Neste fim-de-semana, foram agredidos e espancados pelo menos 15 trabalhadores e imigrantes nas zonas da Batalha e do Campo 24 de Agosto, no Porto. Estes linchamentos, incluindo a invasão de uma casa, foram levados a cabo por um grupo neo-nazi, encapuzados e armado com bastões, tacos de baseball e armas de fogo. Várias das vítimas continuam hospitalizadas.
A participar na manifestação do 1.º de Maio da CGTP, em Lisboa, os migrantes acampados nos Anjos, «do Senegal, da Gâmbia, da Mauritânia», defenderam a sua regularização, indispensável para garantir a sua integração. «Submetemo-nos a uma viagem de barco desde o continente africano em condições muito difíceis. Arriscámos a vida à procura de um futuro melhor, de um futuro digno, porque não tínhamos condições nos nossos países» explica o documento preparado pelos muitos migrantes que vivem, há várias semanas, acampados em torno da Igreja dos Anjos, em Lisboa. Pelo caminho, relatam, «viram morrer alguns amigos e irmãos». A opinião da Presidente da Junta de Freguesia de Arroios, Madalena Natividade, acerca das políticas de imigração nacionais, publicada no jornal Diário de Notícias de 15 de Março de 2023, revela a ausência de plano de acção e de integração dos imigrantes na sua freguesia. A Presidente da Junta de Freguesia de Arroios (PJFA), ainda agarrada ao idílico colonialista da história de Portugal, descreve um país detentor de um natural carácter de recepção do outro, herdado e cimentado por um passado rico na construção de «ligações» de solidariedade e crescimento mútuo entre os povos. Com esta visão, ignora e renega que este passado de riqueza e prosperidade assenta na exploração, expropriação, escravatura e tráfico de pessoas e povos, deixando patente a raiz das suas ideias e crenças políticas. Atrás de uma falsa ideia de humanismo, revela-se a intenção de promover uma política de imigração classicista e elitista, para que apenas alguns acedam ao visto de residência (não fosse a freguesia de Arroios a freguesia de Lisboa com a maior diversidade de nacionalidades e culturas e «eleita» o bairro mais cool do mundo). «Rigor à entrada, humanidade no acolhimento» é o apelo deixado pela PJFA para evitar as situações desumanas a que muitos imigrantes são submetidos no nosso país. Temos, ainda assim, um ponto de partida convergente: as condições de apoio e acompanhamento do estado à recepção e inserção de imigrantes são insuficientes. Dificuldade em encontrar trabalho, em aceder ao SNS, em regularizar a sua situação de residência, na aprendizagem do português e nos baixos salários, a que se junta a dificuldade crescente que é viver num país e, sobretudo, numa cidade, progressivamente marcada pela falta de habitação e pelo aumento do custo de vida. As consequências da exploração e marginalização feita aos imigrantes são conhecidos e estão à vista de todos. Os casos de prédios sobrelotados, onde múltiplas pessoas partilham a mesma divisão de uma casa; a exploração e o trabalho ilegal de imigrantes na hotelaria, restauração e entregas; a dificuldade de obter uma consulta no centro de saúde da Alameda, para o qual todos os imigrantes de freguesias circundantes são encaminhados. Casos há muito relatados que, preocupantemente para alguns, se vão tornando visíveis (como o recente caso do incêndio num prédio da Mouraria). « Não podemos prescindir de uma resposta governamental nacional que está por concretizar, como o reforço de programas de apoio à inserção no mercado de trabalho, de aprendizagem da língua portuguesa e ao acesso à habitação e à saúde, medidas verdadeiramente capazes de promover e assegurar direitos sociais e laborais, defendendo a diversidade cultural dos povos.» Concordamos. Esta ausência de acolhimento é, de facto, desumana. Mas qual é o humanismo que o actual executivo da JFA tem promovido? Estará este dispensado de actuar, como a sua inacção parece demonstrar? Passará a solução por um processo mais rigoroso de «selecção»? Ou existirão outras possibilidades e propostas para melhor receber e integrar? Existem e a CDU defende-as: políticas de acolhimento que promovam a integração de quem chega em busca de trabalho e uma vida melhor, evitando situações de marginalização e exclusão social. Não podemos prescindir de uma resposta governamental nacional que está por concretizar, como o reforço de programas de apoio à inserção no mercado de trabalho, de aprendizagem da língua portuguesa e ao acesso à habitação e à saúde, medidas verdadeiramente capazes de