(Ou, como se prepara a destruição da EDP)
1. A EDP e o Fundo Elliott
O Fundo Elliott é, desde Outubro de 2018, o novo accionista qualificado da EDP, tendo adquirido para o efeito uma posição de 2.29% no capital da empresa, correspondendo a um investimento de cerca de 260 milhões de euros.
O propósito declarado deste investimento foi o de combater a OPA lançada pelo accionista maioritário China Three Gorges e, subsequentemente, aumentar o valor de mercado da empresa, assim permitindo a realização de substanciais mais valias aquando da venda dessa posição.
O primeiro objectivo está conseguido: não apenas em resultado dos esforços do novo accionista, mas também porque o accionista maioritário se revelou incapaz de ultrapassar obstáculos colocados pelos reguladores (desde logo em Portugal, onde não seria permitido aos investidores estatais chineses acumularem posições de domínio em simultâneo na EDP e na REN), bem como o próprio preço proposto na OPA, que não se revelou convincente em termos de mercado bolsista. Por todas essas razões, a OPA faleceu de morte natural, sem ter sequer tido de aguardar pela sentença dos mercados.
«não se pode ignorar esta diferença importante: o americano quer maximizar o lucro no mais curto prazo possível, enquanto o chinês tem uma estratégia de fortalecimento da sua presença na Europa e na América, designadamente no sector das energias renováveis, para a qual a EDP é instrumental»
Este resultado favorece as ambições do actual CEO (António Mexia), o qual não desejaria ver um qualquer accionista adquirir na empresa uma posição de tal forma dominante que lhe permitisse, sem oposição significativa dos restantes accionistas, definir a estratégia da empresa e, naturalmente, a própria composição do Conselho de Administração e, em particular, a designação de novo CEO. Isto é, objectivamente, os senhores Mexia e Singer tinham (e têm) interesses comuns, não surpreendendo a comunhão de pontos de vista que entre as duas partes se tem vindo a observar.
A luta entre accionistas pelo poder na empresa poderia deixar indiferente o comum dos mortais, a começar pelo cidadão português: dir-se-ia que entre um capitalista americano e um capitalista chinês, venha o diabo e escolha. Mas se tal se dissesse, dir-se-ia mal. Já veremos adiante o calibre moral do novo accionista americano mas, independentemente de questões mais ou menos éticas, não se pode ignorar esta diferença importante: o americano quer maximizar o lucro no mais curto prazo possível, enquanto o chinês tem uma estratégia de fortalecimento da sua presença na Europa e na América, designadamente no sector das energias renováveis, para a qual a EDP é instrumental. Isto é, o interesse chinês de ter uma EDP como principal empresa energética em Portugal e como player de alguma importância em vários países europeus e da América Latina e do Norte está mais alinhado com os interesses do País do que a estratégia Elliott + Mexia.
«Perguntar-se-á como é possível que um accionista com menos de 3% da empresa consiga a proeza de desmantelar o porta-aviões da pequena frota empresarial nacional. A resposta tem três elementos: um Conselho de Administração cúmplice com a estratégia desse accionista, um conjunto de restantes accionistas menores míopes e deslumbrados por resultados de curto prazo e, sobretudo, um Estado inerme, destituído de instrumentos de intervenção e, sobretudo, de vontade de intervir»
E qual é esta? Vender activos, desde logo em Portugal e Espanha, mas também no Brasil e noutras geografias. E que activos? Pois os mais valiosos, ou sejam os que se inserem no sector das renováveis (barragens hidroeléctricas, eólicas e o mais que se verá). As barragens, esses equipamentos para os quais a EDP adquiriu do Estado Português a concessão em condições especialmente favoráveis (na altura tratava-se de enfeitar o mais possível a noiva, para depois a privatizar, em termos que enchessem o olho aos mercados). As eólicas, às quais se encontram garantidos preços de aquisição de energia que muito têm sobrecarregado o défice tarifário suportado e a suportar pelo consumidor português.
