Números oficiais nas Honduras indicam que a candidata de esquerda, Xiomara Castro, esposa do presidente Manuel Zelaya, deposto por um golpe de Estado em 2009, será a nova presidente do país, com uma vantagem de quase 20 pontos sobre Nasry Asfura com mais de 51% dos votos contados. No entanto, o candidato de extrema-direita também se proclamou vencedor das eleições.
Nas ruas de Tegucigalpa, milhares de pessoas celebraram os resultados provisórios de uma eleição com elevada afluência às urnas, mais de 68%. Segundo números oficiais, Castro obterá 53,6% dos votos, contra 33,8% para Asfura e 9,2% para o candidato liberal, Yani Rosenthal.
Os resultados eleitorais representam uma reviravolta em relação aos últimos 12 anos, dominados pelo Partido Nacional de extrema-direita, que chegou ao poder após o golpe de Estado de 2009 que derrubou o legítimo presidente Manuel Zelaya. Estes anos foram também marcados por eleições fraudulentas, como as que levaram à reeleição do candidato de extrema-direita Juan Orlando Hernández em 2017. Só durante esta campanha eleitoral, 31 pessoas ligadas às eleições foram assassinadas, de acordo com o Observatório da Violência da Universidade Nacional.
«Boa noite, ganhámos», disse Xiomara Castro em frente aos seus apoiantes na sua primeira aparição no domingo. No seu discurso, prometeu gestos de reconciliação: «Estendo a minha mão aos meus adversários porque não tenho inimigos, apelarei ao diálogo com todos os sectores».
Mais de cinco milhões de hondurenhos, 70% dos quais com menos de 39 anos de idade, foram chamados às urnas para eleger um novo presidente, 128 deputados e presidentes de câmara numa atmosfera tensa.
O país de 10 milhões de pessoas estava a escolher entre dois caminhos antagónicos: o de Castro, de esquerda, e a via de extrema-direita do presidente da câmara da capital, Nasry Asfura. Castro lidera um partido que apoia Cuba e a Venezuela, que propõe a legalização do aborto e o alargamento dos programas sociais. A sua proposta reflecte o cansaço de um país exausto que expulsa diariamente os seus jovens em caravanas maciças de emigrantes sem esperança.
Pela sua parte, o presidente da câmara de Tegucigalpa apresentou-se na campanha com os slogans «trabalho, trabalho e trabalho» e com «sim à pátria, não ao comunismo».
Com 59% da população a viver abaixo do limiar da pobreza e o desemprego a duplicar para mais de 10% devido à pandemia, o próximo presidente das Honduras terá de gerir um país que se tornou um paraíso para o tráfico de droga, gangues paramilitares e criminosos, e empresas multinacionais. A combinação destes três actores fez das Honduras um dos países onde muitos activistas são assassinados: foram 17, em 2020.
Xiomara Castro define-se como uma feminista, defende o «socialismo democrático» e uma política aberta sobre questões como o casamento LGBT ou o aborto, onde propõe a sua legalização em certos casos.
«Obrigado, companheiros, transformámos 12 anos de lágrimas e dor em alegria. O sacrifício dos nossos mártires não foi em vão. Vamos iniciar uma era de prosperidade e solidariedade através do diálogo com todos os sectores, sem discriminação e sem sectarismo», disse Castro sobre os meios de comunicação social.
Um história de resistência
Xiomara Castro tornou-se um nome familiar em 2005 quando o seu marido, Manuel 'Mel' Zelaya, ganhou a presidência com o Partido Liberal de centro-direita. Depois de tomar posse, Zelaya virou à esquerda e aliou-se aos governos que tinham chegado ao poder como parte da «maré rosa» na América Latina - incluindo o falecido líder venezuelano Hugo Chávez. Estas alianças levaram a elite conservadora a derrubar Zelaya em 2009, num golpe apoiado pelas forças armadas.
Na crise política que se seguiu, Castro liderou o maior movimento de protesto da história recente do seu país. «Fê-lo com coragem, com talento, nunca deixou que os seus discursos fossem guiados por sentimentos ou emoções, foi sempre muito racional», diz Edmundo Orellana, que estava no gabinete de Zelaya.
«Desde então, as Honduras identificaram-na como uma figura política com personalidade própria. Muito diferente da personalidade política de Mel», acrescenta. Castro concorreu pela primeira vez à presidência em 2013, como o candidato do Partido Libre de centro-esquerda, que emergiu desse movimento de protesto.
Capanha anti-comunista
Desta vez, Castro tem o apoio de uma coligação de partidos muito ampla. No entanto, o Partido Nacional lançou uma feroz campanha que faz lembrar as suas estratégias contra Zelaya antes do golpe.
Cartazes vermelhos apareceram em todo o país representando Castro e os seus aliados como comunistas. Os anúncios de televisão e rádio mencionam Chávez com tal frequência que parece ser candidato às eleições, mesmo depois de morto e venezuelano.
Mas a situação económica precária do país significa que uma campanha inspirada na Guerra Fria pode falhar. «Dizem que seremos desempregados e sem abrigo, mas estamos em pior situação do que sob o comunismo. Não há emprego», queixa-se ao site El Diario um hondurenho, desempregado como tantos outros da sua geração.
O anúncio de Castro da sua intenção de estabelecer laços diplomáticos com a China também foi criticado pela direita. As Honduras são um dos poucos países que ainda reconhece Taiwan.
A campanha do medo também tentou capitalizar a promessa de Castro de flexibilizar as draconianas leis anti-aborto do país. As Honduras são um dos únicos quatro países da América Latina que proíbe o aborto em qualquer circunstância, e Castro propôs a sua legalização em casos de violação, quando a gravidez põe em perigo a vida da mãe e quando o feto não é viável.
Mas no início deste ano o governo aprovou uma reforma constitucional que torna praticamente impossível alterar a proibição total do aborto no país.
O principal concorrente de Castro, o candidato do Partido Nacional Nasry Asfura, nos seus dois mandatos sucessivos como presidente da câmara de Tegucigalpa, ficou conhecido como «Papi mete as coisas em ordem», Asfura, de 63 anos, tem-se concentrado na criação de empregos e na melhoria das infra-estruturas da cidade.
Como candidato de um partido manchado por inúmeras alegações de comportamento criminoso, Asfura fez campanha sob o lema «Papi é diferente» - uma frase que é uma tentativa de se distanciar do actual presidente da República do seu partido.
Mas o próprio Asfura foi indiciado num caso de corrupção envolvendo o desvio de cerca de um milhão de dólares em fundos públicos.
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