promover e assegurar direitos sociais e laborais, defendendo a diversidade cultural dos povos. Mas é importante sublinhar o papel insubstituível das Juntas de Freguesia, pela sua relação de proximidade com a população, na luta contra a discriminação e as carências sócio-económicas. A posição da CDU quanto a esse papel está no seu programa às últimas eleições autárquicas: o reforço dos serviços de proximidade, a promoção da consciência social e participativa através da organização de debates com a população, associações e colectividades, a criação de um centro de informação e acompanhamento de imigrantes, ou o apoio às associações de imigrantes, estreitando a cooperação da administração local com a central, para uma intervenção sistemática no combate a todas as formas de exclusão e preconceito, ao racismo e à xenofobia, ao trabalho clandestino e às redes de exploração. Sim, devemos e é possível receber bem todos os que cá querem viver, não apenas pela nossa história mas, sobretudo, pelo nosso futuro. Porque reconhecemos que Portugal ganha quando todos os que aqui procuram e escolhem viver encontram condições reais para crescer e ser felizes, para contribuir e participar activamente na construção de um país mais desenvolvido, justo, solidário e democrático. Um país soberano em permanente diálogo com o mundo. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Estes migrantes, trabalhadores, participaram na manifestação do 1.º de Maio da CGTP-IN em Lisboa, onde distribuíram um documento que defende a sua regularização imediata: para conseguirem «integrar-se no território e começarem rapidamente a trabalhar», estes trabalhadores migrantes precisam dos documentos. Alguns destes trabalhadores estão há mais de quatro meses à espera de uma resposta da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), sem sucesso. «Queremos aqui viver, aqui trabalhar». Se por um lado, querem ajudar as famílias que ficaram para trás, no Senegal, na Gâmbia, na Mauritânia, estes migrantes, condenados a uma situação de sem-abrigo, querem «ajudar a construir este país, que também precisa de nós. Queremos pagar aqui os nosso impostos e contribuir para os cofres públicos». «Ao dificultarem a nossa regularização, as autoridades portuguesas condenaram-nos à situação de indignidade em que nos encontramos e deixam-nos permeáveis a todos o tipo de abusos». O momento, agora, é de «Solidariedade, Sempre!». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Trabalho|
Migrantes acampados nos Anjos «também querem ajudar a construir este País»
Opinião|
Reflexões sobre o artigo de opinião da Presidente da Junta de Freguesia de Arroios
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Na manhã de 6 de Maio, o Expresso, Público e Diário de Notícias confirmaram que os agressores pertencem ao 1143, um grupo nazi e nacionalista liderado pelo neo-nazi Mário Machado, criminoso envolvido no assassinato de Alcindo Monteiro em 1995, entre outros crimes de ódio e violência.
Estes ataques, movidos pelo ódio, confirmam que, «contrariamente ao que afirma a extrema-direita, em Portugal existe racismo, xenofobia e intolerância perante a diferença», defende a Federação Nacional de Professores (Fenprof/CGTP-IN). É, aliás, essa mesma extrema-direita «a principal promotora daqueles sentimentos antidemocráticos que, como aconteceu agora, muitas vezes se expressam em actos criminosos que deverão ser exemplarmente punidos pela Justiça».
Na sua tomada de posição, a maior organização representativa de professores em Portugal «insta os docentes a corresponderem ao apelo da UNESCO, dando combate ao discurso de ódio que prolifera na sociedade»: a inclusão dos imigrantes e refugiados nas escolas portuguesas, «que já hoje representam 10% da população escolar», deve ser uma das prioridades dos educadores.
Para além das parcerias entre os sindicatos que compõe a Fenprof e organizações como o Conselho Português para os Refugiados, a Associação de Professores para a Educação Intercultural ou o SOS Racismo, a federação sindical tem um papel activo num projecto europeu (promovido pela ETUCE - European Trade Union Committee for Education) sobre imigrantes e refugiados e a sua integração na escola e na sociedade.
No âmbito deste projecto, em Outubro de 2024, a Fenprof vai realizar uma iniciativa em Lisboa, envolvendo escolas, autarcas e organizações não governamentais, sobre o assunto. «Tudo o que possa ser feito em prol da democracia e do respeito pela outra pessoa nunca será demais».
