Os acontecimentos de Maio-Junho de 1989, na Praça de Tiananmen, culminando a 4 de Junho, constituem sem dúvida o momento mais crítico e grave do processo de reformas económicas na China iniciadas com o período da reforma e abertura proclamado no final de 1978.
Diversos factores, económicos, sociais e políticos, confluíram para aquele ponto crítico, de certo modo de estrangulamento.
No plano económico e social, com o aprofundamento das mudanças do processo de reformas, passando pela privatização parcial e dinâmica geral de liberalização, acentuam-se os factores de desequilíbrio e os efeitos sociais nefastos, ainda que num pano de fundo de desenvolvimento.
Em 1989, verifica-se uma brusca quebra da taxa de crescimento económico. Se, em 1988, o Produto Interno Bruto (PIB) cresce 11,2%, em 1989 o crescimento é de apenas 4,2% (e, em 1990, 3,9%, sendo que os ritmos de crescimento elevado seriam reatados em 1991, com uma taxa de 9,2%, ultrapassando os 14% em 1992).
«O tecido social chinês atravessava então profundas e dolorosas mudanças, que acompanhavam também as reformas na terra e o forte aceleramento da dinâmica de urbanização, num país ainda esmagadoramente rural».
Neste ponto crítico, os instrumentos de regulação estatal são incapazes de controlar, atempada e satisfatoriamente, alguns resultados adversos da materialização das reformas. Verifica-se uma tendência de sobre-produção, a inflação em 1988-89 galga para valores anormais de mais de 20% (posteriormente, nos anos 90, manter-se-ia abaixo dos 2%), cresce a desigualdade e o sentimento de insatisfação social de largas camadas, quadro agravado com a disseminação dos casos de corrupção, tornando-se motivo de alarme social.
No plano político internacional, vive-se o momento da crise do sistema socialista europeu, com o acentuar da dinâmica negativa da perestroika soviética e a crise profunda nos países socialistas do Centro e Leste europeus.
A necessária e positiva recuperação das relações sino-soviéticas dá-se num quadro conturbado e contraditório. O marco neste processo é a visita de Gorbachov à China entre 15 e 18 de Maio de 1989, acabando por coincidir com o agravamento dos protestos estudantis em Pequim, iniciados a 13 de Maio. Este é o momento em que Gorbachov pugna pela aceleração das reformas políticas na URSS, já não sequer a par das reformas económicas, mas cada vez mais como resposta ao seu atraso e dificuldades da sua implementação.
Um momento importante da vida interna chinesa constitui a morte, a 15 de Abril, do secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCCh), Hu Yaobang. Acentuam-se as divisões dentro do partido. Num momento em que as tensões sociais se agravam e o governo chinês, presidido por Li Peng, implementa a lei marcial, o novo secretário-geral do PCCh, Zhao Ziyang, segue uma linha de apaziguamento do movimento estudantil e de protesto.
«É esta a essência dos acontecimentos de 1989 na China que a acção decisiva de Deng Xiaoping no comando efectivo do PCCh não vai permitir».
Na situação concreta existente, o movimento de protesto não circunscrito a Pequim, iniciado com os estudantes e envolvendo outras camadas da população, incluindo da classe operária, apesar do invólucro popular e democratizador das suas reivindicações, converte-se numa ameaça vital para o sistema político e social da República Popular da China fundado no papel dirigente do PCCh e a sua orientação básica.
O imperialismo reagiu muito azedamente aos acontecimentos de 4 de Junho. Foi lançada uma vasta campanha política, ideológica e mediática contra a China. Foram impostas sanções e diminuídos os vínculos políticos e diplomáticos. A dimensão da utilização da violência de Estado foi adulterada, com a disseminação das versões do massacre de Tiananmen e do saldo de vítimas na ordem das milhares (que documentos mais tarde divulgados pela Wikileaks vêm desmentir). Não é conhecido porém o saldo real de vítimas mortais.
No plano interno, sectores «conservadores» pró-maoístas tentam passar ao ataque. Num quadro em que a URSS se desintegrava, Deng e a direcção chinesa não abdicam do papel de vanguarda do PCCh e da observação dos quatro princípios cardeais, decidindo ao mesmo tempo avançar com a intensificação das reformas económicas e a da abertura da China ao exterior.
A perícia da liderança chinesa e a dimensão e importância do mercado e economia da China levariam nos anos seguintes ao abandono da maior parte das sanções do imperialismo no plano económico. Mas a campanha política em torno de Tiananmen e os objectivos de «evolução pacífica» da China nunca foram abandonados. Tal como a campanha hoje em curso é indissociável da acção de Trump e da guerra comercial, os acontecimentos de 1989 são indissociáveis da acção do imperialismo norte-americano para submeter e desagregar a China.
Uma campanha política que volta de novo a assumir relevo, não só tendo como base a celebração do 30.º aniversário do 4 de Junho de 1989 (em Taiwan e, de certo modo, Hong Kong, surgem como praças avançadas da campanha anti-chinesa em torno dos «direitos humanos» e da «democracia»), mas também perante um novo momento, complexo e de intrincados desafios, da situação interna da China, nomeadamente nos planos económico e social. Coincidindo com a nova ofensiva de Trump e dos EUA contra a China, desde o apontar desta como a grande ameaça existencial na nova doutrina de segurança nacional até à espiral da estratégica guerra comercial e tecnológica movida contra Pequim, cujas repercussões no mundo se adivinham profundas.
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