«Os contratos que foram assinados, e homologados, através de dois decretos publicados em 2018 eram claramente desvantajosos para o Estado e, em particular, para os utentes das auto-estradas», explicou o presidente argentino Alberto Fernández, numa conferência de imprensa realizada ontem.
Milhares de trabalhadores argentinos – mais de 100 mil, segundo os organizadores – participaram esta quarta-feira, em Buenos Aires, na 4.ª marcha por «Paz, Pão, Terra, Tecto e Trabalho». O dia de São Caetano (padroeiro do trabalho) voltou a ser assinalado com uma grande mobilização na capital argentina em defesa do prolongamento da declaração de emergência social, da declaração de emergência alimentar, bem como de maiores apoios sociais, de apoios para a agricultura familiar e para as infra-estruturas nos bairros. Promovida pela Confederação de Trabalhadores da Economia Popular (CTEP), a Bairros de Pé, a Corrente Classista e Combativa (CCC), a Frente Popular Darío Santillán, a edição deste ano da marcha ficou marcada pelo forte apoio sindical, pela proximidade das eleições (as primárias disputam-se este fim-de-semana) e pelo elevado nível de pobreza no país (35%, segundo dados do Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina). «Este governo disse que vinha governar para todos os argentinos mas trouxe a fome de volta. Destruiu o emprego. Condenou metade dos nossos pibes [miúdos, jovens] a ser pobres», afirmaram representantes das organizações promotoras no encerramento, junto ao Congresso. Além de denunciarem o modelo económico imposto pelo executivo de Mauricio Macri, que classificaram como «gerador de catástrofe social», os organismos solicitaram ao governo que for eleito em Outubro que assuma as reivindicações das organizações sociais, segundo informa a Página 12. Esteban Castro, da CTEP – organização que esteve envolvida nesta marcha desde a sua primeira edição, em Agosto de 2016, com Macri no poder havia oito meses –, sublinhou que o «governo não pode andar mais para trás» e que as propostas em defesa das populações e dos bairros mais carenciados são claras, tendo sido já todas apresentadas ao Congresso. «As propostas são claras. A questão é que não temos a capacidade mediática para as divulgar. Por isso, temos de aproveitar estes meses de debate político para apresentar a agenda das organizações sociais», disse. Num comunicado, as organizações referidas exigiram ainda, entre outras coisas, a aplicação de um programa urgente de reforço nos refeitórios escolares e comunitários, e que as camadas populares tenham acesso a produtos alimentares básicos a preços mais em conta. Também alertaram para a gravidade da situação que se vive nos bairros populares de Buenos Aires devido «à pressão de grupos criminosos de narcotráfico», que «impõem um regime de medo aos habitantes e um futuro de morte aos pibes». Neste sentido, solicitaram às autoridades «a declaração imediata de emergência relativa a dependências» e o «reforço de dispositivos» nesta área, indica o Resumen Latinoamericano. Ao intervir, Juan Carlos Alderete, da Corrente Classista e Combativa, classificou o actual governo argentino como «infame», lembrando que enganou os trabalhadores no que respeita aos impostos, que «despediu milhares de trabalhadores e encerrou empresas todos os dias». «Mais quatro anos com eles não se aguentam», declarou, citado pelo Página 12. Outra militante da CCC, Ramona Cantero, do bairro de Berazategui, disse ao periódico que não consegue continuar a pagar a factura da luz e que lhe cortaram o serviço. «Nos refeitórios já não conseguimos pagar a garrafa de gás e passámos a cozinhar a lenha, com aquilo que encontramos», explicou. Por seu lado, Beatriz Sosa, de Florencio Varela, na região Sul da Grande Buenos Aires, disse que esta é a sua primeira marcha de São Caetano, depois de ter perdido o emprego o ano passado. «Trabalhava na casa de uma família e deixaram de me poder pagar», relatou. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
O governo de Macri «trouxe a fome de volta»
«Mais quatro anos com eles não se aguentam»
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Fernández decretou a nulidade dos contratos assinados por Mauricio Macri, ex-presidente da Argentina (2015 e 2019), Guillermo Dietrich e Javier Iguacel, ministros do Governo de inspiração neo-liberal. Os contratos favoreceram as empresas Ausol S.A. e GCO S.A. permitindo-lhes cobrar portagens nos acessos Norte e Oeste da cidade de Buenos Aires em dólares, e não em pesos argentinos.
O negócio permitiu que estas empresas, de capital estrangeiro, tivessem «uma rentabilidade extraordinária» à custa dos cidadãos argentinos. O actual Governo do país sul-americano anunciou ainda a sua intenção de levar o caso aos tribunais, punindo todos os responsáveis, políticos e económicos.
O impacto económico total deste negócio, como já vem sendo hábito nos regimes neoliberais, foi de cerca de 2 mil milhões de dólares para os povos argentinos, afirmou Fernández.
