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CGTP-IN: força de progresso e de emancipação dos trabalhadores

A Escola Profissional Bento de Jesus Caraça, realidade incontornável no ensino profissional em Portugal, põe o valor do trabalho, a educação e formação do trabalhador, no centro da vida social.

Alunos da Escola Profissional Bento de Jesus Caraça, numa pausa entre aulas, nna sede da instituição, em Lisboa
Créditos / EPBJC

Faz hoje 30 anos que foi criada a Escola Profissional Bento de Jesus Caraça (EPBJC)1.

Ao assinalar a data queremos lembrar o papel importante que, desde há mais de um século, o movimento operário tem tido no combate ao analfabetismo e pela promoção da educação como objectivo de igualdade e de transformação social, no contexto da luta mais geral contra a exploração a que os trabalhadores são sujeitos.

Queremos também sublinhar, uma vez mais, a justeza da escolha e o legado do patrono – Bento de Jesus Caraça – o homem integral, o pedagogo, o divulgador da ciência e da cultura, o homem político para quem «a aquisição da cultura significa uma elevação constante, servida por um florescimento do que há de melhor no homem e por um desenvolvimento sempre crescente de todas as suas qualidades potenciais, consideradas no quádruplo ponto de vista físico, intelectual, moral e artístico, significa, numa palavra, a conquista liberdade».

Sem deixar também, evidentemente, de dar um breve testemunho da realidade que é hoje a EPBJC e evocar todos aqueles que a tornaram possível.

Das Associações de Classe à Revolução de Abril

O período que decorre entre o surgimento das primeiras associações de classe em Portugal e o final do século XIX é marcado pelo predomínio das associações de socorros mútuos e mutualistas, de tradição assistencialista herdada das extintas ordens religiosas. A sua finalidade era sobretudo a ajuda mútua entre os operários e suas famílias, vítimas de doença, desemprego, invalidez e morte, mas também já evidenciavam preocupações com a instrução dos trabalhadores e dos seus filhos.

Perante a necessidade de dar resposta às indignas condições laborais, agravadas por novas formas de exploração associadas ao advento da industrialização, desponta um surto associativista mais actuante no plano da acção colectiva, da solidariedade de classe e da luta reivindicativa. Contudo, o analfabetismo contribuía para retardar a tomada de consciência do proletariado da natureza da exploração a que estava sujeito e, em consequência, demorava a sua afirmação como classe autónoma.

Em 1852, é criado o Centro Promotor dos Melhoramento das Classes Laboriosas, cujos objectivos estatutários eram: «Criar associações de socorros mútuos em todos os mesteres; difundir tanto o ensino elementar, como o ensino geral e técnico das diversas artes e ofícios, com especialidade a leitura, os princípios do cálculo, e a geometria prática; promover e realizar (…) todas as instituições e benefícios necessários» às classes laboriosas.

É o ponto de partida para o desenvolvimento de um importante movimento associativo popular, que nas suas reivindicações incorporam objectivos de fomentar a instrução, a cultura, a solidariedade e a cooperação. As organizações de trabalhadores, até então mutualistas e assistencialistas, dominadas por correntes que propugnavam a conciliação de classes, começam a transformar-se em organizações de resistência, embriões de futuros sindicatos, e a situarem-se no terreno da luta de classes.

Sob a influência dos ecos da Comuna de Paris (1871) e da ligação à Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT)2, a partir de 1872, o movimento operário português intensifica as lutas reivindicativas, incluindo o recurso à greve, ainda ilegal, por aumentos de salários, pela redução do horário de trabalho, contra as degradantes condições de trabalho a que estavam sujeitos. Nestas reivindicações incluem-se o combate ao analfabetismo e à segregação social, nomeadamente no campo da instrução popular e do ensino técnico-profissional.

Nas duas primeiras décadas do século XX os sindicatos organizam escolas operárias até aí ligadas a instituições de carácter republicano, tomando como referência o regulamento sindical que funda as comissões escolares. O passo importante na evolução do movimento operário vai ser a fundação da Confederação Geral do Trabalho (CGT)3, num período em que o sindicalismo revolucionário conhecerá a sua época de maior mobilização.

