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MST publica carta em defesa da agricultura familiar e contra o latifúndio

Numa «Carta ao Povo Brasileiro», o MST faz uma leitura da situação política e apresenta várias propostas relacionadas com a reforma agrária e a agroecologia, que encaminhará ao governo de Lula da Silva.

CréditosRicardo Stuckert / Brasil de Fato

O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) publicou, esta terça-feira, uma carta aos brasileiros, na qual defende várias «propostas e ideias», sublinhando que irá contribuir «de todas as formas possíveis para que elas sejam aplicadas».

Louvando a vitória de Lula da Silva nas presidenciais como «fruto de uma ampla aliança social de todas as forças progressistas», o MST destaca o combate à fome e ao desemprego entre os desafios urgentes que o governo liderado pelo petista tem pela frente, e aponta a necessidade de «investimentos pesados em educação e saúde».

«O Brasil vive a pior crise de sua história, que se manifesta na economia, na sociedade, no aumento da desigualdade social, nos crimes ambientais, na fome, no desespero e falta de perspectiva que atinge mais de 70 milhões de trabalhadores», denunciam os sem-terra na carta.

«Tudo isso se aprofundou nos últimos seis anos, após o golpe contra o Governo Dilma e os quatro anos de um governo neoliberal com práticas fascistas e autoritárias», notam.

Defesa da agricultura familiar

No que respeita ao campo, o MST elogia o modelo da agricultura familiar, que «protege a natureza e se dedica a produzir alimentos para suas famílias e para o mercado interno».

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MST: há 38 anos a lutar pela democratização da terra no Brasil

O MST surgiu em Janeiro de 1984, em Cascavel (Paraná). Num encontro nacional, os trabalhadores do campo definiram como principais objectivos a luta pela terra, pela reforma agrária e por mudanças sociais.

O MST reafirma a luta pela Reforma Agrária, a defesa da soberania nacional e a denúncia das agressões do capital
Numa «Carta ao Povo Brasileiro», lançada em Janeiro de 2020, o MST reafirmou a luta pela reforma agrária, a defesa da soberania nacional e a denúncia das agressões do capital Créditos / sul21.com.br

No 1.º Encontro Nacional Sem Terra, «esteve presente a classe trabalhadora rural de 12 estados do Brasil», refere o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que nasceu num contexto marcado pela agitação social, o declínio da ditadura militar, a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT; 1980) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT; 1983).

Em Cascavel, no Sul do Brasil, foram abordadas as principais lutas travadas pelo «povo sem terra» face às políticas governamentais sobre a questão fundiária brasileira, e foi afirmada a «indignação» dos trabalhadores do campo relativamente às desigualdades sociais, à fome, à miséria, ao desemprego, bem como à impunidade de centenas de assassinatos de camponeses devido a conflitos de terra.

«A situação de opressão e exploração a que cada vez mais são submetidos os lavradores e os sem-terra em suas lutas de defesa fazem com que estes comecem a agir contra o projeto da burguesia, que quer se apropriar de toda a terra e, em vez de só se defenderem, começam a luta pela reconquista», declara uma carta subscrita no encontro.

Definição de princípios e linhas de acção: a «terra para quem nela trabalha»

Um ano depois da fundação do movimento, teve lugar o primeiro Congresso Nacional do MST, no qual se afirmou que «sem a terra não há democracia». O congresso, que decorreu entre 29 e 31 de Janeiro de 1985, foi um marco histórico para os sem-terra. Ali foram construídos os lemas «Terra para quem nela vive e trabalha» e «Ocupação é a Única Solução».

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MST nasceu há 37 anos: a «terra para quem nela vive e trabalha»

O MST surgiu em Janeiro de 1984, num encontro nacional de trabalhadores do campo celebrado em Cascavel (Paraná). A luta pela terra, pela Reforma Agrária e por mudanças sociais eram objectivos primeiros.

