|Índia

Dois anos depois dos «tumultos» em Déli, familiares exigem justiça e apoio

Havia tristeza e revolta entre quem se juntou para assinalar o segundo aniversário da «violência instigada» no Nordeste de Déli, que provocou 53 mortos. PCI(M) e familiares das vítimas exigem justiça.

Créditos / Newsclick

«Por que aconteceram os tumultos? Quem beneficiou com isso?», foram perguntas feitas por Ilma, de sete anos, que resumiram o sentimento dos que se juntaram, no sábado, para exigir justiça para as vítimas da violência que, há dois anos, abalou o Nordeste da capital indiana, de maioria muçulmana. Ilma perdeu o irmão, Arshad Raza, que trabalhava numa loja de arranjo de telemóveis, e foi morto ao regressar a casa.

A concentração de protesto, organizada pelo comité estadual de Déli do Partido Comunista da Índia (Marxista), reclamou investigação e julgamento rápidos para as famílias das vítimas, que ainda estão a reconstruir as suas vidas.

Os presentes defenderam maiores apoios para as famílias no processo de reconstrução, considerando que a compensação que lhes foi dada pelo governo estadual não é suficiente para que voltem a encarreirar o seu sustento com facilidade.

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Violência instigada provoca pelo menos 23 mortos em Déli

Os confrontos no Nordeste de Déli entre apoiantes e oponentes à Emenda à Lei da Cidadania começaram no domingo. O PCI(M) acusa os partidários de Modi de fomentarem a violência e a Polícia de «ter falhado».

Os bairros de Jaffarabad e Maujpur, no Nordeste de Déli, foram os mais atingidos pela «onda de violência»
Créditos / Infonews

Uma fonte hospitalar na capital indiana revelou esta quarta-feira que pelo menos 23 pessoas foram mortas nos confrontos e que mais de 200 ficaram feridas, sendo que 15 foram hospitalizadas em estado grave.

O ministro indiano do Interior, Amit Shah, referiu-se aos confontros como «espontâneos», mas tal como notaram alguma imprensa, activistas presentes no bairro de Jaffarabad e o Partido Comunista da Índia (Marxista), de «espontâneos» tiveram muito pouco.

Referiram-se, nomeadamente, ao facto de, no domingo passado, Kapil Mishra, um dirigente local do Partido Bharatiya Janata (BJP, classificado como nacionalista hindu e de extrema-direita), ter feito um discurso incendiário na presença da Polícia contra quem protesta contra a Emenda à Lei da Cidadania (Citizenship Amendment Act; CAA).

Tal legislação, promovida por Narendra Modi e aprovada no final do ano passado, é condenada como «discriminatória» pelos seus oponentes e tem sido alvo de forte constestação, há mais de dois meses, de norte a sul do país – uma vez que facilita a adopção da cidadania indiana a refugiados hindus, sikhs, budistas, jainistas, parsis e cristãos provenientes do Afeganistão, do Bangladesh e do Paquistão que entraram na Índia antes de 2015, deixando de fora os muçulmanos.

Partidos de esquerda e progressistas afirmam que se trata de mais um passo de Modi para «marginalizar» os muçulmanos e aprofundar as «divisões» do país. Também criticam a legislação por ser «anticonstitucional», sublinhando que o estatuto de cidadania jamais pode ser atribuído em função de uma crença religiosa.

Tal medida reforça a convicção de quem acusa o governo do primeiro-ministro Narendra Modi de alentar a intolerância religiosa, de promover a polarização da sociedade e de procurar transformar a Índia num Estado hindu.

Ataques de «gangues» e «elementos criminosos»

Os protestos anti-CAA têm sido maioritariamente pacíficos, como refere uma dirigente comunista numa missiva enviada terça-feira ao ministro do Interior. Já esta quarta-feira, o Comité Central do PCI(M) emitiu um comunicado em que denuncia o papel de «gangues» e de «elementos criminosos» no Nordeste de Déli, onde queimaram casas, mercados e lojas «com impunidade».


No documento, os comunistas indianos afirmam que a acção policial esteve marcada por «falhas» e que foi «verdadeiramente chocante», uma vez que, nalguns casos, os agentes «não fizeram nada» e, em muitos noutros, «foram vistos a agir em conivência com os atacantes».

«O falhanço da Polícia é tão evidente que até o Supremo Tribunal observou hoje a falta de independência e de profissionalismo dos agentes no que respeita aos confrontos», revela o texto. Neste sentido e tendo em conta a gravidade da situação, o PCI(M) solicitou a intervenção do Exército, para ajudar as autoridades civis.

O governador da província de Nova Déli, Arvind Kejriwal, também pediu ao governo federal que aprove a intervenção do Exército e que decrete o recolher obrigatório nas áreas onde a violência tem ocorrido.

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Mallika, mãe de três filhos, contou como não foi capaz de salvar o marido da «multidão sedenta de sangue», que partiu a fechadura da casa e o arrastou para fora.

«Pedi aos agentes da Polícia que estavam do lado de fora de minha casa que salvassem o meu marido, mas ainda nos chamaram nomes. Eles mataram o meu marido à frente dos meus filhos», disse.

Passados dois anos, Mallika ainda está à espera de justiça para Musharraf, que trabalhava como motorista. Traumatizada e com medo, mudou de casa duas vezes, para manter os filhos seguros.

Falando para o Newsclik, Sehba Taban, da Associação Democrática de Mulheres da Índia (AIDWA), disse que, durante o seu trabalho com estas famílias, ficou claro que todas elas eram da classe trabalhadora. «Os ganha-pães eram motoristas, carpinteiros, pintores, etc. As mulheres não têm qualquer qualificação. Em vários casos, os parentes ficaram com o dinheiro das indemnizações e abandonaram as esposas e os filhos», explicou.

PCI(M) não desiste de lutar ao lado das vítimas

Dirigindo-se aos presentes, Brinda Karat, membro do Comité Central do PCI(M), disse que o objectivo destes testemunhos de viva voz não era reavivar o trauma das famílias das vítimas, mas reafirmar que ainda não lhes foi feita justiça.

«Estes testemunhos são necessários para juntar coragem e dizer que não vamos parar com esta luta. Estou aqui para vos dizer que não estão sozinhos nesta luta», disse Karat, lembrando a má investigação, a lentidão dos processos e os entraves colocados à justiça pelo partido no poder.

Brinda Karat, do CC do PCI(M), ao centro, em Nova Déli / Newsclick

A título de exemplo, referiu que, num dos 758 casos registados no âmbito da violência de há dois anos, em Bhagirathi Vihar uma casa foi saqueada, vandalizada e incendiada, e o tribunal perguntou à Polícia de Déli se tinha interrogado três culpados. «A Polícia disse que não o podia fazer. É claro que esses culpados estavam associados ao partido no poder», denunciou.

Um juiz que encenou os discursos de dois dirigentes do Partido Bharatiya Janata (BJP, de Modi) numa audiência pública «foi transferido num espaço de horas», disse a dirigente comunista, sublinhando que, quando ela própria e o secretário do PCI(M) de Déli abordaram o tribunal por causa do assunto, não lhes foi concedida qualquer audiência.

No entanto, insistiu Karat, a justiça está consagrada na Constituição indiana. «Vamos lutar para a conseguir», disse.

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