A entrevista de João Ferreira ao AbrilAbril foi um percurso, como se pode ver pela reportagem de vídeo que acompanha esta conversa. Durante quase oito horas, o candidato esteve com a equipa de reportagem em pontos da cidade que pretende colocar como pontos fortes da sua campanha eleitoral e da acção da CDU.
O percurso começou no Martim Moniz, onde João Ferreira reafirmou a necessidade de manter os espaços públicos abertos aos lisboetas e condenou as tentativas de privatizar determinadas áreas da cidade.
No Arquivo Municipal, no Bairro da Liberdade, sublinhou, junto a trabalhadores, o seu compromisso de valorizar o seu contributo, e a necessidade de haver uma política de arquivos que os retirem de espaços sem condições e que apostem na preservação e uso do rico património documental que a CML tem.
No Clube Atlético de Alvalade, João Ferreira falou da necessidade de apoiar as colectividades da capital e o movimento associativo. Os eleitos da CDU conseguiram que os apoios em tempo de pandemia fossem extensivo às colectividades da capital, mas há ainda muito para fazer nesse campo.
No antigo Teatro Municipal Maria Matos, ouviu relatos sobre a situação difícil em que vivem os artistas, agora agravada com a pandemia, e voltou a criticar a entrega deste equipamento municipal a privados.
Junto ao miradouro do Palácio das Necessidades, o actual vereador da CDU mostrou os efeitos visíveis em Lisboa de uma política municipal feita a conta peso e medida para os especuladores imobiliários.
No Bairro Padre Cruz e em Carnide, João Ferreira exibiu aquilo que defende ser uma gestão que procura melhorar a vida dos fregueses, feita pela junta de freguesia de Carnide, dirigida pela CDU, e prestou homenagem ao trabalho da associação Crescer a Cores com as crianças do bairro Padre Cruz. Finalmente, o candidato escolheu, como último ponto da volta pela cidade, as dificuldades crescentes que os jovens, e não só, têm em conseguir habitar em Lisboa.
Nesta entrevista é possível ver, através dos vídeos deste percurso, o que pensa a CDU sobre quais deveriam ser as linhas de orientação para uma política municipal para Lisboa.
O PCP é acusado de apresentar repetidamente a sua candidatura. Por que é que a CDU candidata outra vez João Ferreira a Lisboa?
Acho que se alguma coisa se repete é essa pergunta. Eu não cheguei agora a Lisboa, sou vereador na cidade há oito anos, antes disso fui eleito numa assembleia de freguesia da cidade. É verdade que ao longo destes oito anos fui também eleito ao Parlamento Europeu. Mas acho até que dessa acumulação de tarefas resultou um ganho para o desempenho de funções numa gestão municipal numa cidade como Lisboa em que, inevitavelmente, se cruzam dimensões políticas diversas. Uma dimensão mais local, mas também nacional e global. Agora ir-me-ei concentrar em Lisboa. Mas mais que o candidato que a encabeça, esta é uma candidatura que vale pelo colectivo que dá corpo ao projecto político e autárquico da CDU.
O espaço político que a CDU representa já foi a segunda força na cidade. O tempo mudou muita coisa, até a composição social da capital. O que pode ser hoje um projecto político e autárquico da CDU?
A CDU tem um projecto autárquico com características gerais, que marcam o seu trabalho o poder local, entre outras: a participação, o envolvimento das populações, a valorização dos serviços públicos municipais, a aposta na cultura e no desporto, valorização do movimento associativo de base popular. Estas são características gerais, e são características que Lisboa necessita, até devido ao caminho que seguiu nas últimas duas décadas. A cidade precisa, desde logo, de ser resgatada da especulação imobiliária, necessita de um planeamento democrático que envolva as populações. Isso exige reverter um caminho, que está plasmado do Plano Director Municipal (PDM), de total liberalização dos usos do solo. Um rumo que deixa nas mãos do mercado todo o desenvolvimento da cidade. Temos de contrariar essa opção, e isso faz-se através de um planeamento democrático, participado e transparente. É preciso, também, uma gestão municipal que encare de frente o problema da habitação. Lisboa viu sair da capital centenas de milhares de habitantes ao longo destas últimas décadas. A cidade também está, por isso, diferente do ponto de vista social e muito polarizada. Um grande número de pessoas de camadas intermédias e muitos jovens foram expulsos dela. É urgente contrariar esta dinâmica com um outro entendimento das políticas públicas no que à habitação diz respeito: tem de haver uma articulação entre a Câmara Municipal e o Estado central, mas pode e deve-se fazer muito mais na cidade de Lisboa, do que aquilo que tem sido feito, por iniciativa do município. Desde logo, pegando no seu importante património imobiliário, reabilitando-o e disponibilizando-o a preços acessíveis para arrendamento. Promovendo nova construção dirigida seja às famílias mais carenciadas seja às famílias de rendimentos médios. E depois deve-se, em articulação com os Estado central e outros grandes proprietários na cidade, como a Santa Casa, constituir uma bolsa de arrendamento a preços acessíveis. Se o tivessem feito no momento em que foi proposta pelos eleitos da CDU, em 2017-2018, hoje a situação seria diferente. Outra alteração que a CDU trará é uma prática diversa do que deve ser uma política municipal para a cultura, desporto e movimento associativo de base popular. Nós precisamos, em Lisboa, de uma verdadeira política cultural e não a houve nestes mandatos.