A distribuição de alimentos saudáveis em todo país é uma das acções do MST durante pandemia da Covid-19
Créditos / MST

No 1.º Encontro Nacional Sem Terra, «esteve presente a classe trabalhadora rural de 12 estados do Brasil», lê-se no portal do MST. Num contexto marcado pela agitação social, o declínio da ditadura militar, a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT; 1980) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT; 1983), ali haveria de nascer o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

No encontro, foram abordadas as principais lutas travadas pelo «povo sem terra» face às políticas governamentais sobre a questão fundiária brasileira, e foi afirmada a «indignação» dos trabalhadores do campo relativamente às desigualdades sociais, à fome, à miséria, ao desemprego, bem como à impunidade de centenas de assassinatos de camponeses devido a conflitos de terra.

«A situação de opressão e exploração a que cada vez mais são submetidos os lavradores e os sem-terra em suas lutas de defesa fazem com que estes comecem a agir contra o projeto da burguesia, que quer se apropriar de toda a terra e, em vez de só se defenderem, começam a luta pela reconquista», lê-se numa carta subscrita no encontro.

A «terra para quem nela vive e trabalha»

Um ano depois do encontro que marcou a fundação do movimento, realizou-se o primeiro Congresso Nacional do MST, afirmando que «Sem a terra não há democracia». O congresso, que decorreu entre 29 e 31 de Janeiro de 1985, foi um marco histórico para os sem-terra. Ali se construíram os lemas «Terra para quem nela vive e trabalha» e «Ocupação é a Única Solução», sublinhando que a democracia no Brasil tinha de passar pela reforma agrária.

Nos anos seguintes, «foi por meio das ocupações de latifúndios que o povo sem terra se rebelou contra o monopólio da terra pela classe dominante, cultivando a terra e as suas culturas por diversos estados do país», destaca o portal do MST.

Com o passar dos tempos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra foi conquistando reconhecimento a nível nacional e internacional, ganhou legitimidade enquanto «movimento de massas e luta da classe trabalhadora do campo por justiça social e uma vida digna», e foi integrando novas lutas no seu acervo, nomeadamente em defesa da soberania alimentar, da cultura e educação popular, da saúde comunitária e do Sistema Único de Saúde para toda a sociedade brasileira.

Mais de 3000 toneladas de alimentos doadas em 2020

O MST completa 37 anos de existência num contexto de pandemia e mostrando a força da agricultura familiar e da sua organização de base. Apesar dos ataques do governo de Bolsonaro, o movimento doou mais de 3000 toneladas de alimentos em 2020, para ajudar a população a enfrentar a pandemia do novo coronavírus.

Sobre isto e as expectativas para 2021, o Brasil de Fato conversou com Maria de Jesus Santos Gomes, figura histórica do movimento, que participou na primeira ocupação de terra no seu estado – o Ceará –, em 1990, e hoje integra a direcção nacional e o sector de educação do MST.


Na entrevista, Gomes fala sobre o desafio do protagonismo feminino no movimento e aponta a agro-ecologia como saída para a crise alimentar no país. «A opção pela produção saudável tende a crescer no Brasil e a única classe que pode ofertar alimentos saudáveis é a classe camponesa. Somos nós, os agricultores e agricultoras desse país», sublinha.

Sobre o desmantelamento de políticas públicas aprofundado pelo governo de Bolsonaro, além do apoio incondicional a ruralistas e até o incentivo à violência no campo, Maria de Jesus explica as contradições pregadas pelo agronegócio e reforça que o movimento seguirá firme em defesa das bandeiras populares.

«Nós sabemos o que queremos com o campo brasileiro: nós queremos a reforma agrária popular. E, como esse programa não se realizou, nós estamos muito firmes na defesa desse projecto. O agronegócio não tem capacidade de fornecer alimentos para a população brasileira, porque o propósito dele não é esse», aponta.

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Ali, foi definida a principal estratégia de acção política do movimento nos anos seguintes: a ocupação popular de terras improdutivas para a reforma agrária, sublinhando que a democracia no Brasil tinha de passar pela reforma agrária.

Em declarações citadas pelo Brasil de Fato, Izabel Grein, militante do MST, afirmou: «O movimento nasce da experiência da força colectiva. Eu acho que essa é uma primeira questão que a gente aprende no movimento: a clareza e a coerência com os objectivos e os princípios organizativos que esse movimento se pautou lá no início.»

«O princípio da necessidade da luta pela terra, da organização colectiva, da necessidade da Reforma Agrária e da transformação da sociedade para poder fazer uma verdadeira distribuição de terra no país. Não só uma distribuição, mas uma nova forma de olhar a questão da terra na sociedade», disse.

