Os sociais-democratas do SPD, Os Verdes e o Die Linke (A Esquerda) aprovaram no fim-de-semana passado um programa comum de governo para o Estado de Bremen na legislatura que vai de 2019 a 2023, segundo noticiou o Zeit Online.
O denominado Acordo de Coligação para o Governo do Estado, considerado como a base política para o estabelecimento de uma coligação governativa em Bremen, fora apresentado publicamente no passado dia 1 de Julho pelas delegações empenhadas na sua elaboração, após três semanas de negociações tripartidas.
Se, como tudo indica, este acordo entrar em vigor, será a primeira vez que um Estado situado no território da antiga República Federal Alemã é governado por uma coligação que inclua o Die Linke, partido que no Parlamento Europeu se senta ao lado do PCP e do BE no Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL).
«As eleições para o Parlamento do Estado de Bremen, realizadas no passado mês de Junho, deram o primeiro lugar à CDU, no que constituiu a primeira derrota dos sociais-democratas do SPD nos vinte plebiscitos aí realizados após o fim da Segunda Guerra Mundial.»
Com 700 mil habitantes, a Cidade Livre Hanseática de Bremen – que inclui o exclave de Bremerhaven, antigo porto da marinha de guerra alemã – é o mais pequeno dos 16 estados regionais da Alemanha. É um estado pobre, assolado por uma grande dívida pública e governado nas últimas décadas sob sucessivas políticas austeritárias.
A nova coligação está sob o escrutínio atento dos olhares alemães, com vários dirigentes social-democratas a defender uma aliança tripartida à esquerda a nível nacional, como alternativa aos governos de «grande coligação» com a União Democrata-Cristã (CDU) dirigida por Angela Merkel1. Também de observadores do estrangeiro: em artigo na revista de esquerda Monthly Review Online, fazia-se uma interrogação: «Funcionará esta tripla coligação? Poderão as facções locais de esquerda no SPD e nos Verdes e uma liderança militante no Die Linke unir-se, desafiarem a enorme dívida pública, alcançar melhorias na educação, habitação e meio ambiente?». Para concluir: «A experiência será observada, ao pormenor e criticamente».
Partidos aprovam acordo por larga maioria
As decisões, segundo o Zeit e outras fontes alemãs, foram tomadas por uma larga maioria dos delegados presentes às reuniões extraordinárias daquelas forças políticas.
Tanto no Congresso Estadual do SPD como na Assembleia Regional de Os Verdes essa maioria foi esmagadora: no primeiro caso os 140 delegados aprovaram a coligação com apenas quatro abstenções e no segundo o acordo foi aprovado por unanimidade com uma única abstenção.
A presidente estadual do SPD, Sascha Karolin Aulepp, defendeu a coligação como «um ponto de partida, um recomeço» para criar «maiorias sustentáveis de centro-esquerda também na Alemanha Ocidental».
Na Conferência Extraordinária do Die Link o debate foi mais dividido, tendo diversos delegados expresso preocupação com a possibilidade de o partido vir a conformar-se com a política de austeridade e cortes orçamentais no Estado e nas políticas sociais, que tem caracterizado o governo do SPD com a direita.
«[O SPD] teve a votação mais baixa de sempre em Bremen, onde governa, sozinho ou em coligação, desde 1946. Até 1995, quando iniciou a nível local uma coligação governativa com os conservadores da CDU, a cidade era um autêntico bastião do SPD e este partido recolhia à volta de 50% dos votos nas eleições para o Parlamento estadual.»
O acordo foi aprovado por 71% dos delegados e decorre até 22 de Julho uma consulta aos militantes, que a imprensa calcula não vir a alterar a decisão tomada, já que no Acordo de Coligação ficaram estabelecidas algumas das medidas mais emblemáticas do Die Linke, como o fim das privatizações de terrenos urbanos, o fim do programa de redução de pessoal (no sector público), o aumento da construção social (após décadas de declínio), o combate à pobreza, o apoio aos sem-abrigo, a obrigatoriedade de as empresas darem formação aos trabalhadores ao seu serviço, ou a formação e financiamento de Conselhos da Juventude.
Para o governo a formar-se está prevista uma divisão de três ministros e um presidente para o SPD, cabendo ao Os Verdes e Die Linke, respectivamente, três e dois ministros.
As eleições estaduais em Bremen
As eleições para o Parlamento do Estado de Bremen, realizadas em 26 de Maio, em simultâneo com as eleições para o Parlamento Europeu Junho, deram o primeiro lugar à CDU, no que constituiu a primeira derrota dos sociais-democratas do SPD nos vinte plebiscitos aí realizados após o fim da Segunda Guerra Mundial.
«As eleições para o Parlamento do Estado de Bremen revelaram um acréscimo da luta política e do interesse do eleitorado, registando-se uma afluência de 64% que contraria o declínio de participação verificado a partir de 1995 e que levou a que, nas eleições locais entre 2007 e 2015, se registasse uma afluência às urnas inferior a metade do eleitorado»
No entanto, os cerca de 392 mil votos do partido de Angela Merkel, que representaram 26,7% dos votos entrados em urna, nem sequer foram o melhor resultado recolhido pelos conservadores nas eleições locais naquela cidade-estado alemã. Desde a reunificação da Alemanha e até 2005, ano em que o seu eleitorado começou a ser vulnerável à nova extrema-direita germânica, a CDU recolheu regularmente cerca de 30% dos votos em Bremen, com um auge de 37,6% em 1999.
