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Bárbara Carvalho: «Querem investigação, mas não querem investigadores nos quadros»

Nas vésperas da Manifestação Nacional Contra a Precariedade na Ciência, o AbrilAbril conversou com a presidente da ABIC, recentemente reeleita, sobre as lutas por melhores condições de trabalho e por outro sistema científico e tecnológico nacional.

Bárbara Carvalho, presidente da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) 
Créditos / AbrilAbril

É já terça-feira, dia 16 de Maio, que de todo o país rumarão a Lisboa investigadores com vínculo de bolsa, investigadores com contratos precários, gestores de ciência, docentes e técnicos, para uma manifestação nacional que pretende exigir o fim da precariedade no sector.

Terminado mais um processo eleitoral na Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), em ano de vigésimo aniversário, o AbrilAbril quis saber quais são as principais lutas para o futuro e qual a análise que fazem os bolseiros do actual sistema científico e tecnológico nacional.

Quais são as principais batalhas da ABIC para os próximos anos?

O principal objectivo da ABIC é a sua autoextinção porque, no dia em que isso acontecer, significa que as bolsas de investigação acabaram e o Estatuto do Bolseiro de Investigação foi revogado. Obviamente, não basta a revogação por si só, mas acompanhada, por um lado, da substituição das bolsas por contratos de trabalho, e por outro, do efectivo recurso à carreira de investigação como a principal norma de contratação para os trabalhadores científicos.

Ainda assim, e pensando nos próximos anos, há batalhas muito concretas a travar, que dizem respeito a melhorias específicas dentro daquilo que é o quadro do Estatuto do Bolseiro. Desde logo o aumento efectivo do valor das bolsas, que estiveram congeladas durante 18 anos, o que significou uma perda de poder de compra superior a 20%. E desde que começaram a ser aumentadas, foram-no no valor absoluto do aumento do salário mínimo nacional e não no percentual. Ou seja, este ano, em vez de haver um aumento de 7,8%, que foi simultaneamente a taxa de inflação e também o aumento do salário mínimo nacional, houve um aumento de 55 euros para todas as bolsas. O que é manifestamente insuficiente dada a perda de poder de compra e o aumento brutal do custo de vida.

«O principal objectivo da ABIC é a sua autoextinção porque, no dia em que isso acontecer, significa que as bolsas de investigação acabaram e o Estatuto do Bolseiro de Investigação foi revogado»

Bárbara Carvalho

Outra batalha concreta é a questão do fim das taxas de entrega de teses de doutoramento, arbitrárias, que podem ir da sua não existência até aos 725 euros, por exemplo, e representam um custo brutal para qualquer doutorando, sendo bolseiro ou não bolseiro. Sendo bolseiro, e visto que no final da bolsa não há acesso a subsídio de desemprego, o pagamento adicional desta taxa tem um impacto real porque é quase metade do salário do mês que tem de ser para aí canalizado.

Foi discutida na Assembleia da República a petição da ABIC contra as taxas de entrega de tese. Em relação a essa medida em concreto, mas também no quadro mais geral das reivindicações, qual é a perspectiva quanto à vontade de negociar deste Governo e desta ministra?

Esta luta, pelo fim das taxas de entrega de tese é, de resto, representativa de muitas outras e da forma de negociação deste Ministério [Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior], daquilo que é preciso fazer por migalhas. Este processo começou em 2021, ainda na anterior legislatura, por ocasião da luta pela prorrogação das bolsas de investigação no quadro da Covid-19. Na altura, o então ministro Manuel Heitor prometeu acabar com as taxas de entrega de tese e escreveu-o numa carta de intenções. Planeava fazê-lo no quadro do Orçamento do Estado para 2022. Veio o Orçamento do Estado e não estava lá nada. Em Janeiro de 2022, voltámos a reunir e o ministro diz que o Ministério das Finanças não aprovou e pronto, quebra-se assim tranquilamente uma promessa que tinha sido feita.

