O programa «Dispatches», do canal britânico Channel 4, obteve imagens de crianças a trabalhar com facas e machetes em quintas de produção de cacau que abastecem o gigante da alimentação Mondelez, dono da Cadbury.
Estas novas alegações ocorrem mais de duas décadas depois de a indústria do chocolate ter declarado que ia acabar com o trabalho infantil nas quintas de produção de cacau.
Ayn Riggs, fundadora e directora da organização Slave Free Chocolate, que luta pelo fim do trabalho infantil nas quintas de cacau, comentou ao The Observer que «é horrível ver estas crianças a utilizar machetes compridas, às vezes com metade da sua altura».
«As empresas do chocolate prometeram fazer uma limpeza há mais de 20 anos», disse, acrescentando: «Sabiam que estavam a lucrar com o trabalho infantil e fugiram às suas promessas.»
As alegações sobre a Cadbury surgem num momento em que milhões de libras são gastas no Reino Unido, com o aproximar da Páscoa. O The Guardian revela que só em ovos da Páscoa são gastos mais de 358 milhões de euros, sendo que o mercado do chocolate representa sete mil milhões de euros no Reino Unido, de acordo com uma pesquisa de mercado realizada pela empresa Mintel.
«Não deve ser aceitável» mas... lucros elevados e pouco dinheiro pago à produção
No entanto, a Cadbury paga muito pouco pelo cacau, o que, refere o «Dispatches», leva os agricultores a empregar crianças. Por cada barra de chocolate de 1,20 euro, apenas 13 cêntimos chegam ao agricultor.
Uma reportagem britânica encontrou crianças entre os 8 e os 13 anos a trabalhar oito horas por dia, por salários de miséria, em quintas guatemaltecas que abastecem a Starbucks e a Nespresso. O gigante das cafetarias Starbucks «foi apanhado» na rede de trabalho infantil, afirma o periódio The Guardian na sua edição de ontem, depois de uma equipa de investigação do programa «Dispatches», da cadeia britânica Channel 4, ter encontrado crianças com menos de 13 anos a trabalhar nas quintas guatemaltecas que fornecem as lojas da empresa. A equipa «filmou crianças a trabalhar 40 horas por semana em condições atrozes, a apanhar café por uma salário diário pouco maior que o preço de um café com leite [latte]». Na mesma reportagem, também é visada a empresa Nespresso, igualmente abastecida pela exploração do trabalho infantil na Guatemala. Os jornalistas do «Dispatches» afirmaram que algumas das crianças não tinham mais de oito anos e chegavam a trabalhar oito horas por dia, seis dias por semana. Eram pagos de acordo com o peso dos grãos que apanhavam, sendo que cada saco podia pesar até 45 quilos. «Por norma, uma criança receberia menos de 6 euros por dia, embora, nalguns casos, pudesse ser tão baixo como 27 cêntimos por hora», refere o jornal. No decorrer da investigação, a equipa do «Dispatches» visitou sete quintas ligadas à Nespresso e cinco à Starbucks, tendo deparado com trabalho infantil em todas. Um advogado de direitos humanos que viu algumas das provas contidas nas filmagens «sugeriu» que ambas as empresas estavam a violar as regulamentações laborais internacionais estabelecidas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). A reportagem estimou que, dos 2,75 euros gastos num copo de café típico, a loja receba 90 cêntimos e os funcionários recebam 66 cêntimos. Para os impostos vão 40 cêntimos, ficando a Starbucks com um lucro de 27 cêntimos. A empresa tem uma receita anual global superior a 23 mil milhões de euros e quase mil lojas no Reino Unido. Depois de descontados outros custos, sobram 12 cêntimos para os abastecedores do café, dos quais 1,2 cêntimos se destina ao agricultor, que usa uma parte para pagar aos recolectores de café. Abordadas e confrontadas pelo «Dispatches», tanto a Nespresso como a Starbucks disseram que tinham «tolerância zero» com o trabalho infantil e que haviam lançado investigações. Recorde-se que, segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), uma em cada duas crianças na Guatemala sofre de desnutrição crónica. Trata-se do pior índice de desnutrição infantil entre todos os países latino-americanos e o sexto a nível mundial. O problema, considerado grave pelas Nações Unidas, decorre da elevada pobreza e da grande desigualdade económica que prevalecem no país centro-americano. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Trabalho infantil na Guatemala abastece cafés de grandes empresas
Exploração e violação das normas internacionais
Contribui para uma boa ideia
A Mondelez, dona da Cadbury e que o ano passado teve lucros globais a rondar os quatro mil milhões de euros, tem um programa de sustentabilidade designado Cocoa Life, cujo logotipo aparece nos seus produtos, incluindo os da Cadbury, afirmando: «Nenhuma quantidade de trabalho infantil na cadeia de fornecimento do cacau deve ser aceitável.»