Contudo, se no debate sobre a escola única as opiniões convergiam no sentido da defesa de uma escola que assegurasse a igualdade e a gratuitidade de acesso à instrução (todas as crianças, ricas ou pobres, rapazes ou raparigas, da cidade ou do campo, deviam gozar das mesmas oportunidades), assim como o estabelecimento de um sistema educacional laico e a criação de um sistema de orientação vocacional, já quanto à finalidade da educação as posições eram bastante divergentes.

Os republicanos e socialistas da época colocavam a questão no plano da moral, acreditando que bastava promover a educação para tornar a sociedade mais democrática e igualitária. No cerne desta concepção estava a velha questão ideológica da conciliação de classes que aqueles partidos acolhiam. Com assaz ironia, e embora defendesse a escola igualitária, o periódico da CGT, A Batalha, referia:

«[... A instrução é só para os ricos (…) enquanto existir o capitalismo, a escola nunca poderá ser igualitária (…) a instrução, a luz do espírito, em vez de se espalhar irmamente por todos, como a luz do Sol, seria dada a cada classe consoante o capricho de quem dominasse (…) dizer-se que uma democracia, pelo facto de proclamar a igualdade política, dá a todos os homens a liberdade de ascender aos mais altos lugares, às mais altas situações, é uma mentira descarada].»

Os sindicalistas revolucionários já então defendiam que a ‘escola única do trabalho’ tinha de ser compreendida na relação entre a educação e o sistema económico e, nesse sentido, devia ser revolucionária, tanto nos conteúdos como nos processos participativos da comunidade escolar. Nesta concepção nova de ensino, de formação integral (intelectual, física, tecnológica), a velha separação entre trabalho manual e trabalho intelectual seria superada, aos trabalhadores era-lhes fornecida a compreensão integral do processo produtivo, do seu papel na sociedade e a acção necessária para a transformar.

É nesse quadro, em que se pode entrever a lenta formação de uma genuína cultura operária, que o movimento operário procura intervir também no campo da educação. A acção já não se reduz às modalidades de apoio social, mas é assumida como estratégia de combate ao analfabetismo e ao acesso à escolarização, seja com objectivos de qualificação profissional, seja como forma de consciencialização dos fenómenos sociais. A educação é encarada com um sentido de transformação social.

Mas o movimento operário, já fortemente reprimido pelos governos da primeira república, não tardaria a sofrer uma repressão ainda mais violenta a partir do golpe militar de 1926 e, depois, com a ditadura salazarista, sendo forçado à clandestinidade.

Abria-se um novo ciclo na vida portuguesa, de quase meio século de opressão e repressão fascista. A corporativização dos sindicatos, com tudo o que isso significou na proibição das liberdades políticas e sindicais e dos direitos dos trabalhadores, também vai causar o refluxo na actividade das escolas sindicais.

Salazar considerava que a repressão física, a proibição dos partidos, dos sindicatos livres, das manifestações e das greves, a censura sobre a imprensa, não eram meios bastantes para travar a luta dos trabalhadores e do povo. Era necessário um poderoso instrumento ideológico que «civilizasse as pobres almas», assegurando a adesão das massas aos superiores interesses da nação. Embora receasse os efeitos «perniciosos» da educação, começou por fazer da escola primária um elemento estratégico de «controlo das práticas educativas», um dos vários instrumentos de controlo social. A extensão da rede escolar no âmbito do Plano dos Centenários, apresentado com o propósito de combater o analfabetismo, foi a via seguida para louvar na sala de aula os feitos da pátria e do ditador.

Não eliminou o analfabetismo, longe disso4, acentuou-se o preconceito em relação aos alunos que optavam pela via dos cursos industriais, de modo geral pertencentes a famílias com menos recursos, além de que era difícil o ingresso no ensino superior, pois o ensino técnico era secundarizado em relação aos cursos liceais, não existindo qualquer equivalência entre as duas vias do subsistema de ensino.

Na década de 70, o sistema de ensino secundário estava obsoleto e sem resposta para as necessidades de um mundo em rápida mudança, razão pela qual foi elaborada a primeira Lei de Bases do Sistema Educativo que previa a fusão do Ensino Técnico com o Ensino Liceal, propósito que só foi concretizado depois da Revolução de Abril, com o Ensino Secundário Unificado (1976), única via após o Ciclo Preparatório.

A construção de uma escola para a vida

Nos anos seguintes à revolução foram feitas tentativas para reabilitar o ensino técnico-profissional, mas todas elas acabaram por não ter sucesso, uma vez que repetiam a matriz do passado.