«Não há, de facto, abertura deste Ministério, como não houve anteriormente, para dar passos no sentido de melhorar a qualidade de vida e de trabalho dos investigadores e para garantir uma melhor ciência»

Bárbara Carvalho

Portanto, quando este novo Ministério assume funções, e claro estamos a falar agora de um quadro de maioria absoluta, o que significa muito realmente uma dificuldade acrescida para conseguirmos melhorias das nossas condições laborais, aquilo que foi dito é que se ia avaliar. Entretanto, nada foi feito. Fizemos a petição, que ultrapassou as oito mil assinaturas em pouco mais de dois meses, o que obrigou à discussão em plenário na Assembleia da República. Isso expôs a forma de pensar dos vários intervenientes neste processo. Porque, por um lado, o Ministério, neste caso a ministra Elvira Fortunato, reiterou em audições parlamentares que ia trabalhar para a harmonização destas taxas. Portanto, não era para abolir estas taxas, era para as harmonizar. E, por outro lado, o CRUP [Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas] emitiu um parecer onde mostra que encara a realização do doutoramento como responsabilidade do doutorando e não como o serviço público que constitui a um grau académico prestado pelas universidades públicas. E argumentando também que estaríamos a interferir com o princípio da autonomia universitária que, de resto, é o argumento evocado sempre que estamos a falar de direitos laborais.

Houve uma reunião com a ministra Elvira Fortunato e com a presidente da FCT [Fundação para a Ciência e Tecnologia], há cerca de dois meses, em que nos foi indicado que, se uma promessa foi feita, então essa promessa tem que ser cumprida e que haveria uma negociação com os reitores no quadro da reavaliação da tabela de taxas e emolumentos para abolir esta taxa. Mas lá está, não é um princípio de justeza ou daquilo que entendemos que deve ser o ensino superior e a ciência. É partir da ideia de que «se foi uma promessa, então vamos cumpri-la», o que, convenhamos, não é exactamente a postura com que um dirigente político deve estar perante o ensino superior público. E isto é um aspecto minúsculo num contexto muito mais alargado de um sector altamente precarizado, num sector onde a carreira não é aplicada, onde para se conseguirem pequenas conquistas é preciso travar batalhas enormes. Não há, de facto, abertura deste Ministério, como não houve anteriormente, para dar passos no sentido de melhorar a qualidade de vida e de trabalho dos investigadores e para garantir uma melhor ciência.

A questão da revogação do estatuto e dos contratos de trabalho para os investigadores com vínculo de bolsa, mais do que uma questão orçamental, é uma questão de princípio e que não parece estar nos planos deste Ministério?

Sim. Da mesma forma que há um entendimento de que é a precariedade que leva à criatividade e à competitividade e que, por isso, há maior captação de financiamento e há maior produção científica. E isto é claramente a linha estratégica deste Ministério e deste Governo, como dos anteriores. Em relação ao Estatuto do Bolseiro há sempre essa discussão. A discussão pode ser orçamental também, claro, mas o dinheiro existe. Há uma diferença de entendimento do que é o trabalho científico. Ao passo que, nas discussões que fomos tendo sobre o significado do Estatuto do Bolseiro, o que para nós é muito claro – e quando digo para nós, não é só a ABIC, é a comunidade científica no geral – é que aquilo que fazemos é trabalho. A nossa produção é contabilizada, como a de qualquer outro investigador, desempenhamos tarefas fundamentais para a ciência e, portanto, não é por estarmos em formação que isso é menos válido.

«É preciso que os dirigentes políticos e que os dirigentes das instituições científicas mudem a sua perspectiva perante os investigadores em formação, porque é preciso que tenham direitos laborais»

bárbara Carvalho

Ou seja, concluir o doutoramento obviamente dá um conjunto de capacidades e autonomia científica que é fundamental para a carreira de investigação. Mas antes disso, o trabalho científico que está a ser feito é trabalho. Isto já é um entendimento claro desde logo, em Portugal, noutras áreas. Porque o médico quando está em formação tem um contrato de trabalho durante o seu período de internato, os professores do ensino básico e secundário quando estão em período de estágio também têm contratos de trabalho e, portanto, isso já é realidade óbvia noutros sectores, só na ciência é que não. E, por outro lado, já é realidade noutros países. Nós vamos à Alemanha, a França, à Suécia, à Dinamarca, e o doutoramento é realizado em contexto de contrato de trabalho. E quem diz doutoramento diz outros contratos de investigação.