Para cumprir a obrigação de pagamento incluída nos acordos assinados, e de acordo com o pedido de actualização tarifária apresentado pela AUSOL e GCO em Maio de 2022, a tarifa teria de aumentar, em média, 20 vezes no acesso Norte e mais de 10 vezes no acesso Oeste.
Um negócio cozinhado à medida dos interesses económicos das empresas
Após uma sessão que durou mais de 13 horas, a câmara alta do Congresso transformou em lei a proposta de Orçamento para 2019, que a oposição afirma ter sido «pensado e redigido pelo FMI». Com a aprovação no Senado, já esta madrugada – por 45 votos a favor, 24 contra e uma abstenção –, o governo de Mauricio Macri conseguiu ultrapassar a última prova de fogo antes de ver convertida em lei a polémica proposta de Orçamento para 2019, que voltou a ser alvo de fortes críticas por parte da oposição parlamentar e, nas ruas, de milhares de trabalhadores, convocados por partidos políticos, sindicatos e organizações sociais. O diário Página 12 afirma que, a pedido do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Senado deu luz verde um Orçamento que contempla grandes cortes nas áreas da saúde, educação, cultura, obras públicas e habitação, e que prevê uma inflação de 23% e uma queda de 0,5% no produto interno bruto (PIB). A forte redução na despesa pública está ligada ao pagamento dos juros da dívida, que, no final de 2019, deverá representar 87% do PIB. Neste «orçamento de austeridade», a única verba que aumentará brutalmente, mais que a inflação, é a destinada ao pagamento da dívida, refere ainda o Página 12. A aprovação orçamental implica um «sim» à política de austeridade e de «défice zero» que Mauricio Macri se comprometeu a atingir nas negociações com o FMI, de modo a garantir um empréstimo de 57 mil milhões de dólares. Enquanto o macrista Esteban Bullrich, que defendeu enfaticamente as virtudes da «poupança» e do «reordenamento dos recursos do Estado», agradeceu o apoio da maioria dos senadores ao «esforço histórico de redução do défice para 0%» e disse reconhecer «o sacrifício exigido aos argentinos», vários senadores da oposição não foram parcos nas críticas à proposta transformada em lei. A ex-presidente Cristina Fernández Kirchner disse que «a maioria das leis de défice zero não deram resultados no mundo» e criticou o actual executivo por ter contraído ao FMI um empréstimo de 57 mil milhões de dólares. «Pensam que isto será a solução? Pode algum argentino, depois de tantas experiências, acreditar que a solução virá daí?», perguntou, citada pela Prensa Latina. Por seu lado, o senador Solanas caracterizou a redução da inflação para 23% como «um conto infantil». «Vamos terminar o ano com 48 ou 49% e os magos do Cambiemos – partido de Macri – vão fazê-la baixar para 23%. Não é sério», frisou. «O governo do Cambiemos apenas tem para oferecer aos argentinos mais austeridade, precarização, endividadamento e recessão», criticou o senador da oposição Marcelo Fuentes. «É cínico que apresentem como uma virtude os programas de emergência que criam como paliativos para a crise que eles próprios geraram», acrescentou, citado pelo Página 12. Tal como aconteceu a 25 de Outubro, quando a Câmara dos Deputados aprovou a proposta de Orçamento apresentada pelo governo, milhares de pessoas saíram para as ruas de Buenos Aires, em protesto contra o «Orçamento do FMI». Apesar de bastante menos participada que a de Outubro, a mobilização de ontem, que entrou pela madrugada de hoje, enfrentou um Congresso igualmente blindado, protegido por baias e por um amplo dispositivo policial, que mantinham os manifestantes bastante afastados da câmara alta. De acordo com a Prensa Latina, desta vez a Polícia manteve-se quase sempre atrás das baias. Ainda assim, registaram-se duas detenções. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Senado argentino aprova orçamento «do endividamento e da recessão»
Críticas dentro e fora da câmara
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Na mesma conferência, Gabriel Katopodis, actual ministro das Obras Públicas do Governo de Alberto Fernández, explicou, em linhas gerais, o calote preparado pelas empresas estrangeiras (com o total apoio das instituições argentinas no poder, à altura).
«Foi estabelecida, sem qualquer justificação, uma dívida a favor das empresas concessionárias sem qualquer parâmetro ou base objectiva. No caso de Ausol foi de 540 milhões de dólares, no caso de GCO S.A. foi de 272 milhões de dólares. Um total de 813 milhões de dólares» de dívida para o Estado.
«Posteriormente, ficou definido que esta dívida deveria ser paga durante dez anos, período durante o qual o contrato deveria ser prolongado». É mais um caso flagrante. «Por lei, o contrato deveria terminar em 2020», mas Macri decidiu, «de uma forma absolutamente arbitrária», prolongá-lo até 2030, razão pela qual ainda estavam em vigor.