Ao abrigo desse programa, a Modelez tinha abrangido, até ao final de 2020, mais de 167 mil quintas de produção de cacau que abastecem o seu negócio no Gana, na Costa do Marfim, na Indonésia, na República Dominicana e no Brasil, indica o The Guardian.
Ao ser confrontada com as imagens reveladas pelo programa «Dispatches», a empresa manifestou-se «profundamente preocupada», defendeu o «bem-estar» das crianças e das famílias, e comprometeu-se a investigar a situação.
Indústria do chocolate, pobreza e trabalho infantil
O Gana é o segundo maior produtor de cacau, depois da Costa do Marfim, e a colheita é uma das suas exportações mais importantes.
Uma pesquisa realizada entre 2017 e 2018 deixa em evidência a exploração laboral nos principais pólos de produção de cacau no Brasil, onde o recurso a mão-de-obra infantil é habitual. Cerca de 8000 crianças e adolescentes brasileiros trabalham na cadeia produtiva do chocolate, de acordo com um relatório apresentado no final do mês passado, em Brasília. O informe resulta de uma pesquisa realizada pela Papel Social, entre Julho de 2017 e Junho de 2018, por encomenda da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT). O Brasil é o sétimo produtor de cacau no mundo (o primeiro é a Costa do Marfim) e o segundo da América do Sul (depois do Equador). No Brasil, a produção ocorre em oito estados, com destaque para a Bahia (responsável por 45,1% do volume total) e para o Pará, que é responsável por 49,3% da produção. É também nestes dois estados que se encontram os dois maiores municípios produtores de cacau do país: Ilhéus (na Bahia) e Medicilândia (no Pará). No estado do Pará, o sector é responsável por 255 mil empregos, sendo que o principal pólo produtor se encontra localizado ao longo da Rodovia Transamazónica, onde se concentram 62,7% da produção estadual e 25,1% da produção do Brasil. De acordo com o estudo da Papel Social, os municípios que bordejam esta ligação rodoviária registam altos níveis de «vulnerabilidade social e baixa escolaridade». Aqui, os índices de desenvolvimento humano municipal são baixos, mesmo para os padrões do Pará. A pesquisa agora apresentada foi encomendada pela OIT e o MPT à Papel Social, na sequência de denúncias de ocorrência de trabalho infantil e trabalho escravo na cadeia produtiva do cacau, que foram efectivamente confirmadas. O propósito da pesquisa foi também o de aprofundar o conhecimento da cadeia, visando «superar as violações existentes e propor caminhos para o trabalho decente». De acordo com os depoimentos de famílias recolhidos na pesquisa, os baixos salários pagos pelos intermediários [atravessadores, aqueles que fazem o escoamento das amêndoas de cacau para a indústria, as «moageiras»] estão na origem do trabalho infantil disseminado na produção do cacau. Apesar de o cacau ser considerado de alta qualidade, o preço pago pelos intermediários é tão baixo que as famílias, exploradas, não conseguem «fechar as contas» no fim do mês sem o trabalho das crianças e adolescentes. O Brasil de Fato conversou com o director executivo da Papel Social, Marques Casara, que sublinhou a necessidade da responsabilização da indústria. «A conclusão principal do estudo é de que a prática do trabalho infantil é recorrente na base da cadeia produtiva do cacau. Ela beneficia directamente grandes processadoras de cacau sediadas no Brasil e vinculadas a empresas multinacionais e também às principais indústrias de alimentos que comercializam o chocolate», disse Casara. Questionado pelo Brasil de Fato sobre o modo como as multinacionais do sector da alimentação e de processamento de cacau para fabricação do chocolate beneficiam do trabalho infantil, o