Entre Atocha e Cibeles
Desde cedo surgem os primeiros indícios de uma grande manifestação. Vão aparecendo, de entre a massa densa de turistas e madrilenos, bandeiras isoladas das organizações participantes e desenrolam-se as primeiras faixas. Ao longo do troço inicial do Passeo del Prado, dispõem-se dezenas de estruturas de defesa da paz cuja mobilização é engrossada pelos milhares de madrilenos que saem à rua, sozinhos ou com família e amigos, para dar força ao protesto. Vêm de mãos soltas ou seguram cartazes improvisados e procuram um espaço no asfalto. Os carros de som e os megafones iniciam, um a um, a cacofonia de palavras de ordem, marcando o ritmo da manifestação.
A dianteira do desfile organiza-se mesmo em frente ao Museu do Prado, assinalada por uma carrinha decorada com palavras de ordem e carregada com um potente sistema de som. Atrás seguem pequenas faixas em que as mesmas frases se lêem em várias línguas. Junto ao portão do Jardim Botânico organizam-se as estruturas de juventude espanholas e de outras nacionalidades, e no seu encalço os partidos políticos espanhóis aderentes ao protesto.
A meio caminho, na Plaza Cibeles, onde o meio do desfile chega por volta das 13h, é possível ter ideia da dimensão do protesto, com milhares de pessoas já a caminho da Plaza de España, destino final da manifestação, e outras tantas ainda à espera para contornar a emblemática praça madrilena.
«NATO Não! Bases fora!»
A este grito particularmente agregador da manifestação junta-se o «Yes to Peace! No to NATO!», proclamado em diferentes línguas. Numa faixa que se eleva sobre as cabeças dos manifestantes afirma-se «Gastos militares, guerra contra a classe operária», perto de outro pano onde se lê «Não à OTAN! Não à Guerra imperialista!». Com várias formulações, é unânime o apelo à paz, ao diálogo e à negociação expresso em cartazes e pancartas seguradas pelos madrilenos e outros participantes do protesto. Percorrendo do início ao fim a extensão do cortejo, não escapam à atenção as palavras duras entoadas por muitos contra o governo espanhol, anfitrião da cimeira e apelidado de «imperialista», «belicista» e, ironicamente, «progressista» por várias das forças políticas que desfilaram em Madrid este início de tarde.
A ampla mobilização contra a NATO significou também que poucos foram os focos de conflito no mundo que escaparam ao radar dos manifestantes. Entre eles encontrámos quem trouxesse para a rua a luta pela paz na Palestina e na Ucrânia, pelo fim da ingerência dos EUA nos países latino-americanos, no Médio Oriente e na Ásia, pelo fim das sanções.
A morte, nesta sexta-feira, de mais de três dezenas de migrantes em Melilha, quando tentavam entrar pela fronteira hispano-marroquina naquele território espanhol no Norte de África, também não foi esquecida nos protestos de hoje.
«Maior operação policial em 45 anos»
O contingente policial destacado para Madrid enquanto decorre a cimeira da NATO é o maior de sempre, superando o destacado para eventos como as Jornadas Mundiais da Juventude e a investidura de Filipe VI, e as aparências deste dia estiveram à altura. Logo pela manhã, a zona de onde partiu o protesto estava pontilhada de agentes e veículos das forças de segurança, que procederam, com grande antecedência, o fecho de um dos sentidos da via. Perto das 11h30, alinham-se junto ao passeio dezenas de viaturas e inicia-se um processo curioso de vistoria aos manifestantes que vão chegando aos pontos de concentração. Abrem-se malas e mochilas a quem vai querendo subir o Paseo del Prado, com especial cuidado para não incomodar os turistas na avenida.
Com o desfile prestes a arrancar, cada um dos pontos de concentração está acompanhado de uma carrinha policial e um corpo de agentes, que vistoriam a entrada dos grupos na ordem das organizações. Para algumas, a polícia monta uma escolta discreta mas bem equipada, que acompanha milimetricamente os militantes ao longo de todo o percurso. Paralelamente, boa parte das organizações destaca alguns dos seus membros para, com atenção redobrada, garantirem a segurança dos manifestantes.
Portugal presente na manifestação
De Portugal viajaram, segundo a agência Lusa, significativas delegações do Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC) e da Juventude Comunista Portuguesa (JCP). Também uma representante do Movimento Democrático de Mulheres (MDM), Regina Marques. e um deputado ao Parlamento Europeu, João Pimenta Lopes (PCP), se juntaram à manifestação de Madrid.
Em declarações à Lusa, Julie Neves (CPPC) condenou «todas as guerras e todas as ocupações», como a da Ucrânia pela Rússia, e defendeu que «a dissolução da NATO é determinante para alcançar a paz». A oposição a esta aliança militar é «uma linha determinante» para o CPPC, afirmou Julie Neves, sublinhando que está em causa «o cumprimento da própria Constituição da República Portuguesa, onde está prevista a dissolução dos blocos político militares».
Regina Marques (MDM), afirmou estar «contra as guerras, contra as guerras todas» e destacou o papel agressivo do bloco militar que, desde a cimeira de Lisboa, em 2010, tomou a «decisão histórica de alargamento a regiões não atlânticas» e se expande «com armas, não com diálogo».
A agência noticiosa portuguesa ouviu Gonçalo Francisco (JCP), enquanto a delegação dos jovens portugueses desfilava ao grito de «Para a guerra milhões, para os povos só tostões». «A guerra não serve os povos nem a juventude e é preciso denunciar o papel que a NATO tem», afirmou Gonçalo Francisco, condenando a intenção do governo português de aumentar o orçamento «para o negócio do armamento» quando «a juventude passa por tantas dificuldades» e «há carências, por exemplo, ao nível da saúde».
Em directo a partir da manifestação, o deputado europeu João Pimenta Lopes, através do Twitter, rejeitou o branqueamento de responsabilidades «dos Estados Unidos, da NATO e da União Europeia», e o aumento de dinheiro «para o militarismo e guerra, mais armas, reforço de parcerias belicistas, o militarismo como a norma nas relações internacionais».
O deputado salientou que «a solução política dos conflitos não deve ser substituída pela escalada da guerra, da confrontação, das sanções» e sublinhou a importância de juntar vozes «contra a escalada de guerra e confrontação, contra as sanções, em defesa da paz, do diálogo, da solução negociado dos conflitos, de acordos que garantam a segurança e a cooperação nas relações internacionais».
A Cimeira da Nato em Madrid
A cimeira da NATO, que se realiza em Madrid de 28 a 30 de Junho, ocorre no mês em que se assinalam 40 anos da adesão da Espanha à aliança militar patrocinada pelos EUA.
Será marcada pela apreciação dos pedidos de adesão da Suécia e da Finlândia à organização, formulados após a intervenção militar da Rússia na Ucrânia, aos quais a Turquia continua a opor-se.
A cimeira decorrerá debaixo de fortes constrangimentos à vida normal na maior cidade de Espanha, tendo os madrilenos de contar nos próximos dias com encerramentos de estações de metropolitano, vias principais com trânsito condicionado e mesmo a recomendação de recurso ao tele-trabalho. Uma manifestação agendada para dia 29, em plena cimeira, não foi autorizada pelas autoridades espanholas.
Contribui para uma boa ideia
Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.
O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.
Contribui aqui