Fenprof considera que a extrema-direita está «impregnada de ódio, xenofobia, racismo e intolerância»
Imigrar não é fácil. É confrontar todos os dias com os problemas do país, é ser vulnerável ao ponto de sentir medo de reivindicar qualquer coisa, como uma emergência médica, um contrato de trabalho. Mais uma vez, ou como sempre, os imigrantes são os vilões dos «problemas» de Portugal e da Europa. Muito se fala sobre as vantagens que os mesmos apresentam ter, mas pouco se fala sobre como a estrutura do Estado não funciona, nem para eles, nem para os demais trabalhadores do país, que seguem com contratos precários, salários miseráveis e com péssimas condições de habitação e saúde, para inglês ver. Os movimentos migratórios são inevitáveis, porque sempre aconteceram – e vão continuar a acontecer – na história da humanidade, e são desejáveis, trazem dinamismo e transformação às sociedades. O trágico incêndio na Mouraria que matou duas pessoas (uma delas, um jovem indiano de 14 anos que tinha, recentemente, começado a frequentar a escola em Lisboa), as agressões físicas a imigrantes do Nepal em Olhão e a memória ainda bem presente sobre as denúncias acerca das condições de trabalho e de vida nas estufas e campos agrícolas do Alentejo, reabriram o debate sobre a imigração. Entre o muito que se tem escrito e dito sobre o assunto, tenho-me deparado com algumas críticas à forma de olhar para a questão migratória com «humanismo», afirmando-se, grosso modo, que abrir portas à entrada de mão-de-obra barata que se «encaixa» depois em divisões sobrelotadas ou contentores em condições de vida e de trabalho desumanas, não é humanismo. Pois não, fiquei a pensar, é capitalismo. E é mesmo sobre isso que devemos falar quando falamos de imigração. A «imigração em Portugal» contém várias realidades em simultâneo. Por um lado, «vistos gold», uma aberração inventada para a compra de cidadania e colocar fortunas a salvo, com danos irreversíveis no que toca à especulação imobiliária, mesmo que o seu «fim» tenha sido agora anunciado, «nómadas digitais» incentivados a instalar-se por cá, reformados europeus a usufruir de benefícios fiscais. No lado oposto da «cadeia migratória», os trabalhadores imigrantes com trabalhos mal pagos, precários, fisicamente exigentes, sazonais, com cargas horárias elevadas, muitas vezes em condições de exploração e a trabalhar da construção à agricultura, do trabalho doméstico à prestação de cuidados, da indústria à restauração e hotelaria. «Pois não, fiquei a pensar, é capitalismo. E é mesmo sobre isso que devemos falar quando falamos de imigração.» Portugal tem-se destacado, em estudos que valem o que valem, como um dos países europeus onde há uma maior percepção de que a imigração é boa para a economia (inquérito social europeu de 2018). Aparece à frente da Irlanda, Suíça e Alemanha e nos antípodas daquilo que acontece na Hungria. Ou seja, «os portugueses» tendem a reconhecer a importância dos imigrantes, quer pelo envelhecimento da população, quer pela força de trabalho, quer pelo contributo para a Segurança Social, quer talvez porque sentem alguma solidariedade (qual é o português que não terá na sua família alguém que é ou foi migrante?). No entanto, num momento de enormes dificuldades internas com o aumento absurdo do custo de vida, salários baixos, desemprego, desigualdades gritantes, problemas na habitação e instabilidade, que não se limita aos imigrantes e se estende aos nacionais, será que a opinião «dos portugueses» poderá ficar mais predisposta a aderir a medidas (aparentemente) restritivas da imigração, que, além de reflexos de xenofobia e racismo latentes, são também sentimentos (esses legítimos) de medo do futuro e revolta? Convém, talvez, falar sobre este desafio actual sem medo de fantasmas porque já bastam aqueles que a direita e a extrema-direita insistem em lançar. Mais do que um assunto de «fronteiras», de «segurança», de «Nação», de «cultura e identidade nacional» (tudo abstracções e distracções) ou um discurso sobre «direitos humanos» (utilizado de forma vaga e inconsequente), o desafio que enfrentamos hoje é consequência de políticas injustas, que permitem a imparável acumulação de riqueza de alguns e empobrecem a maioria (mesmo quando os governantes se dizem «socialistas»). E isto acontece ao nível internacional e nacional. A forma como reagimos à imigração e aos imigrantes, vai continuar