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Expressão Popular, há 25 anos a formar militância e consciência social no Brasil

Nascida a 29 de Janeiro de 1999, no seio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Expressão Popular «direccionou-se para a transformação social», afirma Miguel Yoshida, seu coordenador editorial.

Créditos / Expressão Popular

A Expressão Popular surgiu no âmbito da campanha de construção da Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST. Nesse contexto do final do século XX, também marcado pelo avanço do neoliberalismo, a editora e livraria consolidou-se como meio de divulgação de ideias progressistas, formação de militantes e democratização do acesso à literatura.

Desde então, a editora publicou mais de 700 títulos, reunindo trabalhos de mais de mil autores, mantendo preços acessíveis.

Numa breve entrevista ao portal do MST, Miguel Yoshida, coordenador editorial da Expressão Popular, sublinha que a editora pretende trazer sempre nos materiais que publica a compreensão da luta de classes contemporânea, a agroecologia, a pedagogia socialista e a publicação de clássicos marxistas.

Outro elemento destacado é o facto de, neste quarto de século, a Expressão Popular não se ter limitado a «observar», mas também ter participado activamente nas várias etapas políticas do Brasil. Desde o início, durante o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, até aos desafios recentes impostos pelo «desgoverno» de Jair Bolsonaro, a editora assumiu o compromisso de intervir na batalha das ideias e de facultar leituras que «permitam à militância compreender o momento actual, organizar-se de maneira eficaz e projectar alternativas sociais».

MST: Para iniciar, gostaríamos que compartilhasse um pouco sobre a jornada da Editora Expressão Popular ao completar 25 anos. Como surgiu a iniciativa popular e que desafios e conquistas marcantes ao longo desses anos moldaram a Expressão Popular até aqui?

Miguel Yoshida: A editora teve seu início no final de 1998 e início de 1999, período em que os movimentos populares enfrentavam o neoliberalismo no governo de Fernando Henrique Cardoso. Destaco marcos significativos, como o massacre de Eldorado dos Carajás em 1996 e a marcha do MST em 1997, eventos que impulsionaram a busca por uma nova formação teórica. Nesse contexto, havia uma carência de títulos marxistas no Brasil, resultado da queda do Muro de Berlim em 1989 e da subsequente desilusão com o socialismo. Diante dessa lacuna, os movimentos populares sentiram a necessidade de criar uma editora para fortalecer teoricamente a militância. Assim, surgia a Expressão Popular, inicialmente focada na formação dos militantes.

Miguel Yoshida, coordenador editorial da Expressão Popular / MST

A editora, desde seu início, direccionou-se para a transformação social, inspirando-se em figuras como Lénine, Rosa Luxemburgo e Che Guevara. O primeiro livro publicado foi a biografia de Lénine, Lenin: A Revolução Russa, seguido por uma colectânea de textos de Rosa Luxemburgo e um sobre o pensamento de Che Guevara – O pensamento de Che Guevara, do Michel Levy. A solidariedade marcou a essência da Expressão Popular desde o princípio, evidenciada pelo facto de que Isabel Loureiro e Michel Levy, ambos reconhecidos intelectuais à época, cederam os direitos autorais de seus trabalhos para a editora. Este princípio de conhecimento compartilhado e a busca pela transformação social continuam a nortear a editora até aos dias de hoje.

MST: A Expressão Popular tem como objectivo oferecer livros de qualidade a preços acessíveis. Como a editora mantém esse compromisso ao longo dos anos, especialmente considerando os desafios económicos e as pressões do mercado editorial?

MY: Isso tem sido um grande desafio, né? Não só para nós, mas para o conjunto do mercado editorial. Ainda mantemos o princípio da solidariedade, dialogando constantemente com autores e colaboradores nessa perspectiva de cessão de direitos autorais, o que acontece na maioria dos casos. Há diversas formas de contribuição: alguns pedem apenas alguns exemplares para divulgação, enquanto outros ficam satisfeitos em ver seu conhecimento sendo compartilhado. Esse princípio não se perdeu ao longo do tempo. E com mais de 700 títulos publicados, envolvendo um grande número de pessoas, todos compreendem que a editora está a serviço de uma causa maior: a transformação da realidade brasileira. Isso nos ajuda a resolver o problema, apesar dos desafios.

