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O PS é um partido regionalista?

O candidato à Câmara Municipal do Porto afirmou que o PS é um partido regionalista e que por si a regionalização «existia já amanhã», não fosse o «problema constitucional»... que o seu partido ajudou a criar.

Delegados à chegada ao XXIII Congresso Nacional do Partido Socialista (PS), em Portimão, a 28 de Agosto de 2021
CréditosAntónio Pedro Santos / Agência Lusa

As afirmações de Tiago Barbosa Ribeiro foram proferidas no debate das autárquicas transmitido pela RTP, esta terça-feira, que juntou os 11 candidatos à Câmara Municipal do Porto. 

O candidato do PS atacava então o actual presidente da Invicta, Rui Moreira, por este ter votado «Não» no referendo de 1998, apontando a «contradição» de agora defender a regionalização e não aceitar a descentralização de competências. Assim se constrói a campanha de comunicação do PS nesta matéria, que ilude o embargo da regionalização com a desconcentração de competências para as autarquias locais e comunidades intermunicipais, mediante pacto firmado com o PSD, tal como recordava ontem Ilda Figueiredo, candidata da CDU.

Segundo Tiago Barbosa Ribeiro, o PS «é um partido regionalista», porém, aquilo a que os portugueses têm vindo a assistir desde 1997 desmentem a afirmação do candidato, mas vamos à história.

Nas eleições legislativas de 1 de Outubro de 1995, o programa eleitoral do PS, bem como o do PCP, defendia a concretização da regionalização na legislatura seguinte. Em Fevereiro de 1996, os comunistas apresentaram um projecto de lei para a criação e instituição das regiões administrativas. Dois meses mais tarde, surge também o projecto de lei do PS de criação das regiões administrativas, tendo sido ambos aprovados em 2 de Maio de 1996.

Nesse mesmo mês, surge um acordo entre o PS e o CDS-PP, a que se junta mais tarde o PSD, para fazer depender a «instituição em concreto» das regiões da realização prévia de referendo.

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Regionalização: o País estará a perder até que se concretize

O tema está de regresso ao Parlamento. Portugal é um dos países mais centralizados da OCDE. A maioria dos eleitos admite que a regionalização é a solução para os problemas do País e que não se pode esperar mais.

O despovoamento do Interior é um dos problemas resultantes da ausência de regiões administrativas
Créditos / A Voz de Trás-os-Montes

O debate desta tarde na Assembleia da República foi agendado pelo PCP, que propõe um calendário para a instituição em concreto das regiões administrativas durante o ano de 2021. Os comunistas reconhecem que, apesar de a regionalização ser «objecto das mais elogiosas referências, mesmo dos que a ela se têm oposto», as opções têm passado por «afastar a sua concretização», ainda que a criação de regiões administrativas seja «inseparável» de uma «efectiva e sustentada descentralização». 

Embora se trate de um imperativo constitucional, há 44 anos que a regionalização demora a sair do papel e é graças ao acordo estabelecido entre o PS e o PSD, no âmbito da revisão constitucional de 1997, que ficou sujeita a referendo obrigatório.

Os comunistas entendem que não há fundamentos para continuar a atrasar este processo e querem submeter à consulta das assembleias municipais, até ao final de 2020, a proposta de dois mapas possíveis de criação das regiões administrativas. Entendem igualmente que deve ser aprovada a sua criação no início de 2021, com a convocação de um referendo que possa vir a realizar-se no segundo trimestre desse mesmo ano.

Também o BE se junta ao objectivo de criar regiões administrativas através de um projecto de resolução, no qual concorda que «não basta falar de "coesão territorial"» e que «é preciso construir essa coesão com a organização administrativa que lhe dê sustentação», em vez de medidas pontuais.

Regionalização rima com coesão 

O entendimento é corroborado por Abílio Fernandes, que durante 25 anos presidiu à Câmara Municipal de Évora e foi uma das vozes que no Alentejo lutaram pela instituição da regionalização através do movimento «Alentejo: Sim à Regionalização, por Portugal», e que tem hoje no Amalentejo expressão desta reivindicação na região. 

Ouvido pelo AbrilAbril, o antigo autarca (CDU) assume que o abandono do Interior, «de que todos se queixam» (inclusive os que têm responsabilidades políticas), não é separável de a regionalização ainda não ser uma realidade e critica a falta de vontade política nesse sentido.

Reconhece que ela é «imprescindível» para melhor aproveitamento das potencialidades nacionais e para um desenvolvimento equilibrado do País, sublinhando que a criação de regiões administrativas resulta também numa maior participação das populações na gestão da coisa pública. 

Portugal está entre os oito países da União Europeia que não têm regiões administrativas e é um dos mais centralizados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). O cenário traz «angústia» a Abílio Fernandes, «num momento em que estamos a sentir que não aproveitamos as nossas possibilidades», e quando há evidência de que a regionalização conduz a um melhor desenvolvimento dos territórios. 

«Há potencialidades naturais, neste caso regionais, que estão subaproveitadas porque a centralização do poder não possibilitou, como normalmente não possibilita, a resolução de problemas com esta dimensão», reconhece Abílio Fernandes. Neste sentido, frisa que cabe ao planeamento regional definir as prioridades [de cada região] com a participação das respectivas populações, permitindo assim, «com muito menos dinheiro, fazer os investimentos prioritários e de raiz de que, neste caso, o Alentejo necessita». 