Actualmente, o MST é composto por cerca de 550 mil famílias assentadas e acampadas, organizadas em 24 estados brasileiros, que participam 1900 associações comunitárias, 160 cooperativas e 120 agro-indústrias, produzindo alimentos saudáveis, refere o Brasil de Fato.

Cozinha Solidária do MST em Maceió, no estado de Alagoas / MST

Campanha contra a fome

Desde o início da pandemia de Covid-19, em 2020, o MST levou a cabo várias campanhas de solidariedade, tendo doado mais de 6000 toneladas de alimentos e mais de 1,1 milhões de marmitas para pessoas e famílias em situação de fome e insegurança alimentar.

Este balanço foi feito após a conclusão da campanha «Natal Sem Fome», promovida pelo movimento entre Dezembro de 2020 e o início de Janeiro, no âmbito da qual cerca de 250 mil pessoas receberam alimentos, marmitas solidárias e ceias especiais de Natal em 24 estados do Brasil.

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Por contraste, critica duramente o «latifúndio predador, que enriquece com a especulação imobiliária e a apropriação das riquezas naturais», e o agronegócio, que «produz apenas commodities agrícolas para exportação».

«Os fazendeiros enriquecem, mas não pagam impostos à sociedade graças às isenções das exportações e agridem a natureza com o desmatamento, o uso de agrotóxicos e o monocultivo», denuncia o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra.

Relativamente às políticas agrícolas que devem ser implementadas pelo governo de Lula, o MST defende, entre outras, a distribuição de terras de latifúndios para pequenos produtores, principalmente nas proximidades das grandes cidades, bem como um programa urgente de máquinas agrícolas para esses produtores.

Combate à exploração, defesa de políticas públicas e educação, de agroecologia e desflorestação zero

Entre as propostas e ideias apresentadas no documento, contam-se o «desmatamento zero» e um Plano Nacional de Reflorestamento, e a aposta na agroecologia, como modelo tecnológico que busca produzir alimentos saudáveis respeitando a natureza.

A urgência de aplicação de diversas medidas públicas também é apontada, com vista à soberania alimentar, ao aumento dos rendimentos dos agricultores, das mulheres e jovens trabalhadores do campo.

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«Precisamos de um programa de emergência para tirar o Brasil do atraso»

Em entrevista ao Brasil de Fato, Alexandre Conceição, do MST, abordou questões que os trabalhadores do campo enfrentaram e alertou para a necessidade de um de um projecto amplo e colectivo para 2022.

Créditos / MST / Brasil de Fato

De acordo com os dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra, no período entre Janeiro e Agosto deste ano registou-se um aumento nos índices de violência e assassinatos em conflitos no campo.

Questionado pelo Brasil de Fato sobre as eventuais questões que influenciaram este aumento, Alexandre Conceição, da direcção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), afirmou que «a luta pela terra sempre acarreta violência».

«Primeiro, a violência do latifúndio, da concentração de terras, e, com o governo fascista e ultra-neoliberal do Jair Bolsonaro, essa violência aumentou muito mais. Porquê? Porque trouxe para o Palácio do Planalto e para as instituições do Estado brasileiro as milícias e o latifúndio atrasado e escravocrata, que gera a violência do campo», explicou.

«o governo de Bolsonaro "é um governo de conflito com aqueles que sempre defenderam a natureza, a reforma agrária e a democracia"»

Sobre aquilo que mudou, Conceição destacou a destruição das políticas públicas e do programa de reforma agrária, «garantido na nossa Constituição», bem como de outros programas públicos relativos à comercialização e produção de alimentos, ou de «subsídios para que a agricultura familiar siga produzindo alimentos».

«O governo destruiu isso e, ao mesmo tempo, abriu as portas para que a grilagem de terra, através do latifúndio, aumentasse ainda mais», sublinhando que o governo de Bolsonaro «é um governo de conflito com aqueles que sempre defenderam a natureza, a reforma agrária e a democracia».