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«A nossa militância precisa de ler para entender o momento e se organizar melhor»

A afirmação é de Carlos Bellé, cuja trajectória de vida se mistura com a da editora Expressão Popular, que ajudou a fundar. São já 20 anos a contribuir para a formação política no Brasil.

Carlos Bellé destaca o papel da editora na formação ideológica da esquerda
CréditosMayara Paixão / Brasil de Fato

A livraria e editora Expressão Popular surgiu em 1999 no seio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na sequência da campanha de construção da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF).

Numa entrevista que concedeu ao Brasil de Fato há dois anos, Carlos Bellé, que integra a equipa da editora desde o seu início, falou sobre o seu surgimento: «Estávamos naquele recuo político da queda do Muro de Berlim, do "não existe alternativa", "o capitalismo venceu", "não tem mais outro jeito", "vai ter que viver nessa miséria de divisão da sociedade entre ricos e pobres"», disse, referindo-se ao contexto em que nasce a Expressão Popular.

Em seu entender, o surgimento da editora decorreu também do declínio que então se verificava ao nível da formação em organizações populares, sociais e político-partidárias da esquerda brasileira que tinham surgido no período da redemocratização.

A Expressão Popular nasceu então com o intuito de «fornecer subsídio político e ideológico para formar a militância e a classe trabalhadora». Bellé sublinha que a editora, com as suas características, «só tem sentido se contribuir para a formação de um militante entendido em todas as suas necessidades, desde a formação humana até a capacitação intelectual e política».

O preço acessível dos livros é um objectivos da editorial, para que, assim, possa «apoiar militantes e trabalhadores que queiram aprimorar as suas formações», refere o Brasil de Fato, explicando que muitos autores que «se identificam com a missão da editora e querem contribuir para um projecto de transformação social» não cobram direitos.

Duas décadas de vida

Ao longo do seu percurso, a Expressão Popular passou por diversos momentos de agitação política, dando sempre o seu contributo para a «disputa de ideias».

Quando nasceu, o Brasil passava pelo governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. Posteriormente, durante os governos petistas (2003-2015), assumiu «o papel de debater e ajudar a compreender o modelo de actuação política», apontando temas para a discussão com a militância, refere o portal brasileiro. Mais recentemente, viveu o golpe contra Dilma Rousseff e enfrenta agora o governo de Jair Bolsonaro.

«A nossa militância precisa de ler para entender o momento actual, se organizar melhor, desenvolver melhor a luta e projectar uma sociedade alternativa e socialista», afirma Carlos Bellé.

Para esse efeito, a editora adequa-se aos períodos históricos que os trabalhadores enfrentam. Miguel Yoshida, coordenador editorial, explica que o processo de escolha dos temas passa pela abordagem à luta de classes contemporânea, à agroecologia, à pedagogia socialista – que abarca as experiências de educação, cultura e literatura emancipadoras ao longo da história – e inclui a publicação de livros clássicos marxistas.

Actualmente, a editora conta com 587 títulos publicados, 150 pontos de distribuição em todo o país, e prossegue a missão de chegar a cada vez mais trabalhadores. Entre os autores publicados contam-se Paulo Freire, Florestan Fernandes, Augusto Boal, Ademar Bogo, Eduardo Galeano, Rosa Luxemburgo, entre muitos outros.

Em Junho de 2017, nasceu o Clube do Livro. A ideia é criar uma rede de leitores que tenham acesso mensal a títulos, a partir de uma assinatura fixa mensal, a fim de enriquecer os debates políticos sobre a conjuntura. «O Clube é um grande instrumento de formação política em termos de Brasil», diz Bellé.

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Contamos com a solidariedade não apenas de autores, mas também de tradutores e revisores. Embora tenhamos uma equipe profissionalizada, a solidariedade é crucial. Por outro lado, precisamos operar dentro das normas do mercado editorial, enfrentando desafios relacionados a gráficas, papel e outros custos da produção do livro. Tentamos equalizar esses gastos, mas estamos sujeitos às regras do mercado. Buscamos maneiras de ter canais de distribuição directa para chegar ao público a preços mais acessíveis, o que continua sendo um desafio. Antes da pandemia, tínhamos nossos livros em 150 pontos pelo Brasil, contando com diversas formas de distribuição. Com a pandemia, a retomada dessa política tornou-se mais difícil, mas estamos buscando adaptar-nos à nova conjuntura, mantendo a solidariedade na produção e distribuição dos livros. Novamente, é um conjunto de vontades solidárias que compõe a essência da editora.

