|Comissão de inquérito à TAP

O PSD, a TAP, Fernando Pinto e a Atlantic Gateway

O PSD esteve no governo entre 2011 e 2015, manteve Fernando Pinto à frente da TAP e da Manutenção Brasil (da qual nunca se desfez). Agora, não se pode colocar de fora na responsabilidade pelo buraco de mil milhões.

CréditosTiago Petinga / lusa

As audições de Pedro Marques (ministro das Infraestruturas no primeiro governo do PS/António Costa) e Sérgio Monteiro (secretário de Estado dos Transportes no governo PSD/CDS), principalmente a deste último, foram responsáveis por uma parte da narrativa, laboriosamente construída pelo PSD, ter explodido na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP (CPI). O responsável chama-se Fernando Pinto.

Sérgio Monteiro, ouvido esta quarta-feira, nunca teve resposta para uma questão muito simples. O negócio da compra da Manutenção Brasil foi um desastre para a TAP, e custou-lhe cerca de mil milhões de euros, mas o principal responsável dessa aquisição foi Fernando Pinto (responsabilidades partilhadas do ponto de vista político com o Governo PS/José Sócrates). Ora, o PSD esteve 5 anos no governo, entre 2011 e 2015, manteve Fernando Pinto à frente da Manutenção Brasil e da TAP e nunca se desfez da Manutenção Brasil. Agora, não se pode colocar de fora da responsabilidade política por um buraco de mil milhões que cresceu perante a denúncia pública desse crescimento feita, nomeadamente pelos trabalhadores da TAP, perante a indiferença dos sucessivos governos. 

O ex-secretário de Estado de Passos Coelho ainda ensaiou uma justificação. Que entre 2011 e 2014 os resultados líquidos da Manutenção Brasil tinham melhorado (respectivamente, prejuízos de 62,7 milhões em 2011, de 50,2 milhões em 2012, de 41 milhões em 2013 e de 22 milhões em 2014). Mas logo foi «recordado» pelo deputado Bruno Dias que, em 2015, esses prejuízos voltaram a crescer para 40,2 milhões, e que a dívida da Manutenção Brasil à TAP SGPS cresceu, de 491,6 milhões de reais em 2010 para 1406,3 milhões de reais em 2015. Isto é, a dívida triplicou nesses 5 anos de governação PSD/CDS. Sérgio Monteiro ainda protestou com o facto dos últimos números estarem em reais, mas foi-lhe explicado que esses dados só aparecem nos Relatórios e Contas da Manutenção Brasil, que só foram revelados à CPI a pedido do PCP e a moeda em que estão é o real. 

Para agravar, no dia anterior, na audição a Pedro Marques, o PSD tinha utilizado a credibilidade de Fernando Pinto para atacar Pedro Marques e a argumentação do PS. Por exemplo, utilizara a carta escrita por Fernando Pinto a 4 de Novembro de 2015 (onde dizia que a TAP estava sem capacidade de pagar salários), como razão para a necessidade de uma precipitada conclusão da venda da TAP. Tal como foi Fernando Pinto quem telefonou a Sérgio Monteiro em Maio de 2015, como este assumiu ontem, para que intercedesse junto da Airbus com o objectivo de segurar o negócio dos A350.

Entretanto, o PCP introduziu a questão da ligação de Fernando Pinto à Atlantic Gateway: a 4 de Novembro de 2015, quando escreveu ao governo enquanto presidente da Comissão Executiva da TAP a instar que o processo de venda à Atlantic Gateway se acelerasse, é simultaneamente membro da gerência da Atlantic Gateway, da qual renunciaria apenas a 9 de Novembro de 2015, na véspera da formalização final da venda e para a qual regressaria em Maio de 2016. Como se não fosse suficientemente grave o facto o presidente da empresa pública ser gerente da empresa que a está a comprar, ou o facto, publicamente assumido, de que havia o compromisso de que Fernando Pinto integraria a gerência da Gateway após a privatização. Aliás, Bruno Dias ainda alertou para a existência de documentação na CPI, que aponta para o facto de a entrada de Fernando Pinto na Atlantic Gateway ser de 19 de Junho de 2015, prévia à assinatura do primeiro processo de venda, e pouco dias depois deste colocar Sérgio Monteiro a dar garantias à Airbus, que na altura negociava com Neelman o esquema que lhe permitiria comprar a TAP.