Teme que nestas eleições autárquicas, a exemplo do que aconteceu nas eleições presidenciais, o capital de simpatia conquistado não se traduza no voto, dado o apelo que o PS certamente fará ao voto útil, dizendo que é a única forma de travar a direita?
Acho que o voto útil é aquele que ajuda a encontrar soluções para os problemas que a cidade enfrenta. Esse é o verdadeiro voto útil. A avaliação daquilo que é o voto útil deve ser feita a partir do projecto que cada força apresenta a estas eleições, mas também do trabalho que cada um andou a fazer ao longo destes anos. Nós temos um projecto que, em aspectos essenciais, se diferencia daquilo que tivemos em Lisboa nas últimas duas décadas. O nosso projecto procura as respostas que fazem falta, no sentido de resgatar a cidade da especulação imobiliária; efectivando o direito à habitação; garantindo a valorização das políticas culturais e desportivas, defendendo e dando importância aos serviços públicos municipais; afirmando uma outra política de mobilidade que aposte num papel central para os transportes públicos; defendendo o direito ao usufruto dos espaços públicos. Uma política que encara a necessidade de melhorar o ambiente urbano. Essa diferença política alicerça-se em muitos anos de trabalho. Nos últimos anos, estivemos na oposição da CML, mas não abdicamos nunca de denunciar aquilo que estava a ser feito de errado, tanto a nível da especulação imobiliária, como a nível da degradação das condições de vida e de trabalho. Não deixamos de denunciar tudo o que punha em causa o direito à cidade. Muitas vezes apresentamos soluções, algumas delas tiveram acolhimento pela CML. Nem todas foram concretizadas, por que aí faltou a capacidade e a vontade para o fazer. Mas é sobre o terreno firme e confiável deste trabalho edificado ao longo dos anos, que erguemos este projecto alternativo para a cidade. Eu creio que é importante que o julgamento que os eleitores vão fazer nestas eleições seja a partir da utilidade do voto para resolver os problemas da cidade e não levando a água ao moinho de uma bipolarização forçada. Isso é inconsequente, vai contra o desejo real de mudança em Lisboa. É preciso que essa vontade se traduza de uma forma consequente.
Não há hipótese de uma vitória da direita em Lisboa ter um significado maior e desencadear uma dinâmica no todo nacional?
Aquilo que a CDU faz há muito tempo é combater as opções da direita na cidade, sejam elas protagonizadas pelo PSD e o CDS, sejam elas protagonizadas pelo Partido Socialista, que nestes anos contou até com o apoio do Bloco de Esquerda. É isto que a CDU tem vindo a fazer, mostrando que opções de direita trouxeram prejuízos à cidade. Há nestas opções, quer da direita quer do PS, linhas de continuidade, como a ideia de que o desenvolvimento da cidade deve ser determinado pelo mercado. É uma ideia plasmada pelo actual PDM, que não por acaso resultou de um entendimento entre PS e PSD, que liberaliza o uso dos solos na cidade. Lisboa, em vez de ser planeada em função das reais necessidades e interesses de quem cá vive e trabalha, tem um PDM para maximizar os lucros dos promotores imobiliários. Não deu bom resultado. A maneira mais segura de impedir que esta visão, tipicamente de direita e neoliberal, continue instalada nos Paços do Concelho é reforçando a CDU nestas eleições.
