|Legislativas 2024

Navigator: A «indústria moderna» da IL sustenta-se com a pobreza dos trabalhadores

A Iniciativa Liberal visitou a Navigator (só os patrões, os trabalhadores tinham mais que fazer) e achou que «são exemplos destes que precisamos de multiplicar». Empresa lucrou centenas de milhões e aplica aumentos de 0,9%.

O presidente do Iniciativa Liberal (IL), Rui Rocha, participa numa arruada em Lisboa com o cabeça de lista pelo círculo de Lisboa, Bernardo Blanco, o liberal que prefere Javier Milei 
CréditosMiguel A. Lopes / Agência Lusa

Rui Rocha, presidente da Iniciativa Liberal (IL), o que veio fazer aqui à Navigator? perguntam os jornalistas, com quem falou, com quem se reuniu? Rui Rocha responde: «com a gestão da Navigator». Diga-se o que se quiser dos novos partidos, uma coisa que não lhes falta (como Rui Tavares comprovou horas depois afirmando a sua disponibilidade para dialogar com o PSD, CDS-PP e IL sobre uma revisão constitucional) é a honestidade. Sabemos (quase) sempre ao que vêm.

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Quando para aumentar salários é mesmo preciso aumentar salários

Como se propõe aumentar os salários a Iniciativa Liberal? De duas formas: reduzindo os impostos e colocando os descontos patronais no recibo de vencimento. Não há uma única referência a aumentos de salários directos. Nada. Só palheta.

CréditosPeter Kollanyi / EPA

Tem sido uma das rábulas de estimação de Ricardo Araújo Pereira, utilizando a frase de Paulo Raimundo: «Para aumentar salários é preciso... aumentar salários!» Desde a evocação do senhor de La Palice até ao gozo puro com frases como «então para melhorar a saúde é preciso... melhorar a saúde», tudo tem valido. E a malta ri-se, que a coisa é bem feita e é feita para nos fazer rir.

Mas estamos a falar de algo demasiado importante para permitirmos este tipo de tratamento leve do tema. Porque Paulo Raimundo colocou o dedo na ferida e num dos temas que deveria ser central nesta campanha. 

Como se propõe aumentar os salários a Iniciativa Liberal? Leiam o seu programa! De duas formas: reduzindo os impostos e colocando os descontos patronais no recibo de vencimento dos trabalhadores. Não há uma única referência a aumentos de salários directos. Nada. Só palheta.

Querem «aumentar salários» baixando o IRS. Mas o IRS que iam baixar, essencialmente, era o das grandes famílias. Só um número: com as propostas da IL, os 0,08% dos agregados, aqueles que recebem mais de 250 000 euros de rendimento anual, iriam poupar quase mil milhões de euros de impostos. Em compensação, os três milhões de agregados com menores rendimentos não veriam os seus impostos reduzidos num único euro.

Da mesma forma, colocando os descontos patronais no recibo de ordenado, como defende a IL, um trabalhador que hoje recebe 850 euros líquidos e tem um ordenado bruto de 1100 euros, passaria a ter um ordenado bruto de 1350 euros. Mas continuaria a receber 850 euros líquidos.

Começam a perceber a importância de dizer que só se aumenta salários aumentando os salários?

«Essa proposta está incorporada no programa do Chega, que assim também se propõe a aumentar salários sem aumentar salários. Fala num "15.º mês", mas esse mês é fora do salário ao contrário dos outros 14!»

E a proposta da CIP de há um ano? Que quer PS, quer PSD consideram positiva. A CIP propôs que o «aumento salarial» fosse num prémio, anual, não incorporado ao salário e isento de impostos. Que assim até poderia «aumentar mais os salários». Só que também aqui propunham-se a aumentar os salários sem os aumentar. Pois nem o prémio contaria para a reforma, nem para uma eventual baixa médica, como para agravar, no ano seguinte o salário seria o mesmo, mas a necessidade de aumento seria a dobrar. Essa proposta está incorporada no programa do Chega, que assim também se propõe a aumentar salários sem aumentar salários. Fala num «15.º mês», mas esse mês é fora do salário ao contrário dos outros 14!

Esta proposta contribui para baixar os salários reais, na medida em que sem aumento salarial a inflação encarrega-se de ir diminuindo o valor real do salário. E ainda premeia o patronato com isenções fiscais por pagar em prémio e não no salário. E enquanto o salário é uma obrigação, o prémio é uma «oferta», quando o patrão quiser (e desculpas nunca faltarão, como quem trabalha sabe bem) o prémio desaparece e deixa exposto o salário real.

E isto sem falar daqueles que se propõem aumentar salários... mas não para já, como PS e PSD, que colocam os 1000 euros de salário mínimo mas só lá para 2028. Quando o que é preciso é aumentar os salários agora, que as despesas não se pagam com a promessa de um aumento. 

É pena que Ricardo Araújo Pereira não tenha encontrado forma ou vontade de fazer humor com quem promete aumentar salários sem aumentar salários. Dava mais trabalho arrancar umas gargalhadas, mas era mais sério. E o humor devia ser uma coisa séria.  

Tipo de Artigo: 
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«Tivemos oportunidade», após a amena conversa com os patrões sobre as suas «visões» empresariais, «de fazer uma visita às instalações e tivemos oportunidade de comprovar que se trata de uma indústria moderna, uma indústria com elevados níveis de automação, com preocupação crescente de aumentar o valor acrescentado e, portanto, de trazer riqueza para Portugal», reforçou Rui Rocha.

«São exemplos destes que precisamos de multiplicar», afirmou, referindo-se à Navigator, uma empresa que em 2023 acumulou 275 milhões de euros em lucros. Fez bem, Rui Rocha, em falar exclusivamente com o patronato para falar sobre riqueza, porque para os trabalhadores, nem vê-la.

«Os resultados dos anos de 2022 e 2023 ascenderam a mais de 660 milhões de euros. Estes lucros contrastam com os aumentos salariais. No mesmo período houve uma actualização das tabelas salariais em apenas 0,9 por cento, com um mínimo de 15 euros», afirma, em comunicado, a Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgicas, Químicas, Eléctricas, Farmacêutica, Celulose, Papel, Gráfica, Imprensa, Energia e Minas (Fiequimetal/CGTP), na véspera da visita da Iniciativa Liberal.

«A Navigator bem pode apregoar que, para o ano de 2024, aumentou os salários. Na verdade, o que fez foi apenas uma progressão automática, sem nenhuma actualização das tabelas salariais». Para 2025, a empresa já decidiu unilateralmente aplicar aumentos de 2%, com mínimo de 25 euros, enquanto diminui o valor do prémio anual, nas tabelas de assiduidade e no prémio de produtividade; diminui o valor das progressões na carreira e retira benefícios aos trabalhadores no seguro de saúde dos cônjuges.

É mesmo disto que «precisamos de multiplicar por todo o país», devem estar, em casa, os trabalhadores da Navigator a pensar. Pensam porque Rui Rocha se esquivou, quando pôde, à oportunidade de com eles contactar.

No que toca à IL, a solução é clara: o País tem de ser capaz de diminuir impostos, simplificar processos e pôr a justiça administrativa a funcionar». Quando perguntam à IL como é que pensam pôr o país a crescer muito mais, como fazemos para alcançar salários muito mais altos do que o que temos hoje, a resposta é simples: «eliminar os custos de contexto».

Por enquanto, na Navigator, 660 milhões de lucros em dois anos ainda não foram contexto suficiente para aplicar salários dignos. Fiquemos então, como sugere a IL, à espera de melhores dias para o nosso patronato...

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