Mesmo noutros países em que havia tendencialmente bolsas, o caso muito concreto de Espanha, por exemplo, desde 2017 substituiu as bolsas de investigação por contratos de trabalho ao nível da formação também. Portanto, é uma discussão que está a ser tida, que não é só aquela discrepância que muitas vezes é evocada entre os países do Norte, que teriam outra cultura laboral. Não é essa a dinâmica, não é essa a realidade. Tem a ver com uma visão do trabalho científico e com os resultados da luta dos trabalhadores deste sector. Em Espanha houve uma luta muito grande pelos contratos de trabalho, eles não foram dados, obviamente. Mas é preciso que os dirigentes políticos e que os dirigentes das instituições científicas mudem a sua perspectiva perante os investigadores em formação, porque é preciso que tenham direitos laborais.

Qual é o peso das instituições, da visão que têm para o ensino superior, nestas lutas dos investigadores com vínculo de bolsa?

É enorme. Nós costumamos dizer que há aqui o tríptico FCT, Ministério e instituições de ensino superior e ciência. Porque, de facto, as instituições desempenham um papel fundamental na não integração dos investigadores. Há claramente uma subjugação de tudo o resto ao ensino. Isso é a primeira abordagem que muitas vezes o Conselho de Reitores tem. Segundo este organismo, as universidades devem ensinar e essa é a sua função. Mas ao mesmo tempo querem ser universidades de investigação, só que sem investigadores nos quadros. E isto, novamente, é uma visão que não é só orçamental. Obviamente que as universidades têm um subfinanciamento muito grande e que tem que ser colmatado através da alteração da lei de bases de financiamento do ensino superior. Não bastam injecções pontuais, é preciso estruturalmente mudar o financiamento das instituições e aumentá-lo, claro. Mas há também uma visão de que os investigadores não devem pertencer às universidades só para fazer investigação. Isto foi muito visível no decorrer do PREVPAP [Programa de Regularização dos Vínculos Precários da Administração Pública] em que haveria um excedente orçamental para pagar aqueles salários prometido pelo governo, que se veio a verificar, tendo as instituições optado por não integrar um conjunto muito alargado no que diz respeito especificamente à carreira de investigação e aos investigadores.

«Nós achamos, pelo contrário, que o combate à precariedade é a forma através da qual o ensino superior e as instituições científicas mais ganhariam. Não seriam só os investigadores a ganhar com a estabilidade na sua vida, a ciência e o ensino também ganhariam»

bárbara carvalho

E estamos a falar dos investigadores, mas também dos falsos docentes convidados. Quer dizer, um docente convidado é altamente precarizado, tem o seu vínculo para dar aulas e muitas vezes não cumpre de todo a função do docente convidado, está só a assegurar necessidades permanentes da instituição. Isto é reiterado ad eternum como modelo científico porque as universidades não querem ter os investigadores integrados nos seus quadros. Nós achamos, pelo contrário, que o combate à precariedade é a forma através da qual o ensino superior e as instituições científicas mais ganhariam. Não seriam só os investigadores a ganhar com a estabilidade na sua vida, a ciência e o ensino também ganhariam. Porque se os investigadores estivessem integrados na carreira de investigação e os docentes estivessem integrados na carreira docente, portanto não houvesse estes níveis absurdos de precariedade, significaria também uma comunicação entre as carreiras muito maior. Está previsto na carreira de investigação que é possível leccionar. Está prevista a figura de dar aulas, mesmo estando integrado na carreira de investigação. Basta pensarmos quanto é que os currículos académicos iriam ganhar com disciplinas mais orientadas para determinadas investigações que estão em curso…

Por outro lado, os docentes também poderiam ter maior disponibilidade para fazer investigação. Se nós pensarmos no potencial que isto tem para todos, seja para os docentes que estão sobrecarregados com inúmeras tarefas e que muitas vezes não conseguem fazer investigação, apesar de quererem, seja para os investigadores cujo trabalho ganharia com a estabilidade, desde logo, porque não teriam que estar sempre a candidatar-se a tudo o que abre… E também os estudantes que frequentam as universidades e que teriam contacto com a investigação até ao nível do seu currículo.

A propósito deste anúncio recente relativamente à empregabilidade dos doutorados, que tem a ver com as bolsas em ambiente não-académico: isto é uma solução para os doutorados, como entende o Governo?