No que respeita aos grandes confrontos que a luta dos camponeses manteve em 2021, o dirigente do MST apontou «três grandes inimigos»: o latifúndio, que «não produz alimentos e está devastando a natureza»; o governo, com uma política de devastação da Amazónia e de expansão da fronteira agrícola para a produção de commodities; o Congresso Nacional, por destruir o orçamento das políticas públicas para a reforma agrária e a agricultura familiar.

No entanto, mesmo num contexto de pandemia – «que nos fez segurar um pouco mais as lutas políticas» –, Alexandre Conceição afirmou com clareza que os camponeses venceram «esses ataques frontais em 2021». «O governo quis nos atacar, mas nós vencemos. Nós não perdemos nenhum assentamento e nenhum acampamento. Conseguimos produzir alimentos e distribuir mais de 5 mil toneladas de alimentos para o povo brasileiro», sublinhou.

«O governo quis nos atacar, mas nós vencemos. Nós não perdemos nenhum assentamento e nenhum acampamento.»

Outro elemento destacado foi a produção de mais alimentos saudáveis, também para combater aquilo que o MST já vinha a alertar desde 2015, que a fome voltaria ao Brasil «por conta da inflação e por conta da política neoliberal adoptada pelo governo Temer e de Bolsonaro».

«Nesse sentido – disse – produzimos alimentos para nos abastecer, nos alimentar e, ao mesmo tempo, atender as milhões de famílias que hoje passam fome. São mais de quinze milhões de pessoas que acordam e não tem o que comer», sublinhando o papel solidário da reforma agrária popular, que tem em curso a campanha «Natal Sem Fome».

Trata-se de uma campanha nacional do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra que visa ajudar «milhões de trabalhadores» que perderam empregos, casas, familiares, «e não têm o que comer», explicou.

Alexandre Conceição / Divulgação MST

Questionado sobre o papel dos movimentos populares do campo na defesa da soberania alimentar, Alexandre Conceição afirmou que esta é o oposto do que o governo de Bolsonaro tem feito.

«Soberania significa a gente ter acesso à terra e ter direito de escolher o que produzir, como produzir e como se alimentar», frisou, acrescentando que a soberania alimentar passa também «pela distribuição da terra, pelo cuidado com a natureza e, ao mesmo, a produção de alimentos saudáveis, para que a gente tenha uma agricultura familiar pujante no Brasil», que «produz 70% de todos os alimentos que vão para a mesa dos brasileiros».

«Estamos indo na contramão do governo e o governo está indo na contramão do povo brasileiro», disse.

No que respeita às perspectivas para 2022, o dirigente do MST disse que o movimento tem pela frente «grandes tarefas», sendo uma das principais «recuperar a nossa democracia, que nos foi roubada no golpe da presidente Dilma».

«Estamos indo na contramão do governo e o governo está indo na contramão do povo brasileiro»

Nesse sentido, indicou que o MST quer organizar uma «ampla campanha, massiva, popular», para discutir um projecto e um programa de emergência «para tirar o Brasil do atraso, do fascismo, da fome e da miséria em que nos encontramos». E isso passa pela eleição de Lula da Silva para presidente da República.

Outra tarefa – a que o MST vai dar continuidade – é da organização do povo, «ocupando o latifúndio, construindo e debatendo com a sociedade a reforma agrária popular».

«Porque a reforma agrária popular é justamente isso: precisamos da terra para que a terra dê a resposta de alimentação, emprego e rendimento para a sociedade brasileira», afirmou.

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«Devemos combater todas as forças de exploração no campo, como o trabalho escravo, e as péssimas condições dos assalariados sem direitos trabalhistas. Devemos combater o garimpo e ação perversa das mineradoras que depredam nosso meio ambiente e riqueza natural apenas em função do lucro privado. Os bens da natureza devem estar subordinados às necessidades de todo povo», sublinha o MST no texto.

A implementação de um amplo programa de educação e cultura, que permita erradicar o analfabetismo no meio rural e preservar as manifestações e expressões culturais do povo, é igualmente referida pelo MST, que se mostra disposto a combater todas as formas de discriminação, racismo e intolerância «alimentadas pelo bolsonarismo fascista».

Na conclusão do documento, os sem-terra consideram que a sua «missão maior é seguir organizando o povo, para que lute por seus direitos», «pois sabemos que sem mobilização popular não haverá nenhuma mudança verdadeira no país».

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