director da Papel Social sublinhou que elas «conseguem um produto mais barato quando as famílias usam os seus filhos nas etapas de colheita e do primeiro beneficiamento do cacau, que é feito na própria terra, na propriedade, que é a fermentação desse cacau». «O preço que é pago pelas moageiras, via atravessadores, não permite que o agricultor possa contratar o serviço de uma pessoa adulta para ajudar nessa actividade. Então, esses agricultores colocam os seus filhos e entregam o cacau para atravessadores que posteriormente vendem para grandes empresas», explicou, acrescentando que este «negócio é totalmente à margem da legislação, porque é feito sem nota e sem nenhuma actuação de acordo com as obrigações fiscais». Sobre a questão da responsabilidade nesta situação, Marques Casara aponta o dedo às multinacionais de cacau e chocolate, porque, sobre o monitoramento da cadeia produtiva, as corporações dizem uma coisa, mas, quando se verifica «as práticas que elas dizem adoptar, elas de facto não são adoptadas», enfatiza. Também há responsabilidades da parte do governo federal, na medida em que «sucateou os órgãos de fiscalização ou cortou brutalmente as verbas usadas nas operações de fiscalização – que não permitem que os fiscais, que os auditores do trabalho possam sair dos seus escritórios e verificar quais são as condições de trabalho no campo», denuncia. «Todo chocolate à venda hoje no Brasil está contaminado pelo trabalho infantil. Essa informação eu posso dizer de forma categórica», frisou, explicando que, «como não há monitoramento da origem deste cacau, mesmo o cacau que não foi produzido pela mão-de-obra infantil é indistinguível». Sobre a realização da pesquisa, disse que o que mais o impressionou «foi a situação de abandono das famílias por parte da cadeia produtiva, que precisa delas para obter lucros bastante significativos». «A família produtora de cacau é o principal actor nessa cadeia e, ao mesmo tempo, é a principal vítima de um processo predatório, desumano, e que não leva em conta os direitos fundamentais da pessoa humana. A situação é muito grave», denunciou. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Mão-de-obra infantil e trabalho escravo contaminam a produção cacaueira do Brasil
Trabalho infantil e trabalho escravo
«Todo chocolate à venda no Brasil está contaminado pelo trabalho infantil»
Processo predatório e desumano
Contribui para uma boa ideia
Apesar de em 2001 a indústria do chocolate ter decidido acabar com o trabalho infantil nas quintas do cacau, envolvendo grandes empresas como a Nestlé, a Mars Wrigley e a Mondelez, o «protocolo» demorou a ser aplicado e mesmo o objectivo de reduzir em 70% as piores formas de trabalho infantil na África Ocidental, em 2020, não foi alcançado, revela o The Guardian.
Um estudo do grupo de investigação NORC, da Universidade de Chicago, em 2020, mostrou que mais 1,5 milhão de crianças estavam envolvidas na indústria do cacau no Gana e na Costa do Marfim.
Joanna Ewart-James, directora da Freedom United, uma ONG que luta pelo fim do trabalho infantil na cadeia de abastecimento do cacau, destacou que a escravidão e o trabalho infantil marcam a indústria do cacau na Costa do Marfim e no Gana porque os agricultores são pobres e não têm rendimentos suficientes para contratar a força de trabalho de que necessitam.
De acordo com a ONG, a Mondelez, tal como outras empresas, investiu em iniciativas comunitárias para combater o trabalho infantil, mas precisa de pagar mais aos agricultores pelo cacau.
Contribui para uma boa ideia
Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.
O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.
Contribui aqui