a definir-nos enquanto sociedade. Mas por que vêm, então, os imigrantes? Vêm porque querem. Vêm para cá porque não podem ficar lá. Vêm porque sabem que vão ter trabalho. Vêm, também, porque a Europa continua a contribuir para que milhões sejam forçados a deixar o seu país de origem. Queremos exemplos? Quando a União Europeia subsidia a produção de tomate e exporta este fruto para o Gana, inundando o mercado ganês, até aí produtor de tomate, e tornando inviável à agricultura nacional continuar a produzir, não será expectável que os trabalhadores ganeses, postos no desemprego, tentem sobreviver e migrem para trabalhar na apanha do tomate no Sul de Itália? Parece irónico, mas é isso que acontece. Quando as alterações climáticas contribuem para as inundações de vastas áreas no Bangladesh, não será previsível que milhões de pessoas sejam forçadas a procurar alternativas de vida e algumas venham gerir pequenas mercearias de bairro em cidades ou nos campos agrícolas de Portugal? É isso que acontece. Quando empresas britânicas lucram obscenamente com guerras e conflitos e vendem armas no Sudão do Sul (denúncia da Amnistia Internacional), não será compreensível que jovens sudaneses iniciem peregrinações perigosas com passagem pela Líbia e Mediterrâneo na esperança de atravessar a nado pelo Canal da Mancha e tentar chegar ao Reino Unido para sobreviver? É isso que acontece. «Quando a União Europeia subsidia a produção de tomate e exporta este fruto para o Gana, inundando o mercado ganês, até aí produtor de tomate, e tornando inviável à agricultura nacional continuar a produzir, não será expectável que os trabalhadores ganeses, postos no desemprego, tentem sobreviver e migrem para trabalhar na apanha do tomate no Sul de Itália?» A forma como empresas multinacionais criam riqueza ao violar direitos humanos gera desigualdades e injustiças que levam as pessoas a deixarem as suas próprias casas e países. E estas pessoas não são «pobres», são, isso sim, empobrecidas pelas políticas de uns e pela ganância de outros e, na maior parte das vezes, estes «uns» e estes «outros» são os mesmos. Mais do que nos focarmos em querer reduzir, aumentar ou controlar os fluxos de migração, será mais útil defender uma maior igualdade entre países do globo e que uns não atormentem e explorem os outros para lucrar insanamente e provocar fugas em massa de pessoas. E, ao mesmo tempo, defender os direitos dos imigrantes. Ao nível nacional. A migração é aproveitada, desde sempre, para aquecer os motores do nacionalismo exacerbado e para promover divisões na sociedade. Num contexto como o nosso, onde o mercado de trabalho está cada vez mais desregulado e precarizado, os empregadores que acumulam riqueza à conta da exploração laboral olham para os imigrantes, quer em situação regular, quer irregular (e a maioria não entra ilegal em Portugal mas pode acabar por ficar irregular, até por incapacidade dos serviços públicos de dar respostas céleres), e esfregam as mãos com a possibilidade de pagar salários abaixo do mínimo, recusar direitos, coagir a trabalhar mais horas. E, ao mesmo tempo, que conseguem concretizar esses intentos descartam os trabalhadores nacionais, provocando instabilidade e revolta. «Mais do que nos focarmos em querer reduzir, aumentar ou controlar os fluxos de migração, será mais útil defender uma maior igualdade entre países do globo e que uns não atormentem e explorem os outros para lucrar insanamente e provocar fugas em massa de pessoas.» É comum dizer-se que as actividades a que se dedica a maioria dos trabalhadores imigrantes em Portugal são evitadas pelos nacionais, mas tenho cada vez mais dúvidas se será uma verdade absoluta que os portugueses «não as queiram fazer» (ainda por cima no contexto de empobrecimento e desemprego actuais). Talvez seja preciso assumir isto, mas, ao mesmo tempo, responsabilizar o verdadeiro explorador e nunca ceder ao facilitismo e à injustiça de tentar encontrar culpados naqueles que lutam pela sua sobrevivência, até porque «direitos dos imigrantes são direitos dos trabalhadores». É neste contexto que as declarações de vários protagonistas da direita portuguesa, com pedidos de triagem de imigrantes nas fronteiras portuguesas, mostram as águas turbulentas em que navegamos. Ver a imigração como devendo ser a resposta a uma «necessidade» do mercado e com «contingentes» das pessoas «que precisamos» (disse