Ao longo desses dez anos, a prioridade estava no pagamento da dívida. «A equação económico-financeira foi modificada, propositadamente, para favorecer o pagamento e compensação da dívida às empresas, adiando qualquer obra ou melhoria» na auto-estrada.
«Em suma, o que foi feito foi transformar um contrato de concessão numa nota promissória de assinatura única», afirmou o ministro.
A que bolsos foi parar o dinheiro do povo argentino?
O governo da província de Salta, no Norte da Argentina, declarou o estado de emergência, depois de 6 crianças do povo indígena Wichi terem morrido, este mês, como consequência da desnutrição. O «problema» arrasta-se há anos e reflecte a situação de pobreza extrema que atinge as comunidades indígenas na província, nomeadamente nos departamentos de Orán, Ribadavía e San Martín, perto da fronteira com a Bolívia e o Paraguai. Ali foi agora decretado o estado de emergência, que implica o reforço dos programas sociais e de cuidados médicos por um período de 180 dias. Ao longo deste mês, em pleno Verão austral, seis crianças com idades entre seis meses e três anos, pertencentes à comunidade indígena Wichi, morreram, com sintomas de deficiências alimentares crónicas, vómitos e diarreias, refere a RT, acrescentando que estão internados pelo menos outros 20 menores, dez dos quais com um quadro clínico grave e os outros com perspectiva de recuperação. Pela parte do governo central argentino, Daniel Arroyo, ministro do Desenvolvimento Social, anunciou esta semana que vai apoiar o executivo de Salta com a entrega de alimentos, água potável e reforço dos serviços de saúde. Em declarações recolhidas pelo portal Movimiento Político de Resistencia, David Torres, representante do povo Lule, sublinhou que a região «está terrivelmente empobrecida»: há falta de trabalho, dificuldade de acesso à saúde, à educação, aos alimentos e à água potável, além de que as comunidades indígenas são discriminadas e alvo de racismo. Deu como exemplo destas dificuldades o facto de uma das duas ambulâncias ao serviço do hospital de Tartagal estar fora de serviço por problemas técnicos, e lembrou que, apesar de na província de Salta existir «o único Ministério de Assuntos Indígenas do país», a maior parte dos médicos do Estado se foi embora, até por causa da política recente de austeridade. Torres disse ainda que a população rural, de baixos recursos – na sua maioria indígena –, acaba por consumir água contaminada por agrotóxicos, que são usados no agronegócio (sobretudo agropecuária) que invadiu a região. Na peça «El lento genocidio wichí: catástrofe humanitaria», publicado no portal Resumen Latinoamericano, sublinha-se precisamente a dimensão da «catástrofe» de povos que vêem, há anos, a fronteira do agronegócio avançar sobre o seu modo de vida – sustentável – e trazer a fome, a sede e a contaminação. Contundente, o médico Rodolfo Franco afirma que estão a matar os indígenas «à fome, com má educação, com má saúde» e sublinha que, sendo necessário um médico para cada 600 pessoas, ele presta cuidados a duas localidades, uma com 4000 e outra com 2000 habitantes. Os números que agora chocam, em 2020, seguem-se a outros registados em 2011, 2016, 2017, em que crianças morreram desnutridas e doentes ou já nasceram mortas, porque as suas mães tinham demasiada fome e sede, «cercadas pelo abandono e a incúria», refere a reportagem. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Uma província argentina declara emergência após 6 crianças morrerem à fome
Região empobrecida e contaminada por agrotóxicos
As mortes por destrunição existem há muito
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As empresas Ausol (Autopistas del Sol) e GCO (Grupo Concesionario del Oeste) têm como accionista maioritário a concessionária espanhola de auto-estradas Abertis. Esta empresa é detida, em 50%, pela empresa de construção ACS (20% através da sua subsidiária alemã Hochtief), propriedade de Florentino Pérez, presidente do clube de futebol Real Madrid, e do seu sócio italiano, Atlantia.
Especificamente, Abertis detém 31,59% da Ausol, juntamente com outros parceiros como a Salini-Impregilo de Itália (19,82%) e a Natal Inversiones da Argentina (14,12%), enquanto os restantes 34,47% estão cotados na bolsa de valores. Da mesma forma, a concessionária espanhol possui, através da sua subsidiária Acesa, 42,87% da GCO, juntamente com a Malaysian IJM Corporation (20,1%) e o Supervene I Management Trust (5,73%).
Não é de estranhar que as empresa tenham requerido, e Macri concedido, a dolarização: a adopção do dólar como moeda legal neste contrato. Existe um quadro legal e regulamentar na Argentina que estabelece que todos os contratos devem ser celebrados em pesos argentinos, algo que o ex-presidente ignorou, para proteger os interesses do capital estrangeiro.
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