Acontece que o SPD, ao receber 366 mil votos (24,9%) teve a votação mais baixa de sempre no Estado onde governa, sozinho ou em coligação, desde 1946 – ano das primeiras eleições realizadas após a derrota nazi. Até 1995, quando iniciou a nível local uma coligação governativa com os conservadores da CDU, a cidade era um autêntico bastião do SPD e este partido recolhia à volta de 50% dos votos nas eleições para o Parlamento estadual.
Em 1995 o SPD convida a CDU para o governo de Bremen e partilha com os conservadores o governo estadual até 2007.
Anteriormente apenas o fizera, episodicamente, em 1950, no auge da Guerra Fria e no contexto de uma feroz campanha anti-comunista contra o seu anterior aliado do pós-guerra, o Partido Comunista da Alemanha2.
A proximidade entre os dois partidos do «bloco central» alemão reforça-se quando o SPD inaugura em 2005, a nível federal, uma coabitação governativa com a senhora Merkel. Os sociais-democratas participam em três dos quatro governos dirigidos pela chanceler alemã e prevê-se que permaneçam no seu governo até às eleições federais de 2022.
«A presidente estadual do SPD, Sascha Karolin Aulepp, defendeu [uma] coligação [SPD, Os Verdes, Die Linke] como "um ponto de partida, um recomeço" para criar "maiorias sustentáveis de centro-esquerda também na Alemanha Ocidental"»
O eleitorado de Bremen do SPD tem-se mostrado progressivamente oposto a esta aliança. A nível local o SPD tentou contrariar os efeitos da «grande coligação» nacional e desde 2007 até ao presente governa com Os Verdes, mas tal não evitou a contínua erosão do seu eleitorado. Só em relação às eleições de 2015 sofreu uma perda de 7,9 pontos.
Carsten Sieling, líder do partido SPD e Presidente da Câmara de Bremen, apresentou a sua demissão a seguir às eleições.
Um quadro político novo em Bremen
Ainda assim, o SPD vai manter-se no governo de Bremen, devido ao particular quadro político surgido das mais recentes eleições para o Parlamento estatal.
As eleições para o Parlamento do Estado de Bremen revelaram um acréscimo da luta política e do interesse do eleitorado, registando-se uma afluência de 64%, que contraria o declínio de participação verificado a partir de 1995 e que levou a que, nas eleições locais entre 2007 e 2015, se registasse uma afluência às urnas inferior a metade do eleitorado.
Ao contrário de outros estados alemães, aqui a extrema-direita do Alternativa Para a Alemanha (AfD) obteve cerca de 90 mil votos (6,1%) e praticamente não progrediu (+0,6 pts). Os liberais dos Partido dos Democratas Livres (FDP), tradicionalmente parceiros de sociais-democratas ou conservadores, conforme a situação, receberam 87 mil votos (6%) e sofreram um ligeiro recuo (-0,6 pts).
Já Os Verdes, que centraram a sua campanha no perigo das alterações climáticas, apesar de não terem atingido o melhor resultado de sempre (22,5% nas eleições de 2011), obtiveram 256 mil votos (17,4%) tendo progredido relativamente às eleições precedentes (+2,3 pts). Após as eleições rejeitaram a proposta da CDU de integrarem uma coligação com os liberais do FDP e preferiram dirigir-se ao SPD e ao Die Linke com uma proposta de governo alternativo.
«Será a primeira vez que um Estado situado no território da antiga República Federal Alemã é governado por uma coligação que inclua o Die Linke, que no Parlamento Europeu se senta ao lado do BE e do PCP no Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL)»
O Die Linke atingiu 166 mil votos (11,3%) e posicionou-se como a quarta força política em Bremen (+1,8 pts). O seu crescimento acentuou-se nas duas últimas eleições – o resultado de 2015, 9,5%, foi o mais alto do partido, até então. Fundado em 2007, é um resultado da fusão da organização Trabalho e Justiça Social - a Escolha Alternativa, uma fracção de esquerda no partido social-democrata, e do Partido do Socialismo Democrático (PDS), sucessor do Partido Socialista Unificado da Alemanha (PSUA) que dirigiu os destinos da República Democrática Alemã até 1989. Por essa razão, a actividade do Die Linke, tal como acontece com os comunistas do DKP, sofre a vigilância dos órgãos de segurança do Estado.
- 1. Ver notícias na Reuters e no Euroactiv.
- 2. O Partido Comunista da Alemanha (KPD) viria a ser ilegalizado em 1956, numa decisão que se mantém até hoje, apesar das crescentes críticas a este respeito em sectores cada vez mais amplos da sociedade alemã. Em 1968 militantes reuniram-se para formar o Partido Comunista Alemão (DKP), que opera sob severas restrições e permanente vigilância das autoridades.
Contribui para uma boa ideia
Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.
O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.
Contribui aqui