No passado dia 23 de agosto, o ministro da Administração Interna MAI, José Luís Carneiro, em declarações prestadas no Comando Geral da Guarda Nacional Republicana (GNR), anunciou que até aquela data tinham sido «identificados 803 suspeitos em relação as práticas inadequadas nuns casos, inseguras noutros e dolosas noutras circunstâncias», resultando em «57 detenções feitas pela GNR». O governante referia-se à ação da GNR no desempenho da missão de vigilância, fiscalização e investigação no domínio do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR).
O ministro acrescentou que a Polícia Judiciária (PJ) e a Guarda Nacional Republicana (GNR) estão a trabalhar, «encontrando-se em fase de inquérito e investigação a esses 803 suspeitos», tendo a PJ procedido também, «nos últimos meses, à detenção de mais 33 suspeitos de ações de incendiarismo».
Entretanto, segundo o Relatório Provisório do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), reportado ao período de 1 de janeiro a 15 de agosto deste ano, do total de 6085 incêndios rurais verificados no período, 4604 foram investigados e destes a 3291 foi-lhes atribuída uma causa. Das causas apuradas, conclui-se que 22% foram por incendiarismo imputável e 48% por queimas e queimadas. Importa neste domínio sublinhar que em 1313 incêndios investigados não foi possível apurar uma qualquer causa.
Destes dados conclui-se naturalmente que há um problema de comportamento negligente no uso do fogo. Por isso é adequado que se insista na sensibilização da população quanto à necessidade de se adotarem comportamentos de segurança que não potenciem as probabilidades de ocorrência de incêndios, face ao quadro meteorológico de risco que temos testemunhado.
Porém, não é aceitável que apenas se atribua aos cidadãos a responsabilidade pelas ignições que geram cada vez mais mega incêndios, com consequências particularmente graves para os territórios e para as pessoas que nestes vivem e trabalham.
«Em 1313 incêndios investigados não foi possível apurar uma qualquer causa.»
O designado Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais 20-30, aprovado pelo Governo há mais de três anos, define «os objetivos e metas a atingir no horizonte temporal 2020-2030» e conclui que «é preciso agir sobre as causas das debilidades estruturais identificadas e sinalizar pontos de alavancagem para modificar o sistema, alterar comportamentos e transformar a paisagem no sentido desejado».
Ora, se monitorizarmos as metas traçadas pelo referido documento concluímos que, à data, a sua baixa taxa de execução não augura nada de novo.
Sabe-se que estamos na presença de um território caracterizado por uma variação demográfica negativa. A população rural que nos anos 60 do século passado representava 60% da população total, reduziu-se para os atuais 5%. Muitas das terras outrora dedicadas à agricultura deixaram de ser trabalhadas, os lugares e aldeias perderam população, os serviços públicos foram sendo reduzidos e as motivações para os mais jovens se fixarem são quase inexistentes.
Deste modo, face à ausência de uma efetiva estratégia de desenvolvimento das regiões do país mais marcadas pela ameaça dos incêndios florestais, resta a confiança na proteção garantida por um sistema de combate (maioritariamente alicerçada nos Bombeiros), que desde os incêndios de 2017 tem registado significativas melhorias.
Importa então adotar múltiplas soluções, algumas delas bem identificadas, mas construídas de um modo inclusivo e participado, postas em prática e aplicadas de forma integrada e transversal, com iniciativas e programas de ação ajustadas às realidades e dinâmicas regionais.
Para rematar este texto ficam duas reivindicações: aos nossos concidadãos para que adotem comportamentos de segurança face às condições meteorológicas que podem potenciar graves incêndios: ao Governo que se preocupe em executar políticas que respondam no concreto ao desígnio do desenvolvimento harmonioso do território, à preservação do ambiente e ao combate ao despovoamento de vastas zonas do país, nomeadamente através de medidas que garantam emprego e bem-estar, aos que vivem nos hoje designados territórios de baixa densidade.
Só através da interação destas duas dimensões do problema dos incêndios rurais é que estes se poderão reduzir e os seus efeitos serem mitigados.
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