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Pela Infância!

Com uma licença de maternidade curta e nem sempre aplicada a todas as mães, o retorno precoce ao trabalho é uma realidade em Portugal, ao contrário dos países do norte da Europa.

Créditos / ZAP aeiou

Cada vez nascem menos bebés no Ocidente...

Que esperança, num mundo em desregulado aquecimento, onde tudo se compra e se vende, onde o homem é explorado pelo homem, tantas vezes de forma impiedosa e cruel? Onde imperam o medo e a desesperança, onde a diversidade é excluída, onde as crianças perderam a infância e os velhos a sua dignidade...

Os valores actuais da natalidade em Portugal põem a nu o reflexo do falhanço do modelo económico, social e político que dominou os últimos anos.

Após o parto, o bebé, totalmente imaturo e dependente, é recebido num nicho afectivo e sensorial, como numa longa gravidez «extra-uterina». Um período de acabamentos e maturação intensos e complexos, de construção da sua segurança e da sua confiança. A qualidade do vínculo construído com a mãe (ou substituto) é essencial ao bom desenvolvimento e à saúde mental futura. É um período de plasticidade cerebral, mas também de grande vulnerabilidade, dependendo da qualidade das trocas com o cuidador e do ambiente que o rodeia. 

Hoje sabemos a importância do bem-estar da mãe, carregando o seu bebé no ventre e depois nos seus braços, sendo o bebé muito sensível ao estado emocional dela.

Ao contrário de outros mamíferos, a nossa espécie necessita de modelos de aprendizagem. Neste período sensível e delicado, o pai tem um papel essencial na protecção da díade «mãe-filho», mas sobretudo no reforço da confiança e da segurança da própria mãe. Como têm a família alargada e a própria comunidade no apoio em geral, mas sobretudo na transmissão de conhecimentos e de experiências. 

Os avanços das ciências e das tecnologias tiveram conquistas inquestionáveis para a Humanidade. Hoje temos conhecimentos para garantir a saúde das crianças. 

No entanto, estes avanços têm evoluído cada vez mais ao serviço dos interesses e dos negócios do capital, perdendo-se pouco a pouco a vertente humana e social.

Nesse sentido, voltando à maternidade, «artificializa-se» o que é natural com taxas de cesarianas absurdas, desumanizam-se os cuidados hospitalares e as metas para as taxas de aleitamento materno continuam inalcançadas, em contraste com a prosperidade do negócio dos leites artificiais. 

Com uma licença de maternidade curta e nem sempre aplicada a todas as mães, o retorno precoce ao trabalho é uma realidade em Portugal, ao contrário dos países do norte da Europa. A falta de vagas nas creches revela essa realidade. 

Também o ingresso na creche nem sempre acontece nas melhores condições (instalações, formação dos técnicos, ratio adulto/crianças), num período em que a autonomia dos bebés ainda é reduzida, o processo de vinculação frágil e o seu neurodesenvolvimento sensível ao ambiente e às experiências proporcionadas.

Pouco a pouco as crianças vão permanecendo cada vez mais tempo fora de casa. Ficam entregues às escolas e depois em períodos de prolongamentos, centros de estudos, «actividades de tempos livres» ou explicações. Há países que tentaram multar os pais que chegavam depois da hora do prolongamento. No entanto, muitos pais preferiram pagar a multa, em vez de recolherem os filhos mais cedo.

Nas férias, as crianças seguem com «férias desportivas» ou actividades programadas, por vezes no mesmo recinto escolar, cobrindo os intermináveis horários de trabalho dos pais. Em Portugal já existem creches que ficam abertas em contínuo todo o ano, outras que nem de noite fecham!

Com frequência os ecrãs são introduzidos, fora dos tempos lectivos, para possibilitar a redução dos recursos humanos. Também em casa, ajudam a distrair da solidão as crianças mais velhas, enquanto os pais não chegam ou estão ocupados, numa sociedade em que as famílias estão cada vez mais isoladas.

Desde tenra idade, um ritmo vai-se impondo, igual para todos. 

Nos mais pequenos, o desfralde efectua-se na mesma idade, noutros a ida à sanita é à mesma hora. Quando há sesta, é para todos, sem excepção.

«Nas férias, as crianças seguem com "férias desportivas" ou actividades programadas, por vezes no mesmo recinto escolar, cobrindo os intermináveis horários de trabalho dos pais. Em Portugal já existem creches que ficam abertas em contínuo todo o ano, outras que nem de noite fecham!»