Carlos Moedas) apaga a migração como projecto de vida, que também é. E, no fundo, defende a existência de um exército de mão-de-obra internacional que pode ser ora contratado, ora descartado. Em sentido idêntico, escolher imigrantes «que possam interagir melhor connosco, que se possam integrar melhor na nossa cultura, na nossa identidade» (Luís Montenegro) é querer proceder à triagem fronteiriça de seres humanos, fazendo o discurso de categorização hierárquica racial e cultural das populações, os bons e os maus, os que desejamos e os que desprezamos. Associar a imigração ao fantasma da perda de «cultura e identidade nacional» faz parte do discurso racista e xenófobo que utiliza as fronteiras para reforçar a ideia divisória do «nós» e dos «outros» e legitima e dá gás a agressões inqualificáveis como as de Olhão. Não será por acaso que a palavra «negreiros» reentrou no vocabulário no Alentejo. Se há alguns séculos identificava os traficantes de pessoas escravizadas, hoje, no Portugal do século XXI, é utilizada para nomear os intermediários no recrutamento de mão-de-obra agrícola. A migração não deve ser debatida com as lentes da caridade, da tolerância, dos «direitos humanos» em sentido vago e inconsequente, mas com um olhar de solidariedade internacional, de humanismo (sim!) e como consequência e condição do capitalismo. Os movimentos migratórios são inevitáveis, porque sempre aconteceram – e vão continuar a acontecer – na história da humanidade, e são desejáveis, trazem dinamismo e transformação às sociedades. A migração é também uma forma de luta. Grande parte dos imigrantes em todo o mundo são protagonistas de um caminho de resistência contra a exploração, as desigualdades, o fatalismo de se ter o «destino» marcado apenas pelo lugar onde se nasceu. Grande parte dos imigrantes em Portugal, e no mundo, lutam apenas pela vida justa e digna a que todo o ser humano tem direito. Estas questões apresentam desafios urgentes para os quais a esquerda e os sindicatos deveriam contribuir para encontrar respostas de uma forma mais inequívoca como estão a fazer, de resto, alguns movimentos sociais. Será disso exemplo o colectivo «Vida Justa», que está a convocar uma manifestação para o dia 25 de Fevereiro, em Lisboa, e agrega portugueses, portugueses descendentes de imigrantes e imigrantes, que vivem e trabalham nos bairros da Área Metropolitana da Grande Lisboa, numa luta conjunta por melhores salários e travão ao aumento dos preços, conscientes que a deterioração das condições de trabalho e de vida de grande parte das pessoas a viver em Portugal, independentemente da sua origem ou contexto, é inaceitável quase 50 anos depois do 25 de Abril. Continuemos por aí. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Poderia escrever mais de mil histórias de imigrantes que chegam a Portugal e buscam formas de se integrar na sociedade, seja com os documentos necessários para viver e trabalhar, seja na sociabilidade com portugueses e demais imigrantes. Ouso dizer que mais de 90% dos estrangeiros que aqui chegam vendem sua força de trabalho e precisam de empregos dignos para sobreviver. Imigrar não é fácil. É confrontar-se todos os dias com os problemas do país, é ser vulnerável ao ponto de sentir medo de reivindicar qualquer coisa, como uma emergência médica, um contrato de trabalho. É mesmo a mão-de-obra mais barata para o sistema capitalista em que vivemos. Tenho a certeza que muitas pessoas que aqui vivem não têm a noção do que é para um imigrante conseguir um emprego, o número de utente e o número da Segurança Social. Tentam a todo tempo boicotar-nos e silenciar-nos, criando regras e valores inexistentes e utilizam o medo para nos controlar. Poderia contar a história da Natália, imigrante, que chegou a Lisboa no início de 2023. «Tenho a certeza que muitas pessoas que aqui vivem não têm a noção do que é para um imigrante conseguir um emprego, o número de utente e o número da Segurança Social.» Embarcou com o visto de turismo e decidiu ficar, fazer sua vida aqui. Conseguiu um emprego numa pastelaria, teve sorte de ter um contrato, mas isso não lhe dá todas as garantias. Deu entrada na Manifestação de Interesse e agora aguarda. Aguarda sem prazo um documento que a torne cidadã (formal) a ponto de lhe permitir sair de Portugal. Até lá fica aqui, presa, trabalhando, contribuindo para o Estado português que não garante os direitos