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BCE aumenta novamente as taxas de juro de referência

A medida tomada para contrariar a inflação não actua sobre os lucros desproporcionados das grandes empresas que são dos maiores factores inflacionistas.

Christine Lagarde durante a conferência de imprensa a 8 de Setembro. 
CréditosRONALD WITTEK / EPA

O Banco Central Europeu (BCE) aumentou esta quinta-feira em 0,75 pontos percentuais as suas taxas de juro de referência, tendo este aumento um forte impacto, entre outras coisas, nas prestações aos bancos que pagam, pelas suas casas, grande parte dos portugueses.

Em Julho, pela primeira vez desde 2011, a entidade liderada por Christine Lagarde tinha realizado uma subida das taxas de juro de 0,5 pontos percentuais e, na altura, a presidente do BCE tinha sinalizado a possibilidade de fazer um movimento semelhante na reunião de Setembro.

A persistência da escalada da inflação, que em Agosto atingiu os 9,1% na zona euro, e a depreciação forte do euro face ao dólar, que faz subir os preços dos produtos importados, fez com que os responsáveis do banco central acabassem por decidir acelerar o ritmo de subida das taxas de juro.

No comunicado em que anunciou a decisão, o conselho de governadores do BCE explicou que tomou esta resolução porque «a inflação mantém-se demasiado alta e deverá ficar acima do objectivo por um período prolongado de tempo».

Tudo indica que, até ao final do ano, o BCE venha a elevar ainda mais as suas taxas de juro, depois de vários anos de taxas de juro historicamente baixas. No comunicado, os responsáveis do banco central afirmam que, «nas próximas reuniões, o conselho de governadores espera subir ainda mais as taxas de juro para limitar a procura e evitar o risco de uma subida persistente das expectativas de inflação».

O BCE tenta, por esta via, arrefecer o nível de consumo e de investimento, na esperança que tal possa conduzir também a um abrandamento dos preços, trazendo de volta a inflação na zona euro para o objectivo de médio prazo de 2%.

O risco, assumido pelos próprios responsáveis do BCE, é que estas medidas de «arrefecimento da economia» façam a zona euro mergulhar numa espiral recessiva. Vários indicadores económicos apontam já para a possibilidade de uma contracção da economia europeia durante o terceiro trimestre deste ano, algo que pode acelerar com a subida dos juros decidida pelo BCE.

Para além disso, é possível discutir a eficiência da medida e a sua justeza. A inflação começou a subir, depois da pandemia, por problemas na cadeia de distribuição mundial, durante a retoma económica; e agravou-se com a guerra e as subida dos preços dos combustíveis e da energia, acompanhadas com o aumento desproporcionado das margens de lucro de muitas das grandes empresas.

Ora, este aumentos das taxas de juro de referência não actuam em nenhum desses patamares e, pelo contrário, prejudicam ainda mais as pessoas que vivem do seu trabalho e têm necessidade contrair créditos para despesas tão básicas como a habitação.

As alterações das taxas de juro de referência do BCE reflectem-se, de forma muito rápida e até de forma antecipada, nas taxas de juro Euribor que, em Portugal, mais do que na média da zona euro, são o indexante da grande maioria dos empréstimos contratados.

Nos últimos meses, a subida registada nas Euribor já tem significado para as famílias e empresas um agravamento das prestações de crédito que têm de pagar ao banco. Quanto mais rápido for o ritmo de subida de taxas de juro seguido pelo BCE, mais brusco será o aumento dessas prestações.

A subida dos lucros explica mais de metade da inflacção

Um novo estudo publicado pelo BCE no boletim económico de Agosto de 2022 indica que os lucros das empresas (sobretudo se excessivos e desligados dos fundamentos económicos) também fazem parte da equação e são um risco que pode alimentar a cavalgada dos preços.

«Uma inflação elevada e persistente aumenta o risco de efeitos de segunda ordem que se materializam através de salários mais elevados e margens de lucro mais elevadas», considera o estudo feito pelos economistas do BCE Niccolò Battistini, Helen Grapow, Elke Hahn e Michel Soudan.

Os economistas do BCE consideram que o peso dos salários é hoje menor no cardápio de custos que influenciam a inflação fruto das reformas estruturais que tiveram lugar nas últimas décadas e que foram retirando poder aos trabalhadores.

A desregulamentação das leis do trabalho, a redução das taxas de sindicalização, a redução do pelo da contratação coletiva, são alguns dos fatores apontados. Outros economistas referem que é uma herança da pandemia.

Ao nível das instituições do mercado de trabalho, tudo aponta para «uma indexação salarial menos generalizada e um menor grau de sindicalização». Os trabalhadores parecem ter cada vez menos poder negocial, basicamente, inferem os peritos do BCE.

Tudo considerado, eles defendem que, porventura, os salários sejam hoje um fator inflacionista menos ameaçador do que no passado e que as margens de lucro das empresas (ou se alguns setores mais poderosos nesta capacidade de estabelecer esses preços) passem a ser seguidas com maior atenção.

O norte-americano Josh Bivens, diretor de investigação no Economic Policy Institute (EPI) e professor da Universidade de Maryland (EUA), não tem grandes dúvidas. Olhando para a realidade da economia dos Estados Unidos, Bivens, citado pelo Dinheiro Vivo, conclui que «os lucros das empresas têm contribuído desproporcionadamente para a inflação».

A ideia deste economista é que durante a pandemia o emprego foi relativamente protegido e o desemprego acabou por ficar estável. Ou seja, o fator trabalho nunca foi realmente um constrangimento e não foi decisivo para determinar o nível inflação atual, como o foi no passado.

O que mudou no ambiente foram os congestionamentos crescentes no fornecimento de matérias primas e componentes a nível global. Isso começou a ser visível em 2021, muito antes da guerra da Rússia contra a Ucrânia, com falta de matérias alimentares, de fertilizantes, sementes, componentes automóveis, semicondutores, capacidade de transporte global (fretes marítimos, por exemplo).

Segundo o professor, «desde a recessão da covid-19, iniciada no segundo trimestre de 2020, os preços globais no setor das empresas não financeiras subiram a uma taxa anualizada de 6,1% -- um valor muito mais pronunciado face ao crescimento de preços de 1,8% que caracterizou o ciclo económico pré-pandémico de 2007-2019».

«De forma impressionante, mais de metade deste aumento (53,9%) pode ser atribuído a margens de lucro mais amplas, sendo que os custos de mão-de-obra contribuíram menos de 8% para este aumento.»

Ao contrário de alguns governos europeus, o executivo dirigido por António Costa tem-se recusado taxar os lucros extraordinárias das grandes empresas energéticas e das grandes superfícies do comércio grossista.

«Todos nós vamos ao supermercado, constatamos que a fatura hoje está efetivamente bastante acima. Agora, está por via das margens da distribuição, por via das margens de quem vende os produtos à distribuição? Tem de ser analisado para ver onde é que estão esses sobreganhos e depois, também ver outra coisa, que é se esses sobreganhos são ou não justificados», disse aos jornalistas para justificar nada fazer nesta matéria.

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