado, 20 anos, estudante da Faculdade de Economia da Universidade do Porto e participante nos jogos de simulação, diz que o Forex «é um mercado permanentemente activo» com «grandes subidas e descidas em curtos espaços de tempo (…) que anima mais os jovens, é mais frenético».
Nuno, como os colegas Francisco Torre e Carla Santos, diz que há uma curiosidade crescente dos jovens por este tipo de trading, nomeadamente na Faculdade, onde são «incutidas novas formas» de valorizar o capital: «principalmente no curto prazo, há muitos estudantes de economia que, por exemplo, pegam em algum dinheiro que têm de lado e começam a investir no Forex».
Poder-se-á pensar que sempre houve, na juventude quem sinta uma atração pelo jogo e que, sendo estudantes de Economia, preferem arriscar na Bolsa, convencidos que saem sempre a ganhar.
A coisa, no entanto, parece agravar-se quando o Banco Carregosa, que apoia os tais jogos de simulação, assume o papel de estar a cumprir «uma responsabilidade social».
O Director de Negociação Electrónica, João Queiroz, fala em «dar ferramentas e armas aos jovens que poderão utilizar no futuro», face à cada vez maior adesão dos jovens estudantes de Finanças, Economia ou Gestão a este mercado, como refere o autor do artigo, que confirmou o facto junto do Banco BIG e do Montepio.
Esclarece também que «os utilizadores podem ainda recorrer a uma alavancagem concedida por bancos e corretoras».
«E Francisco enfatiza essa opção: com alavancagem, apenas com cem euros numa conta, consigo investir dez mil».
Ora cá temos o belo espírito de Joe Berardo que, apesar de não ter frequentado a Faculdade de Economia do Porto ou qualquer outra, nem ter recebido lições de «responsabilidade social» do Banco Carregosa, cedo aprendeu as artes do ofício.
Claro que o director-adjunto do Montepio, deixa um aviso cheio de prudência e palavras redondas: «a alavancagem pode proporcionar acontecimentos pós-decisão de investimento, contrários às pretensões do investidor.»
Em habilidade linguística, o director-adjunto do Montepio podia ser mais um advogado de Joe. Porque o que quer dizer é simples: em vez de enriquecer, o jovem e naif «investidor» tem grandes probabilidades de ficar de tanga e a dever uma pipa de massa.
Francisco Torre concorda, mas, para o estudante, «a questão que está a acontecer em Portugal é haver pessoas que não sabem nada daquilo. Acaba por não ser um investimento, mas uma aposta, como meter dinheiro no Placard ou no casino».
O que é preciso é conhecer o «mercado», para o futuro economista. Mas como compreender os experientes gestores que levaram o banco Lehman-Brothers à falência, ou estrelas cadentes como Bernard Madoff (rapidamente condenado pela justiça norte-americana que deixou livres os grandes banqueiros responsáveis pela crise) ou Joe Berardo a quem os bancos «alavancaram» até ao absurdo deixando um rasto de gigantescas dívidas?
Na realidade, existe um alargado consenso que o «mercado» é especulativo, aleatório, complexo e nada transparente.
«Assim se cria a dívida pública e deixa de haver dinheiro para «utopias gastadoras» como o «Estado Social» ou o reconhecimento dos direitos dos professores e de outros trabalhadores. Esses, como dizia um conhecido corretor da Bolsa, para ganharem alguma coisa, sujeitam-se a tudo. Até a trabalhar…»
Como se viu na crise, há inúmeras transacções com lucros imaginários em que ninguém sabe o que compra e vende, as agências de rating falseiam as avaliações e os grandes interesses fabricam um jogo viciado apostando frequentemente em dois campos opostos, como fez o navio almirante da pirataria financeira, Goldman-Sachs, que recebeu o «nosso» Durão Barroso (acabado de sair da Comissão Europeia) na sua ponte de comando.
Mas é realmente isso que esperamos das gerações futuras? Gestores e cidadãos que se dedicam à especulação, fazendo o «milagre» de multiplicar o dinheiro sem nada ser produzido? E se conseguem adivinhar o futuro, porque não lhes sairá a todos o grande prémio do Euromilhões?
Antes de ser uma entrada para a fortuna fácil, o Forex (como outras plataformas semelhantes) é, ao que parece e segundo afirma o próprio jornalista, uma porta aberta a fraudes, referindo que nos últimos meses têm-se levantado suspeitas acerca de um novo esquema em pirâmide em Portugal. Uma nova «Dona Branca»? O velho «esquema de Ponzi»?
Nenhuma inovação. A história repete-se. Só que no caso dos estudantes «alavancados» que tudo perdem e ficam a dever aos bancos, o Estado não lhes vai cobrir os buracos nas contas. Irá cobrir os da banca com o dinheiro dos contribuintes. Para ela não há risco. O Estado ficará com as dívidas e deixará o que é bom para os grandes accionistas privados.
Assim se cria a dívida pública e deixa de haver dinheiro para «utopias gastadoras» como o «Estado Social» ou o reconhecimento dos direitos dos professores e de outros trabalhadores. Esses, como dizia um conhecido corretor da Bolsa, para ganharem alguma coisa, sujeitam-se a tudo. Até a trabalhar…
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