humanos fundamentais. Poderia contar a história do Manuel e da Ana, que vieram com os filhos para Portugal, mas até hoje não possuem a nacionalidade portuguesa. Ao longo destes sete anos, só conseguiram trabalhos precários, sem contrato, a recibos verdes, adquiriram uma dívida na Segurança Social, não tinham muito conhecimento ou informação de que isso poderia acontecer e/ou como solucionar. Isso impediu-os até de ter uma Autorização de Residência, deixando-os à margem dos direitos humanos e sociais que um trabalhador poderia ter por aqui. Poderia contar a história do Abidul, veio sozinho, mas deixou a família no seu país de origem. Trabalha como estafeta das plataformas digitais, também sem nenhum contrato. Chega a concluir 18 horas de trabalho por dia. Há dias magoou-se com a mota, foi às urgências, passou horas e horas aguardando atendimento. Não recebeu nesse e nos dias a seguir, pois ficou em tratamento. Após dois meses chegou uma conta à sua casa, «Consulta de Emergência para estrangeiro», altíssima. Já foi reclamar ao Centro de Saúde, mas teve poucas informações, só sabe que ficará com essa dívida no seu registo se não pagar. Poderia contar a história do Miguel, trabalhador-estudante, filho de imigrantes. Trabalha o dia todo e faz um curso pós-laboral. Foi pai aos 19 anos, hoje tem 25 anos. O filho de seis anos voltou da escola dizendo que a professora corrige o português, tanto na fala quanto na escrita. E, não por acaso, Miguel passa o mesmo na universidade, os professores corrigem as suas palavras, conjugações de verbo, contexto, dizem que não é português de Portugal. «Não são todos trabalhadores, explorados, como tantos portugueses que não recebem nem um ordenado mínimo? Não possuem casa, levam horas nas filas dos hospitais, vivem em briga com os patrões por contratos dignos e nem os reformados fogem disso.» Já ouviu alguma dessas histórias? Criei os personagens, mas todas as histórias já escutei de alguém ou já as vivi. São baseadas em fatos reais. Então, a quem interessa manter essas experiências na sociedade portuguesa? Não são todos trabalhadores, explorados, como tantos portugueses que não recebem nem um ordenado mínimo? Não possuem casa, levam horas nas filas dos hospitais, vivem em briga com os patrões por contratos dignos e nem os reformados fogem disso. Podemos dizer que atacar os imigrantes só fortalece um lado muito pequeno e poderoso deste pequeno país europeu, que ainda carrega uma imagem solitária de muito grande. Os 90% são trabalhadores que vendem sua força de trabalho, a sua vida, migram com a família em busca de melhores condições de vida, seja ela em Portugal ou noutro país. Parece que culpar os imigrantes é uma estratégia para agravar a exploração dos trabalhadores e permitir uma maior concentração de riqueza nesta pequena parcela. Uma manobra para separar a classe trabalhadora que vive em Portugal. É criar inimigos, encontrar culpados, para não questionar o sistema capitalista que vivemos, a precariedade e as deficiências do Estado, que cada dia mais espreme os trabalhadores e que todos os dias desumaniza as pessoas que aqui vivem. Então, a quem interessa culpar os imigrantes? À classe trabalhadora é que não é. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Opinião|
A quem interessa culpar os imigrantes?
Opinião|
Imigração em Portugal: o problema não é o nosso humanismo, mas o vosso capitalismo
Desigualdades e capitalismo/ Agência e luta
Direitos dos imigrantes são direitos dos trabalhadores
Entre os discursos da direita e as agressões em Olhão
O assunto não são as fronteiras
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Ainda que os culpados dos ataques racistas de 5 de Maio sejam julgados e condenados, é fundamental não esquecer o papel da extrema-direita, que preside, hoje, à Comissão de Educação, Ciência e Cultura na Assembleia da República. Essa mesma extrema-direita que considera que os últimos 50 anos de democracia, como afirmaram nas comemorações do 25 de Abril, foram mais nefastos do que «a perseguição, prisão, tortura, morte, colonialismo e pobreza extrema» que definiram a ditadura fascista.
«Afirmações daquele tipo e outras proferidas por gente da extrema-direita, impregnadas de ódio, xenofobia, racismo e intolerância, contribuem para que aconteçam actos criminosos como os que tiveram lugar no Porto».
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