Na verdade, ao contrário do que muitos pretendem fazer crer, as eleições não se destinam a eleger nenhum primeiro-ministro. Será da eleição dos deputados e da consequente correlação de forças dela resultante que haverá lugar à nomeação de um primeiro-ministro, que submeterá à Assembleia da República a apreciação do respectivo programa de governo.
São múltiplos os instrumentos usados para perverter a opção eleitoral de cada um. Alguns têm já sido tratados neste espaço, como por exemplo as sondagens e os ditos fact-checkers. Hoje queria tratar de outros dois, lançados pelo Observador: o Votómetro e o Previsómetro. Comecemos pelo Votómetro. É uma iniciativa que já foi tomada noutras eleições. Basicamente pergunta ao eleitor aquilo que ele pensa, e depois diz-lhe qual a candidatura que mais se identifica com o seu pensamento. O problema é o questionário e as respostas pré-programadas, ou seja, aquilo que perguntam e o que consideram ser as propostas de cada candidatura. Para que a opção de voto seja CDU é quase necessário responder, à pergunta «Pequeno Almoço favorito» com a resposta «Criancinhas».1 A coisa começa com os temas que são tratados. Estamos basicamente com a agenda do Chega e da direita. Direitos laborais? Salários? Habitação? Política de Transportes? Papel da administração pública? Produção Nacional? Isso não interessa. O que importa é penas de prisão, casas de banho transgénero, imigração e a entrada da Ucrânia na UE. Depois a forma das perguntas. «O aumento do número de imigrantes em Portugal é necessário e positivo». Respondi como calculei (acertadamente) que o Observador consideraria ser a opção da CDU («totalmente de acordo»). Mas a CDU não acha «necessário e positivo» o aumento da imigração. As coisas são mais complexas. A CDU opõe-se totalmente à discriminação dos imigrantes e defende a sua mais completa possível integração, nomeadamente com o pleno acesso aos direitos. Mas o volume de «emigração», o número extraordinário de portugueses que estão a ser empurrados para fora do país, e os números da «imigração», a quantidade de pessoas que estão a ser forçadas a sair dos seus países de origem para procurar trabalho em Portugal são ambos reflexos de problemas do mundo em que vivemos. Que não são positivos nem necessários. Da profunda desigualdade no desenvolvimento, do desvio de recursos de uns países para os outros, das guerras que o «Ocidente colectivo» insiste em disseminar pelo mundo. No caso português, ainda, dos baixos salários praticados em Portugal face a uma mão de obra qualificada. Outra pergunta: «O Estado deve garantir os meios para que todos os cidadãos tenham acesso a cuidados de saúde, independentemente do prestador de serviços (público, privado ou social)». A posição da CDU poderia resumir-se em: «O Estado deve garantir os meios para que todos tenham acesso a cuidados de saúde, reforçando o Serviço Nacional de Saúde e o seu carácter universal, público e gratuito.» Bem, mas o Observador considera que a CDU «discorda totalmente» da frase apesar de estar de acordo com uma das duas partes que esta contém. E quem responder tem que adivinhar isso. Um último exemplo: «Em Portugal, os criminosos mais violentos devem ser punidos com maior severidade?» Ora, os criminosos mais violentos já são punidos com maior severidade – e bem. O que o perguntador queria perguntar – a julgar pelas avaliações posteriores – é se os criminosos mais violentos devem ser punidos com penas mais severas que as permitidas actualmente. Ou seja, se a CDU está de acordo com a introdução de penas de prisão superiores a 25 anos e até talvez com a pena de morte. Queria perguntar, mas não pergunta. Para se ser considerado um apoiante CDU é preciso estar «totalmente contra» a pergunta feita, quando na realidade a CDU está totalmente contra é a pergunta que não foi feita. Porque à pergunta feita a resposta só pode ser «claro». Resumindo: ou se adivinha o que o Observador considera ser a resposta certa, ou o resultado final dará outra coisa que não CDU. Não fiz o teste para outra força política – sou eleitor CDU. Estamos perante um jogo. Mas cujo resultado não deixa de ser visto e apresentado como «qual a tendência eleitoral». Um jogo que assenta na lógica das casas de apostas. Cada participante recebe 1000 voz, que pode apostar num ou noutro resultado. E no final, será remunerado se a sua previsão se revelar verdadeira. E dizem-lhe: «Dê VOZ às suas previsões sobre as eleições.» Mas qual voz? A primeira pergunta é, curioso, «Em 2022, o PCP elegeu 6 deputados. Nas eleições legislativas de março, vai conseguir mais, menos ou o mesmo número de deputados?». Mais de metade dos «apostadores» apostaram que menos, como é normal face às sondagens. E portanto é essa a tendência. Quase todas as perguntas, como quem vai ser o terceiro, quem vai ser o quarto, reflectem igualmente as sondagens publicadas. E atenção, este é um jogo com prémios. Não é muito, mas ainda são uns mil, mil e quinhentos euros de prémios. Na prática, quem jogar para ganhar terá de submeter-se à ditadura das tendências já apresentadas, das sondagens. Como apostar na possibilidade de a CDU subir, por exemplo, quando todas as sondagens dizem o contrário? Na Madeira também diziam, mas isso não aconteceu, responderia a própria CDU. Certo, mas o jogador – para mais se joga no Observador – não vai ter acesso a esse argumento. E vai naturalmente apostar na possibilidade de a CDU descer. Que depois nos será apresentada como «a tendência». Quando não há qualquer tendência: são os mesmos mecanismos de manipulação a amplificarem-se uns aos outros ad nauseam. Mas não deixa de ficar a sensação que foi cada um que carregou no quadradinho, e optou. Que teve direito a ter voz, como é dito. Quando são apenas chamados a expressar o resultado que alguém já colocou dentro do seu sistema. E a reforçar a manipulação. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Opinião|
Manipulações eleitorais
Votómetro
Previsómetro
Contribui para uma boa ideia
A principal questão que se coloca nestas eleições legislativas é a de abrir caminho a uma política capaz de assegurar as soluções que o País precisa, e de contribuir para a resolução de problemas que afectam a vida de milhões de portugueses. Problemas como o continuado aumento do custo de vida, o agravamento das rendas e das prestações dos empréstimos à habitação, os baixos salários, reformas e pensões e a degradação dos serviços públicos, em particular do Serviço Nacional de Saúde.
O PS não é igual ao PSD, o PSD não é igual ao CDS, o Chega e a IL não são o mesmo, mas independentemente das diferenças que existem, muitas vezes acabam por se alinhar a favor dos interesses dos grupos económicos e das multinacionais. Daí que a maioria absoluta do PS não se tenha afirmado como um obstáculo necessário às políticas de agravamento das desigualdades e injustiças e da concentração da riqueza.
Nestas eleições, do que se trata é de eleger deputados que promovam políticas que combatam as injustiças e as desigualdade, nomeadamente as que atingem 10% dos trabalhadores que, com os salários que auferem, não conseguem sair da situação de pobreza.
O período oficial da campanha eleitoral para as Eleições Legislativas de 2024 decorre desde hoje, 25 de Fevereiro, até ao dia 8 de Março, uma sexta-feira. A 9 será cumprido o dia de reflexão e a 10 de Março, milhões de portugueses sairão à rua para exercer o seu direito ao voto.
Contribui para uma boa ideia
Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.
O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.
Contribui aqui