«Passarei a fazê-lo em condições diferentes do que até aqui, porque deixarei de ter tarefas no Parlamento Europeu. Estarei concentrado no trabalho em Lisboa. Espero sobretudo que a CDU se reforce e possa assumir as responsabilidades de que falo.»
É por isso que, ao contrário de em outras ocasiões, a CDU não aceitou pelouros nestes mandatos do PS?
Uma das riquezas do poder local democrático, como existe no nosso país, é a representação plural das diversas forças políticas nos executivos municipais. Como sabemos, há partidos que não estão de acordo com esta realidade e tudo têm feito para que essa diversidade democrática acabe, mas ela continua a ser, segundo a CDU, uma das riquezas do poder local democrático. E somos consequentes com este entendimento. Nos sítios em que somos maioria temos por hábito dar pelouros a outras forças políticas da oposição. Também nos sítios em que a CDU está em minoria assumimos muitas vezes pelouros, quando achamos que há condições para o fazer, do ponto de vista do respeito pela independência de intervenção dos eleitos da CDU e quando é possível fazer um bom trabalho em prol da melhoria de vida das populações. Sempre que existe essa possibilidade, é necessário fazer uma avaliação. No futuro, isso vai depender muito do resultado que a CDU obtenha. Não tenho dúvidas que um reforço substancial da CDU em Lisboa criará condições para um cenário diferente daquele que temos hoje no executivo municipal, no que se refere às forças políticas que assumem pelouros.
Espera que a mudança da cabeça a lista do BE possa significar uma alteração da política do Bloco na cidade?
Não quero estar a fazer uma avaliação do que possa ser o futuro da intervenção de outras forças políticas. São elas que têm de responder a isso. Mas objectivamente tivemos uma situação em Lisboa em que a perda de maioria absoluta por parte do PS, em si mesmo, era um factor positivo. Contudo, o alcance dessa realidade favorável foi muito limitado pelo suporte que o PS encontrou, no actual executivo, por parte do vereador do Bloco, que garantiu a continuidade de um conjunto de linhas e opções de política municipal que não contribuíram para resolver os problemas de Lisboa e em que em alguns casos os agravaram. Foram aprovados orçamentos que deram suporte a esta linha política, e é preciso não esquecer que Lisboa teve nestes últimos anos os maiores orçamentos da sua história. Estamos a falar de montantes superiores a mil milhões de euros, no universo consolidado da câmara e das empresas municipais. Não foi por falta de recursos que a câmara municipal não fez mais ao longo destes anos. O que verificamos foi a existência de políticas gravosas, como a da desarticulação de serviços municipais, transferindo para empresas municipais, muitas vezes fora do escrutínio dos eleitos, e intervenções importantes no domínio das obras e do urbanismo da cidade. O Partido Socialista não conseguiria ter feito sozinho e contou com o apoio do Bloco de Esquerda para fazer políticas no domínio da mobilidade - só com os seus vereadores não passaria -, como a insistência numa linha circular do metropolitano em detrimento do avanço da rede para zonas da cidade onde hoje ela ainda não existe. É reconhecidamente um erro, por que se densifica a linha do metro nas zonas centrais da cidade, num processo que não está separado da dinâmica especulativa que existe nessas zonas de Lisboa.
Não é um pouco contraditório o BE ter viabilizado a linha circular na CML, quando no Parlamento votou contra ela?
É um facto. Não deixamos de apontar essa contradição. Mas foi resultado de compromissos em que, por opção própria, o Bloco de Esquerda se viu enredado.
O que pensa que irá fazer depois destas eleições?
Candidato-me à presidência da Câmara Municipal de Lisboa. Acho que a CDU, pela equipa que vai apresentar, pela experiência que tem, pelo projecto que corporiza, está em condições de assumir todas as responsabilidades, incluindo a presidência da câmara. É com esta determinação que partimos para a batalha, sendo certo que em qualquer circunstância continuaremos a dar o melhor de nós, e eu em particular o melhor das minhas capacidades para mudar esta cidade para melhor. Passarei a fazê-lo em condições diferentes do que até aqui, porque deixarei de ter tarefas no Parlamento Europeu. Estarei concentrado no trabalho em Lisboa. Espero sobretudo que a CDU se reforce e possa assumir as responsabilidades de que falo.
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