Maioria diz «sim»

O entendimento quanto à necessidade de um nível intermédio de governação, entre a Administração do Estado e os municípios, é cada vez mais consensual. Um estudo realizado pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), divulgado em Fevereiro de 2019, concluiu que 77% dos presidentes de Câmara querem regiões administrativas a curto prazo, enquanto 84% querem para essas regiões órgãos próprios eleitos directamente. Segundo a análise, as vantagens da regionalização são reconhecidas pela totalidade dos eleitos do PCP, por 85% dos eleitos do PS, e 67% dos eleitos do PSD e do CDS-PP.

A par do que o desequilíbrio nacional demonstra, com um Interior a definhar e um Litoral cada vez mais saturado, a evidência internacional é bem elucidativa de que a instituição de regiões administrativas constitui um passo decisivo para o desenvolvimento.

Isto mesmo constatava o presidente da Câmara Municipal de Valongo, José Manuel Ribeiro (PS), num artigo de opinião publicado em 2019. «Na Europa das regiões, onde praticamente todos os países estão regionalizados à excepção de Portugal, as regiões significaram, sempre, mais coesão territorial, menos assimetrias, maior riqueza e, por via desta, contas públicas mais equilibradas», descreveu no jornal Público.

Tal como este, outros eleitos autárquicos do PS, nomeadamente Fernando Medina (Lisboa), Luísa Salgueiro (Matosinhos) e Eduardo Vítor Rodrigues (Vila Nova de Gaia), têm trazido a público a sua anuência com a regionalização, em oposição ao primeiro-ministro, António Costa, que insiste na descentralização de competências e em meras respostas no plano da desconcentração. Desconcentração que, frisa Abílio Fernandes, não evita que o poder e a determinação das políticas estejam na mão do Governo. 

Os eleitos autárquicos, de vários pontos do País, que recentemente se reuniram na conferência do JN, na Invicta, da qual resultou a Declaração do Rivoli, convergem na ideia de que é fundamental avançar com a regionalização para que a descentralização, por que os municípios anseiam, seja bem sucedida.

Neste sentido, e a propósito da armadilha do referendo, o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, admite que «quem pôs, pode retirar», tendo já sublinhado que, em democracia, o processo de regionalização não deve ficar parado. 

Cem mil milhões em 30 anos não resolveram assimetrias 

A necessidade de avançar para o que todos os indicadores revelam ser a solução dos problemas do País, seja a nível das assimetrias, despovoamento do Interior, combate ao desemprego e fixação de actividades económicas, entre outros, é vincada igualmente pela Associação Nacional de Freguesias (Anafre) e pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), que acompanha a iniciativa do PCP.

Conforme estabelece a resolução do seu último congresso, a instituição das regiões administrativas é um «instrumento fundamental» para a assumpção de uma política de desenvolvimento regional que prossiga objectivos de coesão, competitividade e equidade.

«Foi claro para o congresso, é claro para os autarcas portugueses, no quadro do que foi uma posição de unanimidade expressa nesta matéria, de que é o momento de avançar com a regionalização, o País não pode perder tempo», reforça Alfredo Monteiro, membro do Conselho Directivo da ANMP, em declarações ao AbrilAbril.

O facto de os 100 mil milhões de euros de fundos comunitários de que o País usufruiu em 30 anos não terem resolvido as assimetrias regionais confirma a premência. «Não resolveram», realça Alfredo Monteiro, «porque faltaram efectivas políticas regionais». 

«Veja-se o exemplo da rede ferroviária de passageiros e transporte de mercadorias, com um inconcebível desinvestimento na sua modernização e com o encerramento de muitas centenas de quilómetros», aclara.    

O dirigente insiste que não há justificação para o adiamento da regionalização face aos problemas do País que, esclarece, «este modelo de transferência de competências, de completa desresponsabilização do poder central, não assegura e que tem a ver com o cumprimento das funções sociais do Estado, como a Educação e a Saúde». 

Relativamente ao anúncio do Governo, referente à eleição dos presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) no primeiro semestre de 2020, Alfredo Monteiro defende que se trata de uma «mistificação», que apenas tem como intuito adiar, uma vez mais, a regionalização, que é também fundamental para consolidar o poder local democrático. «Significa eleger órgãos que continuarão a responder à Administração Central, quando se trata de uma estrutura desconcentrada», critica.

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Em Março de 1997, PS e PSD assinaram um acordo sobre a revisão constitucional, impondo o referendo sobre a regionalização, tendo a Assembleia da República aprovado, em Outubro desse ano, a lei de revisão da Constituição, com as alterações relativas à regionalização aprovadas pelo PS, PSD e CDS-PP.

Não bastasse terem submetido a referendo este imperativo constitucional, a perversidade da solução aprovada pelos três partidos para guardar a regionalização na gaveta obrigava a que houvesse uma resposta positiva à primeira questão para que o «sim» à segunda contasse. Em caso de resposta afirmativa, lê-se no artigo 251.º da Lei Orgânica do Regime do Referendo, «só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento».

Depois disto, e de uma longa campanha populista contra a regionalização sustentada em ideias falaciosas de que assim se gastaria mais dinheiro, se criariam mais cargos políticos («tachos») ou mais burocracia, o País foi-se tornando cada vez mais desigual e assimétrico, e um dos mais centralizados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). 

Por outro lado, o caminho trilhado em termos da desconcentração de competências, sem os instrumentos necessários à sua concretização plena, e da eleição dos presidentes das CCDR, que o secretário-geral adjunto do PS classificou de «movimento de descentralização de atribuição de competências do Estado de maior envergadura de que há memória no País», mais não é do que uma estratégia para continuar a adiar a regionalização, em sintonia com a vontade do Presidente da República

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