Não, é tapar o sol com a peneira. Não há nada nem na nota explicativa do Orçamento do Estado para este ano, nem na estratégia que o Ministério vem dando a conhecer, que resolva a questão da precariedade no ensino superior e na ciência. Para já nada diz que as pessoas que desempenham as suas teses em ambiente não-académico venham a ser integradas nas empresas ou na administração pública ou no sector social e, portanto, não há nada que comprove que isto é factualmente uma possibilidade. Por outro lado, esta medida alarga brutalmente a precariedade a outros sectores e, portanto, aquilo que acontece é que a figura do bolseiro vai passar a existir fora das universidades, das instituições científicas, vai passar a ser uma realidade nas empresas privadas, na administração pública, no sector social, paga pelo erário público. Além de tudo o que isto significa em termos de agenda científica, porque resultará numa hipervalorização da ciência aplicada, em detrimento da ciência fundamental, e isso é claramente também uma linha estratégica que tem consequências nefastas para o futuro da ciência que nós acreditamos que tem de ser feita, onde a ciência fundamental e a ciência aplicada devem ser financiadas, devem ter lugar e devem ter espaço e tempo para se desenvolver.

Relativamente à norma transitória e ao Decreto-lei n.º57/2016 que acabou com a generalização do recurso a bolsas para investigadores doutorados: como se chegou a essa solução e o que está em risco no futuro próximo?

A criação do DL57, o diploma que regulamenta a contratação de doutorados, nasce num contexto político também específico, mas nasce como um penso rápido. Havia muitas pessoas que estavam com bolsas há muitos anos. Havia programas anteriores que estavam a acabar, como o programa do investigador FCT, e era preciso dar uma resposta a esta massa de gente, a este exército de mão-de-obra altamente qualificada e que não tinha perspectivas de futuro. O DL57 surge como resultado de uma luta muito grande, que juntou muita gente, onde nos pudemos conhecer uns aos outros… Nós, investigadores, muitas vezes estamos isolados, separados, longe uns dos outros, e, portanto, essa luta teve um efeito agregador muito grande. Foram mais de dois anos de grandes manifestações e de muita luta na rua, na Assembleia da República, num contexto político particular. Estava a ABIC, estavam os sindicatos, criaram-se muitos núcleos de investigadores nas diversas instituições que se juntaram e onde estivesse o ministro estavam lá os investigadores, se houvesse um debate na Assembleia da República sobre o assunto estavam lá os investigadores. Essas manifestações tiveram efeito porque a primeira redacção do diploma, por exemplo, era pior ainda do que ficou.

«A grande vantagem do DL57 foi a generalização da figura do contrato de trabalho aos investigadores com doutoramento. (...) Claro que depois a forma como isso foi aplicado foi completamente pervertida, porque para já a carreira continua a não ser aplicada.»

bárbara carvalho

O diploma tem imensos problemas: desde logo possibilita a existência desta figura que a FCT depois inventou, que é o investigador júnior, e que não existe na carreira de investigação. É um patamar abaixo do início da carreira de investigação e que, entre outras coisas, significa um salário substancialmente inferior. Mas o diploma inicial tinha previsto um nível remuneratório bastante inferior àquilo que se veio a concretizar. Portanto, se foi possível aumentar o nível remuneratório previsto para essa figura foi porque houve muita luta. Ao mesmo tempo, a norma transitória prevista nesse diploma, que abarcaria um conjunto de investigadores para os quais teria de ser aberto concurso ao abrigo do DL57, foi também alargada. Abrangeu muito mais pessoas do que aquelas previstas inicialmente.

A grande vantagem do DL57 foi a generalização da figura do contrato de trabalho aos investigadores com doutoramento. Isso tem um impacto gigante para pessoas que viviam de bolsa em bolsa há décadas, porque direitos básicos como subsídio de férias, subsídio de Natal, subsídio de desemprego, mas também o desconto para as reformas, foram garantidos.

Claro que depois a forma como isso foi aplicado foi completamente pervertida, porque para já a carreira continua a não ser aplicada. Portanto, novamente, é um penso rápido. E depois, por outro lado, os concursos nacionais da FCT têm taxas de aprovação baixíssimas e, portanto, isso significa que há muito pouca gente a ganhar esses concursos. Ou seja, as pessoas continuaram a deparar-se durante muito tempo com situações entre contratos à espera de resultados, concursos sucessivos sem ganhar, apesar de estarem muito acima do limiar de mérito e/ou no limiar de mérito estabelecido pela FCT e a continuarem a não ver os seus contratos aprovados. Isto leva-nos ao ponto actual que é cerca de duas mil pessoas que estão prestes a acabar o seu contrato este ano e no próximo, e assim sucessivamente, e não têm solução nenhuma, não têm perspectiva nenhuma de integração. Talvez surja outro paliativo? Outro penso rápido? Mas, em todo o caso, isso significa continuar nesta incerteza e nestas candidaturas com taxas de aprovação baixíssimas.