Hoje sabemos que o desenvolvimento cognitivo se alcança com a conjugação da estimulação das diferentes áreas do neurodesenvolvimento: da motricidade fina e grosseira, da linguagem, da autonomia, sensorial, cognitiva, emocional... No entanto, as actividades académicas e as avaliações são introduzidas cada vez mais precocemente, encurtando o tempo e o ritmo da infância e próprios a cada criança. 

Perde-se o tempo do brincar ao seu ritmo, espontâneo e livre, tempo do sonho e da imaginação, do «faz-de-conta» possibilitando o conhecimento de si, dos outros e a expressão das emoções. Tempo da curiosidade, da exploração, da partilha do prazer e dos afectos, tempo da aprendizagem de competências sociais, indispensáveis para toda a vida. 

O cérebro aprende melhor quando está em sintonia com o corpo e as emoções. Porque se investe pouco nas aulas de educação física e de expressões artísticas, desde os primeiros anos de escolaridade?

Também hoje as crianças brincam menos em ambiente natural, rico em estímulos sensoriais e criativos, em espaços desafiantes para explorar e gerir os riscos. Quantos recreios alcatroados, onde, nem sempre, se permite levar a bola ou a corda de saltar...

Quando a criança não acompanha o ritmo imposto, fica em apuros ou atrapalha o grupo. Há pouca tolerância para a diferença e poucos meios, humanos e técnicos, para a integração de todas as crianças diferentes. 

Pouco a pouco as crianças vão ficando «domesticadas, ocupadas, imobilizadas e silenciadas». Já nos mais velhos, importam as avaliações para os concursos finais. São elogiados os comportamentos cumpridores e obedientes. Os pedopsiquiatras queixam-se do aumento de perturbações da ansiedade e de depressão nos jovens.

Hoje, a realidade da infância reflecte bem a vida de trabalho dos pais e a desregulação dos seus horários laborais. 

Em vez do trabalho dos pais possibilitar uma vida familiar saudável, passa-se o contrário, a infância é moldada a vidas de trabalho desreguladas e violentadas. Alguns pais entram de madrugada, outros voltam durante a noite, muitos alternam turnos, outros acumulam horários para conseguir «acabar o mês».

Quantos ganham à produção , à tarefa ou «ao negro»?

Os dias de trabalho englobam fins-de-semana e feriados. Quantas vezes as datas das folgas e os tempos de férias são impostos pelo patrão.

Tempos de trabalho contados ao minuto, em que se pode pedir ao trabalhador mais tempo do que o estipulado, ao contrário dos tempos de descanso. 

Tipos de trabalho em que a modernização, em vez de trazer alívio ao trabalhador, tem como objectivo reduzir postos de trabalho ou sobrecarregar ainda mais o operário.

Procuram diabolizar e denegrir os sindicatos, para que poucos contestem. Impera o medo e a preocupação de ficar sem trabalho. Desapareceu o prazer de trabalhar. Tantas vezes a raiva fica contida. 

Às vezes parece que adianta pouco protestar. Chega sempre quem aceite as mesmas ou até piores condições. 

Onde ficaram os direitos humanos conquistados durante séculos a tanto custo? 

«Procuram diabolizar e denegrir os sindicatos, para que poucos contestem. Impera o medo e a preocupação de ficar sem trabalho. Desapareceu o prazer de trabalhar. Tantas vezes a raiva fica contida.»

As reformas são adiadas ano após ano, ficando o apoio entre familiares dificultado. Os avós ficam sem conseguirem dar apoio aos netos e os pais idosos sem o apoio dos filhos. Tal como as creches na infância, os lares para idosos, reflectem o que acontece aos que deixaram de produzir, após trabalhar uma vida inteira. Tudo para que outros possam trabalhar e produzir sem interrupção.

Quando o objectivo é produzir o máximo, num ritmo recorde, as equipas desaparecem, os tempos de encontro no descanso e lazer escasseiam, as famílias fracturam-se e as comunidades não sobrevivem. Os fios entrelaçados, unidos e fortes, pouco a pouco ficam soltos e tão frágeis... 

Onde estão as comunidades, nas quais cada um encontra o seu lugar? Nas quais se pode dar e receber, sem preço? Colectividades onde se pode reflectir juntos e encontrar soluções para o bem comum, onde se partilham conhecimentos e experiências, onde são bem-vindas a diferença e a diversidade, a bondade e a coragem. Onde se trocam ajudas, mas também prazer e afectos. Onde se constroem memórias e raízes. Onde há tempo para nascer, amar e morrer.

É tempo de inverter a tendência actual, recolocando as crianças, as famílias e as comunidades no centro das preocupações.

Com um caminho para a Humanidade, a infância voltará a ter um lugar na sociedade e os bebés voltarão a nascer...

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