É de recear que os menos de 30% que os accionistas chineses têm na empresa não sejam suficientes para obstar a esta estratégia que, a ser consumada, transformará a EDP na segunda CIMPOR ou, pior ainda, na segunda PT1.Perguntar-se-á como é possível que um accionista com menos de 3% da empresa consiga a proeza de desmantelar o porta-aviões da pequena frota empresarial nacional. A resposta tem três elementos: um Conselho de Administração cúmplice com a estratégia desse accionista, um conjunto de restantes accionistas menores míopes e deslumbrados por resultados de curto prazo e, sobretudo, um Estado inerme, destituído de instrumentos de intervenção e, sobretudo, de vontade de intervir.
2. O senhor Paul Elliott Singer
tem várias tropelias no seu já longo cadastro financeiro, incluindo intervenções litigiosas e bem sucedidas sobre as dívidas soberanas do Peru e da República Popular do Congo2.
2 400 000 000
de dólares lucrou Elliott Singer, levando à falência o Estado argentino por uma dívida de 117 milhões.
Em 2001, a Argentina entrou em default3 relativamente a 80 milhares de milhões de dólares USD4. Em sequência, foi feito um acordo de credores pelo qual estes aceitavam saldar o seu crédito por 30% do valor nominal da dívida. O acordo foi aceite pelos credores que representavam 93% do valor em dívida. Veio o senhor Singer, que tinha feito um investimento de 117 milhões de dólares, e colocou a Argentina em tribunal, reclamando o integral pagamento da dívida nominal. A jurisdição do pleito não podia deixar de ser os EUA, onde o tribunal de Manhattan achou por bem dar razão ao queixoso. Continuando a Argentina a não cumprir a ordem do tribunal para pagar ao senhor Singer, decidiu o mesmo tribunal pelo arresto das posições em dólares que a Argentina, o seu banco central e demais instituições detinham em bancos nos EUA. Depois de várias vicissitudes, incluindo o apresamento em Acra do navio-escola argentino ordenado por um tribunal do Gana, a Argentina, já com o novo presidente Maurício Macri, cedeu em toda a linha às exigências dos tribunais americanos, suscitando assim a legítima indignação dos restantes credores que tinham sido pagos a 30% e que, naturalmente, exigem agora o completo ressarcimento dos seus créditos.
Com esta operação, o senhor Singer embolsou 2,4 milhares de milhões de dólares (o que se compara com o investimento inicial de 117 milhões). Foram 15 anos de luta em tribunal, mas a recompensa final não foi totalmente desinteressante (multiplicação dos recursos investidos por factor superior a 20), para além da justa fama conseguida, de resto partilhada em alguma medida pelo honorável juiz de Manhattan, não se sabendo se este algo mais partilhou com o queixoso5.
Sabe-se sim que a Argentina hoje está sob a intervenção do FMI e que a probabilidade de novo default da sua dívida pública é elevada.
3. Conclusão
É este o jaez do novel accionista da EDP.
É também evidente que o Governo PS, em nome da defesa dos interesses do Estado Português, deveria travar o desmembramento da EDP, inclusive impedindo a venda das suas barragens e parques de energias renováveis.
Mas o único caminho seguro e certo e do completo interesse nacional, com vista a obstaculizar à destruição da EDP e sua recolocação ao serviço do desenvolvimento e independência nacionais, é a da completa reversão da sua titularidade, ou seja, o seu regresso urgente a um inequívoco controlo público.
- 1. PT é o acrónimo de Portugal Telecom, agora Altice.