O Ministério propôs rever a carreira de investigação no decorrer deste primeiro semestre. A única vez que, de facto, falou sobre isso foi quando a FENPROF marcou uma concentração aqui há umas semanas em frente ao Ministério e a ministra recebeu uma delegação sindical para falar. Mas não há nenhuma resposta convincente. Aproximamo-nos do final dos contratos destas pessoas, as instituições continuam a não abrir concursos para a carreira.. é portanto esta grande incerteza que tem levado os investigadores a organizarem-se, como acontecerá no próximo dia 16 de Maio, numa manifestação nacional contra a precariedade na Ciência, em Lisboa.

Supostamente, esse DL57 previa que ao fim de cinco anos de contrato a instituição abriria o concurso para a carreira, mas isso não está a acontecer?

Não, primeiro porque é uma cláusula que só diz respeito às universidades públicas de direito público. Portanto, todas as universidades públicas de direito privado, e são muitas, porque já muitas são fundações, como a Universidade Nova de Lisboa, Porto, Aveiro, Minho e ISCTE, todas estas não são abrangidas por essa cláusula, o que significa muita gente. E, por outro lado, mesmo as universidades públicas arranjaram duas frentes. Por um lado, têm as instituições privadas sem fins lucrativos, que na verdade são um regime de outsourcing, onde os investigadores estão adjudicados, por assim dizer, e, portanto, são contratados ao abrigo dessa figura, dessas instituições privadas. Ainda que a sua produção científica conte para a universidade pública, o seu contrato é ao abrigo do direito privado. Portanto, não estão abrangidas por essa cláusula que obriga à contratação. Por outro lado, várias universidades públicas já deram a entender que o que está em risco é a renovação do contrato para o quinto ano. Porque o que diz a lei é que ao final de cinco anos e meio de contrato é preciso abrir uma posição para aquele lugar, porque é uma necessidade permanente. Então, o que as universidades sugerem entre linhas é que não haverá sequer a renovação para o quinto ano.

Para além de tudo isto, este ano é também é o dos 20 anos da ABIC e têm uma direcção recém-eleita. O que é que vale a pena lembrar destes 20 anos de luta da associação?

Em primeiro lugar, celebrar os 20 anos faz com que olhemos para trás e vejamos aquilo que significou a criação da ABIC e toda a luta por melhores condições laborais para os trabalhadores científicos. Há conquistas que são importantes, há coisas que não eram garantidas. Desde logo, por exemplo, o acesso à licença de maternidade, o acesso ao seguro social voluntário. Nós agora discutimos o fim do Estatuto de Bolseiro em parte também por causa da questão do seguro social voluntário, que não nos serve de maneira nenhuma e que é manifestamente insuficiente. Mas quando se conseguiu o acesso ao seguro social voluntário foi uma conquista enorme, porque nem a isso os bolseiros tinham acesso. O mesmo em relação às licenças de maternidade. Nós agora discutimos que nem todas as bolsas têm o pagamento de licença de maternidade obrigatório a 100% e isto é uma realidade, mas o acesso à licença de maternidade paga a 100% pela FCT não era uma realidade antes. Portanto, quando uma bolseira ou um bolseiro ia para a licença de parentalidade, tinha que se sujeitar ao pagamento da Segurança Social que, neste caso, como nós descontamos muito pouco, correspondia a 400 e poucos euros por mês. O impacto é muito grande no acesso ao direito à maternidade e até nas perspectivas para aquelas bolseiras que querem ser mães. E isto são factores importantes que acho que vale a pena relembrar por ocasião destes 20 anos, porque também nos dão força para pensar que, de facto, aquilo que às vezes parecem pequenas coisas tem uma diferença gigante na melhoria das nossas condições de vida e de trabalho, sem nunca perder de vista, claro, a questão do fim do Estatuto do Bolseiro, da substituição das bolsas por contratos de trabalho e da aplicação da carreira de investigação que, na verdade, são as questões de fundo da ABIC, e que continuam a ser as nossas questões diárias, rumo à autoextinção.

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