Perante este conjunto de factos, Sérgio Monteiro ainda tentou desvalorizar, lembrando a narrativa de 2015 sobre uma «falha administrativa», mas acabou a reconhecer a gravidade da situação e a garantir que desconhecia essas ligações.

Uma última implosão da tarde foi a da tese da inevitabilidade da privatização de 2015. Mais uma vez, Sérgio Monteiro começou por apresentar o guião oficial: a TAP estava descapitalizada, sem recursos para sequer fazer a cobertura de risco de combustível, e ou era vendida ou acabava. Mais uma vez, é o PCP quem vai desmistificar essa estória, trazendo ao debate o Relatório e Contas da TAP de 2015, onde é explicado que a TAP fez essa cobertura de risco em 2014 e no primeiro semestre de 2015, e só não fez no segundo semestre porque o preço do combustível desaconselhava, de todo, essa operação. Depois, Bruno Dias recordou a tentativa de privatização de 2012, onde o mesmo conjunto de governantes havia argumentado que a TAP tinha de ser vendida ou acabava. Afinal, não foi vendida e não acabou, o que levou Sérgio Monteiro a reconhecer que dessa vez, o governo, através da Parpública, atribuíra um empréstimo por 6 meses, que a TAP pagara dentro do prazo, e que essa solução também teria sido possível em 2015 se a privatização não tivesse avançado.   

Por fim, os Fundos Airbus, ou seja, a comissão paga antecipadamente a David Neelman pela compra de 3,6 mil milhões de euros de aviões que a TAP faria. Comissão que David Neelman usaria para comprar a TAP e implementar um plano estratégico assente na «necessidade» de comprar esses 53 aviões. Aqui, Sérgio Monteiro nunca saiu da narrativa, mas foram as perguntas que foram deixando essa narrativa cada vez mais frágil.

Como é que se pode falar de transparência quando não há qualquer referência aos «fundos Airbus» na Auditoria do Tribunal de Contas? Nem no Relatório Final da Comissão de Acompanhamento à Privatização da TAP? Nem existe qualquer menção a esta questão nas declarações públicas de Sérgio Monteiro, Pires de Lima, Maria Luísa Albuquerque ou Passos Coelho. Nenhuma conferência de imprensa onde tal seja mencionado, zero menções em qualquer debate das eleições legislativas. Nada. Se mesmo o então ministro Pedro Marques, quando assume a pasta, não é informado, só descobrindo essa questão (segundo declarações do próprio à CPI) depois de uma entrevista de David Neelman e um mergulho no conjunto da documentação do processo. E claro, quando o descobriu tão pouco o tornou público, passando a ser corresponsável pela omissão e suas graves consequências.

A gravidade do facto de David Neelman ter comprado a TAP com dinheiro da TAP e da sua omissão ao povo português (primeiro pelo PSD/CDS, depois também pelo PS) ficou bem ilustrada durante a tarde desta quarta-feira, considerando que, o facto de David Neelman ter comprado a empresa sem ter investido qualquer capital permitiu-lhe apresentar um plano estratégico de alto risco, com um crescimento rápido (chegou a ser o maior do mundo), necessário à absorção dos aviões sem os quais David Neelman não teria comprado a TAP. Nunca saberemos como a coisa teria corrido sem a pandemia (mas em 2019 não ia bem encaminhada, já tinham sido delapidados mais 200 milhões de euros de capitais próprios). Mas sabemos que quando a pandemia se abateu sobre o sector funcionou como uma agulha que fez estourar as contas de uma TAP artificialmente inchada.

Cada dia que passa nos trabalhos da CPI fica mais claro que a privatização de 2015 foi um crime contra a TAP e contra o País.

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