A Lei de Bases do Sistema Educativo (1986) veio tornar o ensino obrigatório até ao 9.º ano e, três anos depois, foi legalmente permitida a criação de escolas profissionais, autorizando-as a ministrar cursos profissionalizantes inseridos no sistema educativo. O acesso era feito pela conclusão do 9.º ano de escolaridade e, após a conclusão dos três graus seguintes, era garantida a equivalência ao 12.º ano do Ensino Secundário.

É neste quadro que a CGTP-IN decide criar a Escola Profissional Bento de Jesus Caraça, que tem como objectivos, entre outros, «contribuir para a realização pessoal dos jovens, proporcionando, designadamente, a preparação adequada para a vida activa e (…) uma formação integral e integrada dos jovens, qualificando-os para o exercício profissional e para o prosseguimento dos estudos».

Uma das características do modelo adoptado é a dupla valência dos cursos ministrados, oferecendo a possibilidade de os alunos adquirirem uma formação específica com vista à iniciarem de imediato a vida laboral, se assim o desejarem (ao concluírem um curso profissional os alunos obtêm um diploma do Ensino Secundário e uma Qualificação Profissional de nível III), ou optarem por continuar os estudos no ensino superior, em igualdade com os alunos que concluem o Ensino Secundário.

Tal como foi afirmado na passagem dos 20 anos da sua fundação, também hoje se pode dizer que a EPBJC é uma realidade incontornável no panorama do Ensino Profissional em Portugal. Realidade construída com os olhos postos na história do Movimento Operário em Portugal, assente no conceito de democracia plena que põe o valor do trabalho, e a educação e formação do trabalhador, no centro da vida social.

Bento de Jesus Caraça definiu a cultura integral do individuo como sendo o problema central do nosso tempo. E por aqui se percebe que a escolha de tão ilustre personalidade para patrono da escola profissional da CGTP-IN não foi fruto do acaso.

Bento de Jesus Caraça - fonte de inspiração na formação dos trabalhadores

A vida e a obra de Bento de Jesus Caraça (BJC) são indissociáveis da luta do Movimento Operário e Sindical contra a ditadura fascista, pela liberdade e a democracia, por melhores condições de vida e de trabalho, pelo acesso à educação e à cultura, por um ideal de transformação profunda da sociedade de confesso conteúdo humanista.

Notável pedagogo, distinto pensador e conferencista, BJC marcou indelevelmente o século XX. Afirmava-se contra a cultura como monopólio de uma elite, defendia a sua democratização, como elemento de liberdade do ser humano e da democracia política, porque a cultura exige conhecimento e o povo deve ter acesso à aquisição do conhecimento. Na conferência sobre a «Cultura Integral do Individuo», BJC defende que o homem culto é aquele que:

«1.º- Tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular, na sociedade a que pertence; 2.º- Tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente à existência como ser humano; 3.º- Faz do aperfeiçoamento do seu ser interior preocupação máxima e fim último da vida.»

Na sua actividade de muitos anos, como professor da Universidade Popular Portuguesa, e enquanto Presidente da instituição, BJC testemunhou a importância dos sindicatos no processo de libertação dos seus membros através da cultura.

Em 1941 fundou a Biblioteca Cosmos, tendo sido seu director até ao seu falecimento, facto de levou à extinção da iniciativa. A Cosmos foi a mais importante iniciativa de divulgação da ciência e da cultura realizada em Portugal no século XX5.

Nunca esqueceu as suas origens populares, sempre esteve comprometido com as lutas e as causas dos trabalhadores, assumiu-se como um cidadão íntegro e militante antifascista extremamente activo, internacionalista e defensor da paz. Foi um dos fundadores do Movimento da Unidade Nacional Antifascista (MUNAF), que, mais tarde, haveria de dar origem ao Movimento de Unidade Democrática (MUD).

Preso pela PIDE, foi posteriormente demitido do seu lugar de professor catedrático do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF)6, em Outubro de 1946. O sofrimento que tal acto lhe causou precipitou a sua morte prematura em Junho de 1948.

Perante o silenciamento que continua a imperar sobre a excepcional figura que foi Bento de Jesus Caraça, a CGTP-IN tem realizado ao longo dos anos múltiplas iniciativas de homenagem, abertas à sociedade, procurando divulgar a sua obra e, dessa forma, valorizar e manter vivo o seu exemplo.