- 2. Paul Elliott Singer (1944) é um bilionário americano, gestor de fundos de investimentos do tipo «fundo abutre», membro e activista político do partido Republicano, e apoiante milionário da campanha de Donald Trump. Singer, formado em Psicologia e em Direito, é especialista em comprar dívida soberana por baixo preço, através da sua firma, a Elliott Management Corporation, para exigir nos tribunais o pagamento quando os países emissores se encontram em crise e têm dificuldade em pagá-la. Segundo o New York Times (27 de Agosto de 2010), Singer e outros investidores da Elliott Management são no conjunto, «a mais elevada fonte de contribuições para o Comité Nacional Republicano no Senado». O «capitalista abutre» – como é designado nos meios financeiros, pelo tipo de actividade que desenvolve – começou a comprar dívida soberana da Argentina, do Peru e do Congo-Brazzaville em 1996. Na vida política é um dos milionários que apoiam os esforços dos irmãos Koch para quebrar a espinha ao movimento sindical e fazer eleger, em todos os níveis do sistema eleitoral dos EUA, candidatos favoráveis ao grande capital. É também um activo sionista, tendo sido escolhido por George W. Bush para incluir uma Delegação Honorária que acompanhou o presidente dos EUA a Jerusalém, em Maio de 2018, às celebrações do 60.º aniversário do Estado de Israel. Aliás, o bilionário faz parte dos corpos directivos da Coligação Judaica Republicana e foi director no Instituto Judaico Para os Assuntos da Segurança Nacional. Apoiou praticamente todos os candidatos e pré-candidatos do Partido republicano mais ligados às grandes fortunas. Mais recentemente, em 2016, apoiou o senador Marco Rubio contra Donald Trump mas, depois de este ter vencido as primárias, foi um dos 25 milionários que contribuiu com um milhão de dólares para a campanha de Donald Trump (Forbes, 17 de Abril de 2017). «Capitalista abutre», sionista, oponente dos sindicatos e um dos maiores financiadores do mesmo Donald Trump que ameaçou proibir a EDP de entrar no mercado dos EUA se a OPA da chinesa Three Gorges tivesse êxito, são algumas das faces de Paul Elliott Singer.
- 3. Um default, em finanças, é o incumprimento das obrigações legais ou condições de um empréstimo. Fonte: Wikipédia.
- 4. Ulteriores referências simplesmente em «dólares» referem-se à moeda americana.
- 5. Thomas Poole Griesa (1930-2017) foi nomeado Juiz Distrital dos EUA para o Tribunal do Distrito Sul de Nova Iorque em 1972, pelo presidente Richard Nixon. Embora não tenha sido o único caso polémico da sua carreira, ficará recordado pela decisão tomada a favor do financeiro-abutre (não confundir com fundo-abutre) Paul Elliott Singer contra o estado argentino, que levou ao default deste em 2014 e a uma grave crise económica e social que perdura até hoje naquele país sul-americano. Paul Singer ganhou com a operação 2,4 milhares de milhões de dólares. A decisão foi criticada até pelo FMI e pelo governo norte-americano, segundo o Washington Post (30 de Julho de 2014). O economista e prémio Nobel Joseph Stieglitz, em declarações reportadas pelo New York Times (30 de Julho de 2014), afirmou na altura que, com a decisão do juiz Griesa, «a América atirou uma bomba contra o sistema económico mundial». A mesma edição o NYT registava a indignação de Axel Kicillof, ministro da economia argentino do governo da presidente Cristina Kirchner e responsável pela negociação com o Fundo Elliott, que apelidava a mesma de «extorsão» e que «se recusava a assinar um acordo que comprometia o futuro dos argentinos». O articulista do jornal mostrava-se espantado por «um fundo de investimento com 300 trabalhadores» ter conduzido «um país com 41 milhões de habitantes» a uma «humilhante rendição». O juiz Griesa saudou a vitória de Mauricio Macri nas eleições de 2015, como assegurando que o conflito em torno do default iria ser resolvido (Bloomberg, 19 de Fevereiro de 2016). Efectivamente, o neoliberal Macri aceitou todas as condições impostas pelo tribunal.
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