Num breve encontro com Mônica Benício, a deputada Rita Rato exprimiu «a solidariedade das deputadas do PCP» face ao assassinato de Marielle Franco, um dos crimes políticos mais graves na história recente do Brasil1, e «a convicção da importância do apuramento integral dos factos para travar a degradação da democracia brasileira e das suas instituições».
O Brasil vive dias difíceis depois do golpe de Estado institucional que destituiu a Presidente eleita Dilma Rousseff e impediu a candidatura de Lula da Silva às eleições presidenciais de 7 de Outubro próximo, que terão na candidatura Fernando Haddad/Manuela d’Ávila a defesa dos direitos, da democracia e da soberania do povo brasileiro.
«Seis meses depois do atentado ainda não há conclusões sobre o crime» – sublinhou a deputada comunista, e a cidade do Rio de Janeiro «continua debaixo da intervenção militar» contra a qual Marielle se bateu até ao último dia da sua vida.
Mônica Benício, arquitecta e também ela feminista e lutadora pelos direitos dos negros das favelas brasileiras, está em Portugal para dinamizar apoios à investigação da morte de Marielle Franco.
Está em marcha uma petição pedindo que «sejam tomadas todas as medidas necessárias para evitar ataques futuros contra quem defende os direitos humanos no Brasil, como o fazia Marielle Franco – incluindo através da reativação do programa de proteção de defensores de direitos humanos naquele país». São duzentos mil subscritores até agora, dos quais 2300 em Portugal. Acompanhada de uma delegação luso-brasileira da Amnistia Internacional (AI), Mónica Benício foi recebida na Embaixada do Brasil em Lisboa, que acolherá as assinaturas recolhidas em Portugal.
Marielle Franco e o seu assassinato
Feminista, militante LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais) e pelos direitos dos negros, a vereadora municipal Marielle Franco (PSOL) foi, sobretudo, uma importante militante pela defesa dos direitos dos favelados, os habitantes pobres das favelas do Rio de Janeiro – numa das quais nascera, negra também ela como tantos dos seus concidadãos – e contra a repressão policial que frequentemente os flagelava.
Marielle, que fazia parte da comissão que acompanha a intervenção militar no Rio – decretada pelo governo golpista de Temer a 16 de Fevereiro de 2018 –, denunciara três dias antes a acção violenta do 41.º batalhão da PM, «conhecido como Batalhão da Morte», na favela Acari, no Rio de Janeiro. Escreveu no Twitter: «Chega de matarem os nossos jovens!» De acordo com os moradores, os agentes da Polícia Militar invadiram casas, fotografaram as pessoas e aterrorizaram os populares, como frisou na altura o portal Vermelho.
A sua morte deu-se junto à Câmara Municipal, quando regressava de um debate sobre «Jovens negras movendo a estrutura». Vários disparos atingiram mortalmente Marielle Franco e o seu motorista, Anderson Pedro Gomes, a partir de uma viatura emboscada que se pôs em fuga. Os assassinos não só utilizaram munição de calibre militar como deram provas de profissionalismo na execução: o carro de Marielle Franco tinha vidros fumados, não podendo ver-se a vereadora do exterior mas, ainda assim, ela foi atingida certeiramente.
Confrontado pelo jornal Folha de São Paulo sobre o crime, o ministro Jongmann, escusando-se embora a divulgar pormenores da investigação em curso, admitiu a existência de «estruturas que participaram directa ou indirectamente nesse crime que envolve milícias, envolve agentes públicos de segurança e envolve políticos».
Um balanço recente à investigação, publicado no portal Geledés1 sob o título «O labirinto das investigações do caso Marielle Franco» revela a existência no estado do Rio de Janeiro de uma teia criminosa que inclui organizações de assassinos – suspeita-se de ex-polícias ou polícias no activo – «capazes de execuções por encomenda sem deixar rasto».
Seis meses depois da morte de Marielle Franco, o inquérito continua por concluir e a cidade do Rio de Janeiro vê a campanha eleitoral e verá as eleições presidenciais de 7 de Outubro2 decorrerem numa cidade controlada pelos militares e forças especiais de polícia.
Depois de Mariella, Mônica
Mônica Benício assume publicamente a viuvez para não permitir à conservadora sociedade brasileira louvar Marielle Franco escamoteando a condição que ambas partilharam: mulheres, feministas, lésbicas. Entrevistada à sua chegada a Portugal, a arquitecta brasileira denunciou ao jornal Público a existência, no Brasil, de assassínios que, como o de Marielle Franco, são «crimes políticos» envolvendo «agentes do Estado», que tendem a não ser investigados ou a ter inquéritos inconclusivos. Na entrevista assume-se como «militante de direitos humanos desde os 17 anos», mas «sem protagonismo», como militante de base («de chão», para usar a expressão que no Brasil designa a mesma condição). Integrando os movimentos feminista e LGBTI, identificava-se sobretudo, tal como Marielle, com os «movimentos nas favelas».
O assassínio da mulher obrigou-a a saltar para a ribalta. Como ela própria reconhece na já referida entrevista, acabou por se tornar «porta-voz desses movimentos nos quais já militava». Porque agora não se trata apenas – e já seria muito – de obter «justiça para Marielle», mas também de garantir que as suas lutas «sejam levadas adiante, que a luta dela tenha continuidade». E Mônica está lá onde é preciso, «nesse lugar de dar continuidade a um trabalho que infelizmente ela não conseguiu fazer com a visibilidade que hoje tem. E também para garantir que não aconteçam mais crimes hediondos como o da Marielle»3.
As ameaças anónimas não têm parado. No final de Agosto Mônica Benício «pediu proteção à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pois vem sofrendo ameaças». No dia 31 de Agosto, após reunião com o ministro Gustavo Rocha, do Ministério dos Direitos Humanos, foi-lhe oferecida protecção pelo Governo federal. Veio à Europa para participar, no passado dia 20 de Setembro, no Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, na Suíça, e aí denunciar «a demora nas investigações do crime».
Quando a arte integra a luta
A terceira edição do Festival Iminente, que decorreu de 21 a 23 de Setembro no Miradouro Panorâmico de Monsanto, em Lisboa, foi marcada por um novo mural do mais conhecido artista urbano português, Alexandre Farto (Vhils), em que este homenageia a activista e vereadora brasileira, juntando-se às vozes que pedem justiça para Marielle Franco. O retrato de Marielle Franco por Vhils foi cravado pelo artista numa das paredes do Miradouro.
Na inauguração, Vhils teve a seu lado Mônica Benício. Em Monsanto a arte deu a mão à luta pelos direitos dos favelados, luta da qual Marielle Franco é já um símbolo que desejamos irrepetível.
- 1. O Geledés/Instituto da Mulher Negra é uma organização da sociedade civil fundada em 30 de abril de 1988 que, como declara no seu portal, «se posiciona em defesa de mulheres e negros por entender que esses dois segmentos sociais padecem de desvantagens e discriminações no acesso às oportunidades sociais em função do racismo e do sexismo vigentes na sociedade brasileira».
- 2. Recorde-se que os eleitores brasileiros vão eleger, além do Presidente da República, os governadores dos estados, dois terços do Senado Federal, deputados federais e deputados estaduais ou distritais.
- 3. Leia no Público a entrevista a Mônica Benício.
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