Perspectivas para o futuro

A EPBJC transformou-se, logo nos primeiros três anos de vida, na maior escola profissional do país, pelo número de alunos, de pólos regionais e de uma larga implantação geográfica. Nestes 30 anos de vida acolheu e diplomou dezenas de milhar de jovens, em regime nocturno e diurno. Muitos deles ingressaram no ensino superior e outros iniciaram a sua vida laboral. O ano lectivo que agora findou iniciou-se com 56 turmas de cursos profissionais e Cursos de Educação e Formação, num total de 1232 alunos.

É preciso dizer que a CGTP-IN encetou esta actividade por omissão do Estado. Hoje, a escola que temos no país (no sentido mais abrangente dos vários graus de ensino) é maioritariamente pública, mas o financiamento é cada vez mais insuficiente, porque é canalizado para o particular, e são dados passos largos para a privatização.

O aspecto fundamental da formação do presente e que comporta uma profunda carga ideológica, é a crescente divisão entre ensino regular e ensino tecnológico/vias profissionalizantes já a partir do ensino básico. Os obstáculos à frequência e sucesso escolar no ensino regular (preços dos manuais, exames nacionais, outras condições materiais existentes, etc.), são um incentivo a que os filhos dos trabalhadores sejam encaminhados para esta via, sob pena de nem concluírem a escolaridade obrigatória.

Vítimas da falta de investimento patronal na formação contínua e de décadas de políticas contrárias à protecção do emprego e de efectivas políticas de qualificação profissional, os trabalhadores estão permanentemente ameaçados de serem considerados obsoletos por uma economia capitalista que se aproveita da digitalização para os descartar, trocando-os por outros mais qualificados, mas com vínculos precários e com salários ainda mais baixos.

Não perdendo de vista, as responsabilidades que cabem ao Estado e às empresas na formação e qualificação dos trabalhadores, a CGTP-IN intervém nesta matéria ao nível da negociação colectiva e da acção reivindicativa nas empresas, junto das instituições e na organização e execução de acções próprias de formação profissional.

A Escola Profissional Bento de Jesus Caraça é, no presente, o resultado de uma construção de trinta anos, idealizada e realizada por todas as pessoas que por ela passaram e os que nela continuam, dirigentes, professores e demais trabalhadores, alunos e todos aqueles que confiaram no seu projecto e com ela cooperam.

Como disse alguém: «Bento Caraça gostaria de saber que existe hoje uma escola com o seu nome, ligada ao movimento sindical, que procura incutir na formação dos alunos aquela cultura integral do individuo que o transforma numa pessoa integrada no seu tempo e na sociedade em que vive, e não num ser passivo e alienado».

Referências

Associação para o Ensino Escola Bento de Jesus Caraça, Uma escola para a vida, 2011.

Caraça, Bento de Jesus, Conferências e Outros Escritos, Lisboa, 2.ª ed., 1978.

Rosa, Rui Namorado, Bento de Jesus Caraça, Um Homem para Todos os Tempos, em http://resistir.info, 2001.

  • 1. A EPBJC foi criada por protocolo entre a CGTP-IN e o Ministério da Educação, celebrado em 20 de Agosto de 1990. (Ver, também, Associação para o Ensino Escola Bento de Jesus Caraça, Uma escola para a vida, 2011, p.20).
  • 2. A AIT (1864-1876), também conhecida como a I Internacional, realizou o seu V Congresso na cidade holandesa de Haia, em 1872, data em que um grupo de militantes internacionalistas do movimento operário português funda a secção portuguesa da AIT.
  • 3. A decisão de criar a CGT foi tomada no I Congresso da União Operária Nacional (UON) em 1914, mas só foi constituída cinco anos depois, substituindo a UON no II Congresso desta, em Coimbra (1919).
  • 4. Segundo os censos, em 1940 a taxa de analfabetismo dos indivíduos com mais de sete anos de idade mantinha-se acima de 50%, e o ensino continuava o mais atrasado da Europa. Por essa altura, Bento de Jesus Caraça punha em evidência que desde 1926 não tinha havido progresso, mas sim retrocesso, na política de ensino em Portugal.
  • 5. Apesar da repressão fascista, a Biblioteca Cosmos foi transferida para A Voz do Operário, onde hoje se encontra.
  • 6. Actualmente o Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG).

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