MST: Você citou que actualmente a editora conta com mais de 700 publicações nestes 25 anos. Como a editora tem buscado diversificar seu catálogo e como é feita esta curadoria do que é publicado?

MY: A editora inicialmente estava mais voltada para a militância dos movimentos populares. Este era o princípio norteador. Sem abandonar esse compromisso, a editora expandiu seu alcance ao longo do tempo. Temos um público diversificado, incluindo um considerável público universitário, composto por professores e estudantes interessados em nossas obras. A organização do nosso catálogo e linha editorial é baseada em quatro eixos editoriais que guiam nossa produção.

O primeiro eixo é denominado «Clássicos do Marxismo», uma marca da editora desde sua fundação. Recuperámos textos da tradição marxista, abrangendo autores como Marx, Engels, Lénine, Rosa Luxemburgo, Clara Zetkin e Mariátegui, contribuindo para diversas áreas do conhecimento.

O segundo eixo é a «Pedagogia Socialista», compreendida em uma perspectiva ampla além da educação escolar. Desde a Comuna de Paris em 1871 até às tradições da Revolução Russa e da educação soviética, buscamos inspiração para pensar a educação, incluindo debates contemporâneos sobre a educação no campo. Isso inclui uma colecção de literatura, reflectindo sobre a formação cultural e a educação dos sentidos.

O terceiro eixo, «Luta de Classes Contemporânea», foca na compreensão da dinâmica da sociedade actual. Analisamos a movimentação do grande capital, os eixos de acumulação de capital e as possíveis lutas políticas diante das contradições da luta de classes hoje.

O quarto eixo, «Agroecologia», não apenas reflecte nossa relação com o MST, mas também aborda a questão ambiental essencial para a vida no planeta. Exploramos a agroecologia não apenas em termos técnicos, mas também nas implicações políticas, relacionando-a à crise ambiental e à produção no campo.

Cartaz relacionado com o 25.º aniversário da Expressão Popular / MST

Dentro desses quatro eixos, diversas colecções abordam temas específicos, reflectindo a maneira como organizamos nossa produção editorial.

MST: Ao celebrar esse marco de 25 anos, quais as perspectivas e objectivos futuros da Editora Expressão Popular?

MY: Temos projectos em andamento que seguem a essência da editora. Desde 2020, por exemplo, desenvolvemos o projecto chamado União Internacional de Editoras de Esquerda. Diante da persistência e intensificação do imperialismo, que impacta nossos territórios e a classe trabalhadora nos países do Sul Global, enfatizamos o internacionalismo como princípio fundamental. Essa união, iniciada com a LeftWord Books, da Índia, e a Batalha de Ideias, da Argentina, agora conta com aproximadamente 50 editoras, abrangendo do Chile à Coreia do Sul.

Essa união possui três iniciativas centrais. A primeira é a publicação de «livros conjuntos», onde decidimos publicar um livro em várias línguas simultaneamente. No ano passado, lançámos um livro sobre os 50 anos do golpe no Chile em diversas línguas, promovendo a diversidade linguística. O objectivo é disseminar o pensamento do Sul Global globalmente. A segunda iniciativa é o «intercâmbio de catálogo», possibilitando a publicação de títulos interessantes em diferentes países de forma solidária, fortalecendo a rede entre as editoras.

Além disso, destacamos o «Dia dos Livros Vermelhos» em 21 de Fevereiro, marcando o lançamento do Manifesto Comunista em 1848. A campanha busca tornar esse dia significativo para a cultura de esquerda, promovendo a leitura colectiva de livros inspiradores.

Outro projecto importante é o Clube do Livro Especial, iniciado em 2017 e actualizado em 2023. Com foco na resistência à ofensiva imperialista, o Clube do Livro Sul Global publica textos de autores ainda não publicados ou esquecidos no Brasil, promovendo o pensamento do Sul Global. Autores como Fidel Castro, Martha Alencar, José Carlos Mariátegui, Ruth Furst e Thomas Sankara são incluídos, fortalecendo teoricamente a luta anti-imperialista. Esses projetos são estratégicos para o fortalecimento da editora.

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